Milho verde, ingrediente que será destaque no festival Fartura

Milho verde, ingrediente que será destaque no festival Fartura Keiny Andrade/Folhapress

Caminho da roça

Terceira edição paulistana do festival Fartura busca a base mais autêntica da cultura alimentar do Brasil

Capítulo 5
Produtores

Linguiceira de Bragança recria receitas italianas do século 18

Patricia Polato desenvolve em seu sítio produtos artesanais para chefs

Os embutidos da charcuteira Patricia Polato, no restaurante Carlota, em SP (Keiny Andrade/Folhapress)

Os embutidos da charcuteira Patricia Polato, no restaurante Carlota, em SP (Keiny Andrade/Folhapress)

Fernanda Reis
São Paulo

Ao se apresentar como charcuteira, Patricia Polato, 46, já ouviu de volta: "Você faz charuto?". Para que não haja dúvidas sobre o que ela faz, diz, então, que é linguiceira.

Mas Patricia faz mais do que linguiças. Produz tantos embutidos que já perdeu a conta. De sua cozinha saem salames de várias cores (até um todo branco), copas, presuntos, uma morcilla de açaí e "queijo" de porco -uma charcutaria -a arte de preparar produtos à base de carne ou miúdos- foram estimulados por uma disputa com Marcos, seu marido.

De descendência italiana, ela dizia que a linguiça de sua avó era melhor do que a da avó dele, espanhola. Para tirar a prova, os dois decidiram pedir as receitas aos parentes.

Em contato com tias na Itália, Patricia descobriu que o modo de preparo da linguiça dos Polato datava do século 18 e que a charcutaria era uma tradição das mulheres da família. Seu interesse pelas carnes foi, assim, despertado.

"Existia uma coincidência feliz de eu morar em Bragança, a terra da linguiça", diz. A partir daí, resolveu pesquisar o assunto, sem planos de fazer disso uma carreira.

Formada em biologia, trabalhava com controle de qualidade de produtos cárneos e, um dia, foi enviada ao Grande Hotel em Águas de São Pedro. Ao ver que o estabelecimento dava cursos de gastronomia, matriculou-se no de açougue.

A avó estranhou: uma menina açougueira? Por que não virava confeiteira? É um universo machista, diz Patricia, que já ouviu piadas como "você é boa de linguiça?". Na escola, era a única mulher da turma.

As primeiras linguiças que produziu eram para amigos. Fizeram tanto sucesso que ela se viu cozinhando 120 quilos de carne de uma vez. Diante do volume o marido propôs: que tal construir uma cozinha maior e começar a vender?

Em dois meses, a cozinha onde trabalha até hoje, com mais duas pessoas, estava pronta. Ali, faz embutidos como seus antepassados faziam.

Para dar conta da demanda, fez uma parceria com uma cooperativa que replica suas receitas e métodos, mas entrega um produto com a certificação federal SIF, que permite a venda para outros estados.

A chef Patricia Polato, com embutidos da Linguiçaria Real Bragança
A chef Patricia Polato, com embutidos da Linguiçaria Real Bragança - Keiny Andrade/Folhapress

Há semanas em que abate 1.300 quilos de porco, de uma granja parceira. "Controlo o que ele come, como engorda", diz. "Consigo um porco caipira, sem uso de medicamentos, de carne saborosa, com maior quantidade de gordura."

Seu trabalho ficou conhecido no boca a boca: o chef Marcelo Giachini foi a seu ateliê, gostou e passou a chamá-la para eventos. Neles, conheceu mais chefs, hoje clientes.

"Eles dizem que querem um embutido "assim, assim e assim" e eu desenvolvo. Já fiz para Claude Troisgros, Roberta Sudbrack, Carla Pernambuco, Bel Coelho, Helena Rizzo."

Nem sempre as receitas saem como esperado. Uma vez, tentou fazer uma linguiça com abacaxi. No segundo dia, o ácido da fruta cozinhou a carne, e a mistura virou um patê. Havia criado, sem querer, uma linguiça blumenau -cremosa por dentro- de abacaxi.

Competir com a indústria de carnes não é fácil, diz. "Produzo 10, 15 presuntos crus por ano. Não vou conseguir fazer milhares. Mas jamais fariam como eu, porque é um presunto que fica um ano e meio curando, sem aditivos. Só sal."

Fazer embutidos não é só jogar sal na carne -se não for feito com cuidado, pode matar alguém de botulismo, alerta. "É feito a mão, com menos aditivos, mas não pode ser feito de maneira ogra."

Serviço Patricia Polato vai estar no Espaço Produtos e Produtores, durante os dois dias do festival Fartura