Jornalismo profissional é antídoto para notícia falsa e intolerância

Documento atualiza compromissos da Folha em uma era de mudança de hábitos dos leitores

Capítulo 3
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1986 - A Folha em busca da excelência

PARA ESTAR EM PRIMEIRO LUGAR

A Folha é atualmente o jornal de maior circulação entre os diários brasileiros. De junho de 1984 a junho de 1986, nossa circulação paga cresceu 39,5% chegando a um total de 291.659 exemplares em média por dia. A Redação contribui para o êxito, mas não é a única responsável por ele. Esse sucesso é resultado de um esforço conjunto de toda a empresa que edita o jornal.

Ser o primeiro do país implica inestimável responsabilidade pública e profissional para cada jornalista que trabalha na Folha. Qualquer retrocesso significa perder a primazia. Todo o esforço deve estar voltado para ampliar a vantagem.

A preocupação mais profunda e permanente da Folha neste momento é a informação exclusiva. Mas informação exclusiva não vale quase nada se não for comprovada e exata. Perde muito da sua força quando mal escrita ou mal editada.

A expectativa do leitor é que o jornal se diferencie pela excelência do produto, o que exige perfeccionismo em todas as fases do trabalho.

Os grandes problemas de infra-estrutura jornalística, identificados com insistência nas duas versões do projeto editorial anteriores a esta, estão em parte resolvidos.

O Manual Geral da Redação está incorporado aos hábitos do trabalho jornalístico. Sua segunda edição, que deve circular em janeiro de 1987, será mais completa que a atual e de consulta mais fácil. As equipes que deverão usá-la já operam segundo padrões de razoável homogeneidade. Deverão continuar a utilizar o Manual em todas as situações, mas estar atentas para o fato de que não basta obedecê-lo para fazer bom jornalismo.

Desapareceu a distância funcional entre reportagem e edição. A estrutura salarial da Redação é competitiva e supera, em certas faixas, os valores médios do mercado. Dos 350 jornalistas da Folha, apenas 78 ganham o piso do jornal (junho/1986), 20% superior ao piso da categoria no Estado de São Paulo.

Diminuiu a rotatividade de profissionais, característica do período ainda recente de imensas modificações de pessoal. Organizaram-se equipes de modo geral mais bem-integradas. Vem sendo praticada uma política de valorização com base nas avaliações do desempenho profissional. Em dois anos (junho/1984 - junho/1986), 168 promoções salariais por mérito foram efetuadas, além das promoções de função.

As contratações são feitas por concurso público e exame de banca. O Planalto de Metas Trimestrais está implantado, ainda que seus resultados palpáveis estejam muito aquém da expectativa. A Avaliação do Desempenho Profissional está consolidada.

A Redação conta com mecanismos que permitem conhecer melhor a qualidade do produto jornalístico, suas virtudes e suas fraquezas. Aumentou a prática da previsão e do planejamento jornalístico. Está em funcionamento o Programa de Seminários com vistas à melhoria da capacidade técnica das equipes e à especialização dos profissionais. Houve avanços na rede noticiosa do jornal fora da sede, no rumo de uma cobertura cada vez mais profissional e menos circunscrita a São Paulo.

O Orçamento da Redação está pronto e será implantado ainda no ano de 1986. Com ele, ocorrerá uma descentralização substancial do funcionamento administrativo da Redação e das decisões editoriais vinculadas a esse funcionamento. É importante, agora, evitar que esse desenvolvimento obtido no aspecto organizacional da Redação se traduza em uma tendência para buscar o trabalho jornalístico. Não se cogita de abandonar o percurso já realizado, nem de transigir com os objetivos de organizar mais e melhor as condições a partir das quais é produzido o material jornalístico. Não se deve tampouco menosprezar a importância vital da racionalidade e do planejamento do jornalismo de hoje.

INFORMAÇÃO CRÍTICA E CONCISA

É preciso que todos os esforços estejam mais voltados para a informação exclusiva, inédita, completa, exata, escrita de modo despojado e conciso, editada com inteligência, rapidez e audácia.

A Folha está firmemente disposta a publicar com destaque toda informação relevante e comprovada que puder obter. A independência editorial tem-se fortalecido na prática de um jornalismo que procura ser crítico e apartidário, que não presta contas a ninguém salvo ao leitor. É preciso que essas condições políticas sejam preenchidas por um conteúdo jornalístico mais noticioso e de maior impacto.

A quantidade de furos tomados, erros de informação e falhas de aproveitamento de notícias deve ser motivo de grave preocupação para todos os jornalistas da Folha. Não podemos nos satisfazer com o nível de qualidade média alcançada até aqui, que é muito baixo.

Precisamos insistir no fortalecimento de uma disciplina rigorosa de prevenção do erro jornalístico. Temos de criar a consciência de que qualquer erro é extremamente importante e configura uma ofensa aos direitos do leitor. É preciso que cada um se sinta estimulado a adotar uma atitude que concilie perfeccionismo e velocidade em face da tarefa jornalística e das necessidades do cronograma industrial e de distribuição da Folha.

É preciso que os textos sejam mais bem-escritos e que as edições tenham melhor acabamento. É necessário que as pautas sejam inteligentes, imaginosas, agressivamente investigadas. O jornal está repleto de declarações, e esse é um jornalismo cômodo, fácil de fazer, que nos deve interessar pouco. Um fato vale mais do que dez declarações.

A ARTE DA BOA EDIÇÃO

Os editores devem dividir seu trabalho de modo seletivo. O jornal tem que noticiar tudo o que sabe comprovadamente, de modo conciso, exato e completo. É a rotina. Mas tão importantes quanto essa rotina são os assuntos que a edição vai aprofundar e destacar.

São opções que é preciso assumir, com energia, no sentido de determinar o que será escolhido para receber tratamento jornalístico especial, com intenso trabalho de reportagem acoplado ao aproveitamento prioritário por parte da edição. Cada editoria do jornal deve noticiar o dia-a-dia de sua área de forma completa mas concisa e reservar seus altos de página para assuntos que o jornal estará explorando com exclusividade ou primazia, sempre com determinação e coragem editorial.

Precisamos agilizar os meios de informação interna na Redação, na sede e fora dela. Não é possível tomar decisões audaciosas com segurança se o que se tem são "flashes" parciais, tardios e, muitas vezes, inexatos. Não é possível que a reportagem e a edição voltem suas baterias par os mesmos temas, sob um mesmo enfoque, se não houver uma intensa afinidade intelectual e técnica entre editores e equipes. É ilusão crer que conseguiremos registrar todas as notícias corretamente e investigar a fundo os assuntos que a sensibilidade jornalística recomendar se esses conceitos não estiverem claros para todos e se os critérios de decisão não forem, por meio da crítica e da discussão internas, transformados em patrimônio geral.

METAS PARA UM ESTILO MARCANTE

Vamos manter o pluralismo como característica marcante do perfil da Folha. Vamos insistir na necessidade de modernizar o estilo jornalístico e de abordar assuntos sob pontos de vista que correspondem às necessidades emergentes na vida do leitor. Vamos procurar enfoques originais e diferenciados. Vamos preservar a atitude editorial de apartidarismo. Vamos manter a preocupação com o didatismo.

Mas é preciso evitar a aplicação formal, mecânica, desses princípios. Impedir que as etapas anteriores à edição resultem em desatenção quanto às informações concretas ou negligência quanto ao espírito crítico que o jornal deve manter diante delas. Só assim se evitará que a edição se veja compelida, como atualmente, a fazer malabarismo de titulagem, a escrever boxes críticos apressados a fim de corrigir artificialmente um defeito que poderia ter sido evitado durante o processo de produção do material jornalístico.

Precisamos de maior empenho na realização de um jornalismo didático e de serviço, assim como de mais velocidade no processo de especialização profissional. Cada texto publicado na Folha deve ser claro e explicativo o bastante para ser lido com utilidade pelo leigo, sofisticado o bastante para ser lido pelo especialista e enriquecido sempre por uma dimensão de serviço que o fará lido por ambos. É importante indagar-se sempre onde está o interesse direto, imediato do leitor, e procurar por todos os meios atendê-lo. É necessário apresentar os assuntos de forma lógica, clara e fácil para quem vai ler.

É preciso empregar soluções de edição que sejam plasticamente boas e, ao mesmo tempo, suscetíveis de aplicação rápida e prática. Precisamos melhorar a utilização que fazem do modelo gráfico atualmente adotado pela Folha. Precisamos aumentar a presença e a qualidade técnica, estética e de legibilidade de fotos, gráficos e ilustrações no jornal, terreno em que obtivemos progressos mas onde ainda há muito trabalho a fazer. Precisamos de títulos mais inteligentes, menos óbvios e mais criativos do que temos feito até aqui.

O ano de 1987 será dominado pela presença do Congresso constituinte. A cobertura de suas atividades será um dos temas essenciais para a Folha no período de vigência desta versão do Projeto Editorial. A Folha deve revelar ao seu leitor, sem receios, os interesses corporativistas que serão mascarados em propostas com retórica de defesa da sociedade como um todo. Deve evitar o tom técnico-jurídico pouco acessível e interessante que provavelmente prevalecerá nos debates. Deve obedecer sempre às propriedades da informação completa, exclusiva, comprovada e bem redigida.

O outro foco de atenção editorial prioritária para a Folha neste período será a discussão em torno da reforma tributária. O jornal deve manter o assunto em pauta, em coerência com sua preocupação editorial de contribuir para que a sociedade brasileira possa eliminar a miséria e diminuir os desníveis sociais e regionais. Ao mesmo tempo, o jornal deve manter uma atitude de verificação constante e implacável do grau de eficiência dos mecanismos estatais na aplicação dos recursos públicos.

Esses princípios de comportamento jornalístico diante de dois temas que estarão entre os mais importantes nestes doze meses no Brasil são congruentes com a atitude do jornal em favor de uma sociedade de mercado dotada de instituições políticas que possam viabilizar as pressões dos grupos excluídos das vantagens do desenvolvimento.

Até aqui, muito do esforço na Folha tem sido dedicado a suprir lacunas estruturais da Redação ou a organizar melhores condições no interior da estrutura. O que se propõe agora é uma ofensiva no domínio da informação a ser publicada do dia seguinte. É preciso que as equipes atuem com agilidade, sofisticação e espírito de iniciativa, que as antigas divisões entre trabalho de reportagens, redação e edição desapareçam em favor de um tipo de profissional dotado de conhecimentos especializados mas nem por isso confinado a um compartimento de atividade jornalística. Todos devemos participar do trabalho de pauta e de levantamento de informações, todos devemos trabalhar junto à edição do material informativo, todos os profissionais que exercem cargos de comando devem redigir habitualmente e todo repórter deve ter texto final, de preferência no próprio terminal de vídeo. Até agora tratou-se principalmente de lançar as bases de um jornalismo que se destaque como o melhor do país. Agora, trata-se de fazê-lo.