Milho verde, ingrediente que será destaque no festival Fartura

Milho verde, ingrediente que será destaque no festival Fartura Keiny Andrade/Folhapress

Caminho da roça

Terceira edição paulistana do festival Fartura busca a base mais autêntica da cultura alimentar do Brasil

Capítulo 5
Produtores

Falta de tradição favorece queijo artesanal paulista

Investimento em tecnologia e criações próprias rendem prêmios internacionais

Queijos de leite de cabra, da Capril do Bosque, em Joanópolis, que serão vendidos no Fartura (Keiny Andrade/Folhapress)

Queijos de leite de cabra, da Capril do Bosque, em Joanópolis, que serão vendidos no Fartura (Keiny Andrade/Folhapress)

Danae Stephan
São Paulo

Falta tradição à queijaria paulista. Ainda bem. Diferentemente de Minas Gerais, onde o peso da herança histórica obriga produtores a usar processos seculares e rigorosos, São Paulo se apoia na inovação para desenvolver novos métodos, tecnologias e jeitos de extrair mais do mesmo.

É assim que apenas 12 produtores conseguem oferecer mais de 120 tipos de queijos de todos os sabores, texturas e cores. Há variedades de vaca, búfala, cabra e ovelha, frescos ou maturados, com ou sem mofo.

Para divulgar suas invenções e mostrar até para os próprios paulistas que queijo bom não precisa ser importado, esses produtores lançaram em 2017 o Caminho do Queijo Artesanal Paulista (caminhodoqueijopaulista.com.br), projeto que cria uma rota de visitação com as melhores fazendas do ramo.

Encabeça a iniciativa a mestre-queijeira Heloísa Collins, da fazenda Capril do Bosque, em Joanópolis, que produz 14 variações de queijo de cabra, duas delas premiadas em concursos nacionais.

O azul do bosque, que ela considera a joia de sua fazenda, é o único queijo azul de cabra no Brasil e garantiu o 11º lugar no World Championship Cheese Contest (WCCC) de 2017, concurso que avaliou três mil queijos de 21 países, e o troféu superouro no Prêmio Queijo Brasil do mesmo ano.

Estará no Fartura ao lado do também premiado cacauzinho, maturado em uma mistura de cacau e cumaru; do lua do bosque, coberto por mofo branco; e da pirâmide cendré, maturada em carvão.

Prêmio não falta nesse caminho. O tulha, da Fazenda Atalaia, em Amparo, conquistou o selo ouro no WCCA, um ano antes. Feito com leite de vaca pasteurizado, é maturado por um a dois anos em tulhas, casas de taipa que eram usadas para estocar café. O resultado é um queijo quebradiço com sabor doce, picante e levemente salgado.

No festival Fartura, vai acompanhar outras duas criações da fazenda: o mogiana, que leva urucum na massa e é indicado para preparos quentes, e o recém-lançado queijo da toca, maturado em caverna de pedra.

Da Leiteira Santa Paula, em São José do Rio Pardo, saem os frescos de sabor suave. Tão frescos que vêm embalados com um raminho de hortelã. Enquanto a erva estiver viçosa, a queijeira Paula Florence Vergueiro garante seu frescor.

A coalhada seca, de boa acidez, também estará no Fartura, ao lado do fermier, xodó da marca que nasceu por acaso: Paula tinha 400 litros de leite prestes a estragar dentro de um resfriador quebrado. "Temperei, coloquei azeite e nunca mais parei de fazer", diz.

A último participante é a Pardinho Artesanal, de Pardinho, que matura seus queijos de leite de vaca Gir em cavernas de pedra subterrâneas por 15 meses.

Levará para o evento seus carros-chefes: o cuesta, recoberto com fungos que dão um sabor acentuado de cogumelos; o cuesta azul, versão mais suave, feita com mofos azuis; e o mandala, de miolo macio e sabor amadeirado.

No Ceará, chef tenta salvar o queijo tipo manteiga do esquecimento

Uma das estrelas do restaurante Quintal, em Fortaleza, do chef português Marco Gil, está praticamente em extinção no Ceará.

O queijo-manteiga, de produção artesanal, já fez parte da tradição popular da região, mas foi perdendo espaço para tipos mais fáceis de encontrar, como o coalho.

"É muito mais difícil comprar um queijo regional do que um importado", diz Gil. "Brie e camembert tem até em loja de conveniência."

Hoje, o chef consegue a matéria-prima de modo informal no estado vizinho, Rio Grande do Norte.

Culpa da legislação atual, que restringe a circulação de produtos artesanais de origem animal a seus locais de produção.

Nachos do sertão, do chef Marco Gil, feito com queijo tipo manteiga
Nachos do sertão, do chef Marco Gil, feito com queijo tipo manteiga - Divulgação

Para ser vendido em outros estados, é preciso um selo federal, mas os critérios exigidos -como veterinário fixo- tornam a tarefa quase impossível para pequenos produtores.

Essa realidade começa a mudar, graças à lei nº 13.680, sancionada em 14 de julho. Ela cria um selo único, o Arte, e transfere para os estados a responsabilidade pela regulamentação.

Até lá, o comércio interestadual está liberado, para tranquilidade do chef, que vai preparar no Fartura os nachos do sertão (chips de macaxeira com molho de queijo-manteiga, carne de sol salteada, creme de abacate e pimentas).

No restaurante, o queijo aparece também em sobremesas, como a tradicional cartola, de banana pré-frita ou grelhada coberta com queijo amolecido, ou em sua versão "mineira", com goiabada no lugar da banana.
Os ingredientes locais são tão importantes para o chef que ele ajudou a criar uma rede de fornecedores de produtos artesanais, sustentáveis e sazonais.

Para ele, o queijo-manteiga é mais do que um insumo do dia a dia: "É um ato cultural".

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