Milho verde, ingrediente que será destaque no festival Fartura

Milho verde, ingrediente que será destaque no festival Fartura Keiny Andrade/Folhapress

Caminho da roça

Terceira edição paulistana do festival Fartura busca a base mais autêntica da cultura alimentar do Brasil

Capítulo 4
Chefs e suas criações

Que tal provar 8 receitas de 5 regiões do país feitas com arroz?

Nos mais diversos preparos, ingrediente brilha no festival, carregado de tradições de Norte a Sul

Paella amazônica, do chef Diogo Sabião, de Porto Velho (Lobo Silva/Divulgação; produção Juliane Carine)

Paella amazônica, do chef Diogo Sabião, de Porto Velho (Lobo Silva/Divulgação; produção Juliane Carine)

Flávia G. Pinho
São Paulo

No livro "História da Alimentação no Brasil", considerado a bíblia da cultura gastronômica nacional, o antropólogo Luís da Câmara Cascudo não foi lá muito simpático ao ingrediente.

"O arroz é popular, mas não indispensável no Brasil", vaticinou. Até podia ser verdade nos idos de 1967, quando saiu a primeira edição do livro. Mas quem se atreveria a repetir tal afirmação hoje em dia?

E não se fala apenas, que fique bem entendido, do arroz branco soltinho, fundamental à mesa brasileira na companhia do feijão.

Basta uma olhada no cardápio do Fartura São Paulo para entender que o país inteiro se farta de arroz. Nos dois dias do evento, o público vai conhecer oito receitas regionais que têm o ingrediente como base.

O arroz aparece com roupa de gala, nas mais diversas formas e preparos, carregado das tradições de cada lugar.

Norte

A cozinha amazônica será representada por dois arrozes de respeito. Diogo Sabião, do Pannino, em Porto Velho (RO), vai transformar a paella com os ingredientes de sua região para apresentá-la no espaço Cozinha ao Vivo.

Grãos de arroz do tipo bomba, usados na receita espanhola, serão cozidos em tucupi e caldo de verduras, para que adquiram sabor bem ácido. Sabião ainda vai acrescentar camarão de água-doce, pirarucu fresco e jambu, erva que adormece a língua.

"Escolhi levar um prato bem conhecido, como a paella, para que o público prove os ingredientes amazônicos sem medo", diz Sabião.

Os mesmos sabores aparecem no arroz tapajônico, prato que o paraense Saulo Jennings, da Casa do Saulo, em Alter do Chão (PA), vai levar ao espaço Chefs e Restaurantes.

Arroz tapajônico, do chef Saulo Jennings, do restaurante Casa do Saulo, em Alter do Chão (PA)
Arroz tapajônico, do chef Saulo Jennings, do restaurante Casa do Saulo, em Alter do Chão (PA) - Divulgação

A receita reúne os quatro ingredientes que, na opinião de Jennings, melhor traduzem a Amazônia: o microcamarão aviú, o camarão de água-doce, o pirarucu fresco e o feijão manteiguinha de Santarém.

Os grãos de arroz agulhinha serão cozidos em caldo de peixe e tucupi, junto com chicória-do-mato, pimenta cumari e jambu. "Esse prato é a mais pura expressão da região do Tapajós", diz Jennings.

Nordeste

No Piauí, onde vive a chef Maria de Jesus Carvalho, galinha d"angola se chama capote. A ave é a base do arroz que faz sucesso em seu restaurante, o Longá -os grãos são cozidos junto com os cortes e os miúdos, temperados com alho, cebola, pimenta, orégano, louro, tomate, semente de coentro e cominho. Só os pés do capote ficam de fora.

Em sua aula no Espaço Conhecimento, Maria de Jesus vai cozinhar e contar a história do prato. Ninguém melhor do que uma autêntica cozinheira da terra para explicar por que é preciso deixar o arroz grudar no fundo da panela.
"Se a gente serve o arroz de capote sem o "pegado", o cliente se recusa a pagar", brinca.

Arroz de polvo com linguiça, do chef Alysson Muller,de Florianópolis
Arroz de polvo com linguiça, do chef Alysson Muller,de Florianópolis - Divulgação

Sul

O chef catarinense Alysson Muller vai preparar arroz caldoso de polvo no Espaço Cozinha ao Vivo -o molusco é um dos ingredientes principais em seus três restaurantes (Artusi, Rosso e D.O. Pescador, todos em Florianópolis).

A receita, Muller conta, se inspira na história da ilha. "Fomos colonizados por açorianos e damos muita importância ao arroz. São versões ricas, geralmente servidas como prato principal. Eu até troco o chouriço português pela linguiça Blumenau, típica do estado, mas não deixo o coentro de fora."

Sudeste

Duas receitas vão disputar o apetite do público. No Espaço Cozinha ao Vivo, os chefs Bárbara Verzola e Pablo Pavón, do Soeta, em Vitória (ES), servirão o arroz meloso de siri.

Os grãos de arroz italiano Vialone Nano, que garantem a textura cremosa, vão receber os mesmos temperos da moqueca capixaba, mas com um toque contemporâneo: vinagrete de coentro e abacate.

"Vitória tem os maiores mangues urbanos do Brasil e um bairro inteiro, a Ilha das Caieiras, que vive da pesca do siri. Esse prato traduz a nossa identidade", diz Pavón, brasileiramente, apesar do forte sotaque equatoriano.

Pertinho dali, no Espaço Interativo, o professor do Senac São Paulo Tiago dos Reis Brugnerotto vai apresentar uma iguaria que está sendo salva da extinção. Seu risoto de carne-seca leva jaracatiá, fruta nativa da mata atlântica que, por pouco, não sumiu do mapa.

Centro-Oeste

A chef Ariani Malouf, do restaurante Mahalo, em Cuiabá, vai levar ao Espaço Conhecimento uma releitura de um dos pratos mais famosos de Mato Grosso: o arroz maria isabel.

O prato original, à base de carne-seca, é feito com arroz agulhinha e servido com farofa de banana e ovo frito.

Na versão de Ariani, rebatizada de maria isabel exibida, a banana foi parar dentro do arroz, com uma série de temperos, para acompanhar um bife de chorizo curado.

O prato ainda inclui farofa cítrica e revirado, espécie de pirão de carne bovina picada na ponta da faca.

Arroz de puta rica, da chef Márcia Pinchemel, de Goiânia (GO)
Arroz de puta rica, da chef Márcia Pinchemel, de Goiânia (GO) - Divulgação

Do estado vizinho, Goiás, o arroz de puta rica foi a escolha da chef Márcia Pinchemel para sua apresentação no Espaço Ao Vivo.

À receita tradicional, que leva frango, linguiça suína e legumes, ela adicionou cagaita, baru e cúrcuma, três itens que refletem a identidade do cerrado.

"Manda a tradição que o arroz seja temperado com cheiro verde, mas sou baiana e não resisto a colocar coentro", confessa a chef.