CREDIBILIDADE EXIGE RESPONSABILIDADE
A campanha diretas-já faz parte da história brasileira. Faz parte, também, da história da Folha, que aderiu à campanha em novembro do ano passado e foi o primeiro grande meio de comunicação a fazê-lo.
De novembro até a votação da emenda Dante de Oliveira, em abril, o jornal experimentou uma mobilização interna sem precedentes. Externamente, disseminou e consolidou o prestigio público acumulado nos anos anteriores. Impôs-se, ao país inteiro, como uma das principais forças formadoras de opinião pública. Conquistou um importante crédito de confiança junto à sociedade civil. Antes da campanha, era difícil ignorar a Folha; depois dela, tornou-se impraticável.
Esse desenvolvimento aumenta nossas responsabilidade. Depende do nosso trabalho levar a Folha até a sua maturidade jornalística ou fazê-la regredir, desperdiçando uma oportunidade talvez única.
Temos em nosso favor a ausência de preconceito, uma posição política aberta e que encontra ampla ressonância na opinião pública, uma disposição para crescer e mudar e ainda a relativa estagnação em que se acha a maioria dos demais grandes jornais.
Sobretudo, temos atrás de nós uma empresa economicamente sólida, financeiramente saudável e que vem adotando uma atitude crescentemente agressiva no setor publicitário e comercial. É a situação privilegiada da empresa que tem assegurado a autonomia política e a contundência editorial da Folha.
Temos contra nós graves problemas de estrutura jornalística. A empresa tem feito investimentos nessa área, e o exemplo mais notável nesse sentido é a criação da reportagem especial. Não somente na reportagem especial, mas na Folha como um todo trabalha hoje um número expressivo de jornalistas talentosos, capazes e dedicados.
Não obstante, enfrentamos dificuldades sérias. Nossos serviços noticiosos são ainda precários, a qualidade das nossas edições é muito flutuante, há altos e baixos no interior de cada edição.
A fase de instalação do sistema de vídeo está praticamente encerrada, e com sucesso. Mas o fluxo interno, desde as fontes de produção até a impressão, é cheio de percalços e irregularidades. Não conseguimos cumprir o cronograma imposto pelas exigências industriais e da circulação. Nossos mecanismos de controle sobre o padrão técnico do material editado são falhos: é raro que uma edição da Folha não apresente erros grosseiros de informação e de edição.
Assoberbados pelo acúmulo de trabalho, que às vezes conduz quase à exaustão física e psicológica, os jornalistas que ocupam cargos de chefia estão excessivamente absorvidos pela rotina e pelos problemas do dia-a-dia, sem tempo –e frequentemente sem ânimo– para atacar os problemas de estrutura, que são a verdadeira causa dos problemas diários.
Nossos critérios ainda são muito heterogêneos e, além disso, é comum faltar orientação editorial para repórteres ou redatores, que se ressentem da falta de instruções precisas e uniformes. Finalmente –e apesar das constantes substituições de pessoal, responsáveis em parte por uma certa turbulência que intranquiliza a Redação–, ainda há um número considerável de jornalistas cuja qualificação profissional não está à altura das exigências colocadas pelo Projeto da Folha. Não há tempo nem condições materiais para adestrá-los e prepará-los adequadamente; terão que ser substituídos. A empresa terá que investir para viabilizar essas substituições e para remunerar melhor a maioria que permanecerá.
A BUSCA DO JORNALISMO MODERNO E APARTIDÁRIO
O Projeto em curso na Folha teve origem em discussões que iniciaram por volta de 1974; há dez anos, portanto. O modelo de jornalismo que este Projeto advoga está claramente delineado em dois documentos sucessivamente produzidos no âmbito do Conselho Editorial: "A Folha e alguns passos que é preciso dar" (junho, 1981) e "A Folha em busca do apartidarismo, reflexo do profissionalismo" (março, 1982). O crescimento contínuo do prestígio, da credibilidade e da influência da Folha constitui um sintoma inequívoco de que este Projeto está correto. Temos um mandato expresso de quase 300 mil compradores de jornal, renovado a cada dia nas bancas e na não-suspensão das assinaturas, para levar esse Projeto adiante. É em nome dos quase 900 mil leitores reais, que estão por trás daqueles 300 mil, que fazemos a Folha. É o mandato conferido implicitamente por eles e que eles podem cassar a qualquer dia que legitima as nossas decisões.
As idéias gerais que norteiam o modelo de jornalismo que vimos procurando pôr em prática estão condensadas a seguir. Trata-se de um jornalismo crítico, pluralista, apartidário e moderno.
Crítico - Não basta relatar os fatos, é preciso expô-los à crítica.
Por definição, qualquer fato jornalístico é objeto da crítica jornalística. Pode ser a crítica propriamente dita, como, por exemplo, no editorial ou no artigo assinado. Pode ser a crítica realizada por meio da interpretação do fato e da análise de suas causas e consequências, como na reportagem ou no texto de apoio assinado. Pode ser crítica que o repórter realiza quando compara fatos, estabelece analogias e veicula diferentes versões sobre um mesmo fato. Todo fato comporta mais de uma versão; a verdade pode emergir da contradição entre diferentes versões. Não é errado publicar versões contraditórias; errado é o jornal ou o jornalista fazer-se de árbitro da verdade e impedir uma ou várias versões de chegar até o leitor. O tom de crítica –serena e fundamentada– deve permear o jornal da primeira à última página. Não somos jornalistas para elogiar, mas para criticar.
Pluralista - A sociedade é plural; há sempre interesses e pontos de vista em conflito. O melhor serviço público que um jornal não-partidário pode fazer é tornar essa realidade transparente; é reproduzir, em suas páginas, e na proporção mais exata possível, a forma pela qual as divergências se distribuem no interior da opinião pública. Isto não significa que o jornal se abstém, que não toma posição, que é "neutro" –nada disso. Mas o jornal não quer impor suas opções ao leitor, não quer aprisioná-lo numa camisa-de-força ideológica, não quer tiranizá-lo. Vamos deixar que as dissonâncias corram soltas, vamos estimular a polêmica, vamos tornar tudo - inclusive o próprio jornal –cada vez mais visível, mais público e mais transparente para o leitor. Ele que decida de acordo com o seu próprio interesse, que ele sabe avaliar muito melhor do que nós.
Também o pluralismo deve permear o jornal do começo ao fim. As reportagens precisam relatar os vários pontos de vista das pessoas envolvidas com o fato; ao pautar artigos, devem balancear-se tendências diferentes e, se possível, opostas; idem ao se pautarem debates, entrevistas etc.
Apartidário - A Folha é grande o suficiente e abarca um número suficientemente alto de leitores para que pudesse ser um jornal partidário; uma opção partidária significaria, hoje, reduzir nosso impacto sobre a opinião pública e autocondenarmo-nos ao isolamento. Ser um jornal partidário é ser um jornal organicamente vinculado a um partido político, a uma tendência ideológica, a um grupo econômico, a um governo, a um líder. Não temos, felizmente, qualquer vinculação desse tipo. Mas ser um jornal apartidário não significa ser um jornal que não toma partido. Pelo contrário, a Folha faz questão de tomar partido no maior número possível de temas. Mas não tomamos partido mecanicamente; não fazemos, para utilizar uma expressão de origem diplomática, "alinhamentos automáticos". Cada questão é uma questão, e nós tomamos partido em relação a ela especialmente, não em relação à estratégia geral de quem a propõe, seja um partido, um grupo etc.
Moderno - O sentido de moderno é, no caso, bem concreto. Jornalismo moderno na medida em que se propõe a introduzir, na discussão pública, temas que até então não tinham ingresso nela. Na medida em que põe em circulação novos enfoques, novas preocupações, novas tendências.
O principal objetivo do nosso trabalho é formar, entre nós, uma opinião pública esclarecida, crítica e atuante.
PRECISAMOS ATACAR OS PROBLEMAS
Precisamos identificar e atacar diretamente os problemas de estrutura. Antes de tudo, temos que uniformizar nossos critérios editoriais e técnicos. Está praticamente concluído o Manual Geral da Folha. Ele é fruto de um processo que se estende desde o final do ano passado.
Um esboço originário, solicitado pelo Conselho Editorial à direção da Sucursal do Rio, foi longamente desenvolvido pela equipe que no início deste ano integrava a Direção de Redação (editor responsável, secretário do Conselho e secretário de Redação). Foram pedidas críticas e sugestões à chefia da Agência, aos editores, à cúpula da Sucursal de Brasília, aos repórteres especiais e a alguns colaboradores do jornal.
Não se trata de um evangelho editorial. Trata-se de uma base de referência que traduz uma visão uniforme sobre os vários problemas da atividade jornalística. Organizado sob a forma de centenas de verbetes práticos, o Manual Geral vai sustentar as nossas discussões e decisões com a objetividade do texto escrito, que substituirá a subjetividade das opiniões pessoais.
É consenso que o ponto frágil da Folha é a informação. Precisamos informar mais e melhor. Temos que publicar textos mais corretos, mais objetivos, mais concisos, mais claros, mais completos e, sobretudo, mais exatos. A chefia da Agência está concentrando esforços numa verdadeira batalha pela exatidão em todos os níveis. Esta é a tarefa prioritária. É imprescindível que todos nós estejamos firmemente engajados nela.
Os companheiros que ocupam cargos de chefia na redação e sucursais devem dedicar menor tempo e atenção aos trabalhos da rotina diária, os quais devem ser delegados a subordinados que possam responder pelas consequências da execução. Em contrapartida, os que exercem aquelas funções de chefia precisam voltar-se para o que estamos chamando de problemas estruturais.
Precisam orientar mais suas respectivas equipes, expondo os objetivos e discutindo as falhas ocorridas. Precisam utilizar a imaginação para impulsionar o trabalho de pauta e para conceber novos enfoques em relação ao noticiário. Precisam planejar antecipadamente as suas edições e estabelecer esquemas alternativos a serem adotados caso o planejamento fracasse ou novos fatos determinem que ele seja modificado ou simplesmente abandonado –não está errado mudar o que se planejou; errado é não ter planejado nada.
Precisam, ainda, agilizar o relacionamento entre as editoriais e a reportagem, sucursal e correspondentes. Precisam, também, investir jornalisticamente em alguns assuntos, que considerem promissores, em detrimento de outros, que merecerão apenas registro no jornal. É necessário audácia editorial para apostar nesta pauta e minimizar aquela outra, assim como é preciso determinação para recusar trabalhos de qualidade insatisfatória, para punir erros cometidos e para, em última instância, substituir profissionais.
Quem exige esse zelo rigoroso é o interesse do leitor, ele próprio cada vez mais exigente. Nós não temos alternativa exceto a intransigência técnica. Os companheiros que não exercem cargos de chefia precisam investir constantemente em seu próprio desenvolvimento profissional. Embora as estruturas da carreira jornalística sejam mal organizadas na nossa redação e apesar de existirem desníveis muito pronunciados na nossa estrutura salarial, a Folha é reconhecidamente permeável. Para que "se tenha futuro na Folha" não se requer experiência, nem "muitos anos de casa" ou de idade, nem se pedem atestados ideológicos a quem quer que seja. Os companheiros que não exercem cargos de chefia devem defender seus interesses pessoais em favor dela. Devem brigar por suas pautas, devem discutir abertamente com suas chefias, devem tomar conhecimento e questionar a avaliação que é feita, mensalmente, acerca de seu próprio desempenho.
Devem procurar aprender e aperfeiçoa e profissionais. Devem mostrar na prática a qualidade de seu trabalho e argumentar-se, no trabalho e no debate. A Folha estimula a polêmica em todos os níveis salvo o da execução.
A Folha é o meio de comunicação menos conservador de toda a grande imprensa brasileira. É o que mais tem-se desenvolvido nestes anos. É o mais sensível aos movimentos da opinião pública e é também o mais ágil. Politicamente é o mais arrojado. É com certeza o que encontra maior repercussão entre os jovens. Foi o que primeiro compreendeu as possibilidades da abertura política e o que mais se beneficiou com ela, beneficiando a democratização. É o jornal pelo que a maioria dos intelectuais optou. É o mais discutido nas escolar de comunicação e nos debates sobre a imprensa brasileira. Está no rumo certo, graças à lucidez e à competência dos que dirigem a empresa e graças ao trabalho jornalístico que conseguimos desenvolver até aqui.
Contamos agora com o respaldo da Folha da Tarde, que continuará sendo um jornal diverso da Folha, mas que passa a atuar ao nosso lado, segundo uma estratégia comum que prevê uma relação de complementaridade entre ambas.
Do prosseguimento firme do nosso trabalho depende a meta mais alta: fazer da Folha o principal jornal do país e dos profissionais que nela trabalham os mais valorizados e respeitados de toda a categoria.