Os eventos do Fartura - Comidas do Brasil, com sete edições ao ano a ocupar as cinco regiões do país, são um momento de comunhão.
Pois bem. Estamos a celebrar a nossa cozinha num ambiente alegre, particularmente favorável à troca. Sobretudo em São Paulo, cidade na qual a plataforma se empenha em reunir pelo menos um representante de cada estado do país e do Distrito Federal, todos já mapeados pela Expedição Fartura, in loco.
Cozinheiros, produtores, pesquisadores, com presença reforçada de mulheres, virão ao festival compartilhar seus modos de vida, ingredientes que marcam a cultura de suas terras, técnicas de preparo, histórias que envolvem a comida, os gestos repetidos ao cozinhar, o ato de comer.
São esses elementos, aliás, que o Fartura busca, em essência e com profundidade, nas expedições que realiza há sete anos pelo Brasil.
A pesquisa em campo não só o sustenta com consistência e solidez como também o alimenta com um conhecimento vivo, dinâmico.
Muitas vezes os personagens são anônimos, garimpados pelo projeto em viagens e, num segundo momento, são reunidos nos festivais, com repertórios próprios a nos ensinar do que é feita a cozinha brasileira -e como e por quem.
Às vésperas do festival paulista, a equipe excursionou pelo Vale do Paraíba e região, à procura da gênese da cozinha caipira, apoiada no milho, no porco, na galinha, no feijão.
Rodou cidades interioranas e sítios na tentativa de identificar o que particulariza o caipira outrora simbolizado por Monteiro Lobato (1882-1948). Ainda que essa figura tenha sido desprezada e estigmatizada, ligada a uma ideia de pobreza e miséria, hoje nota-se um movimento de ressurgimento e revalorização desse modo de vida.
O cozinheiro Rafael Cardoso, por exemplo, deixou a cidade grande e voltou à roça, aos pés da serra da Bocaina, para inspirar-se na sabedoria caipira, que desenvolveu uma cultura sustentável, de subsistência e troca. Voltou para redescobrir o "tempo da terra", violentado pela modernidade.
Ele está a recuperar porcos e milhos crioulos, que transforma em bolo de fubá, em broa, em bolinho de chuva. No Fartura, pois, fará porcos que cria soltos, alimentados com frutas, grãos e capim fresco, assados em fogo de chão, símbolo de celebração no meio rural -e que possamos também festejar.
A fazenda Santa Adelaide, em Morungaba, na qual um francês especialmente sintonizado às estações planta e colhe hortaliças frescas e orgânicas e as fornece aos melhores restaurantes de São Paulo sem intermediários, é outro ponto de conexão entre evento e expedição.
Na terra, observou-se o empenho em manter transparência da cadeia produtiva, atuar de maneira sustentável e recuperar produtos esquecidos.
Bem, de uma de suas mexericas, uma pequenininha, menor que um limão-cravo, Clarice Reichstul, da Paca Polaca, faz uma geleia azedinha, que "demora uma vida" para ficar pronta, costuma dizer.
Ela estará à venda no Fartura São Paulo, ao lado de outros produtos garimpados no interior, como queijos e embutidos artesanais, ou vindos de mais longe, de estados como Acre e Pará.
O Fartura tem, portanto, a magia de compartilhar e celebrar as comidas do Brasil e seus trajetos e suas histórias, com profundidade, a um só tempo. É uma festa cultural para todos. Bem-vindos.
Luiza Fecarotta é curadora do Fartura - Comidas do Brasil e crítica de gastronomia da Folha