Milho verde, ingrediente que será destaque no festival Fartura

Milho verde, ingrediente que será destaque no festival Fartura Keiny Andrade/Folhapress

Caminho da roça

Terceira edição paulistana do festival Fartura busca a base mais autêntica da cultura alimentar do Brasil

Capítulo 7
Ingredientes

Cozinha de natureza pesquisa e espalha ingrediente local

Cozinheiros recuperam produtos nativos e os transformam em alta gastronomia

Milho crioulo, buriti, pimenta-de-macaco, jaracatiá e bocaiuva, ingredientes que estarão no Fartura (Keiny Andrade/Folhapress)

Milho crioulo, buriti, pimenta-de-macaco, jaracatiá e bocaiuva, ingredientes que estarão no Fartura (Keiny Andrade/Folhapress)

Jacqueline Lattari
São Paulo

A valorização da cozinha de fazenda, o trabalho com produtores locais e a pesquisa de ingredientes são características comuns dos chefs Rodrigo Bellora, 33, e Magda Moraes, 57.

Ambos se dizem adeptos do slow food. O movimento defende, entre outras coisas, que o alimento deve ter bom sabor, ser cultivado de maneira limpa, sem prejudicar a saúde, o ambiente e os animais.

Bellora montou e dirige o restaurante Valle Rústico, em Garibaldi (RS), há dez anos. Formado em turismo, foi para a gastronomia logo depois.

Fez cursos no Senac e no Icif (Italian Culinary Institute for Foreigners) e intercâmbios na Itália. Classifica seu trabalho como cozinha de natureza.

"Adoro trabalhar com as pancs [plantas alimentícias não convencionais], com frutas nativas como butiá, guabiroba e uvaia", diz Bellora.

Uma de suas apostas é a pesquisa para recuperação do milho crioulo, que desenvolve junto aos guardiões de sementes do Rio Grande do Sul e de outras localidades.

O chef mostra aos produtores locais que é possível plantar o milho crioulo e ter uma produtividade melhor do que a do transgênico. "É um milho forte, que sobrevive, cresce e produz bem", diz.

Magda Moraes percorre o mesmo caminho. O uso de produtos locais faz parte da identidade de seu restaurante, o Aipim Cozinha de Raiz, em Bonito (MS), com dois anos.

Formada em economia, Magda é autodidata na gastronomia. Abriu o primeiro restaurante há 20 anos, em Campo Grande, com a ideia de fazer comida de fazenda.

"Fiz um caminho inverso, porque foi a época do quilo e abri um restaurante à la carte", conta. Deu tudo certo e a chef manteve o negócio durante 18 anos. Mudou-se para Bonito, e com o Aipim Cozinha de Raiz viu a oportunidade de levar a cozinha brasileira para o mundo, já que a região recebe muitos turistas.

Assim como o milho crioulo é a menina dos olhos de Bellora, a bocaiuva é a de Magda e está presente em diversos pratos de seu restaurante. Com o projeto Bocaiuva Palmeira da Paz, a chef resgata e divulga o produto.

No Fartura, os dois chefs apresentarão pratos com os ingredientes que pesquisam.

Bellora vai usar milho crioulo na polenta que acompanha seu matambre recheado com linguiça, pinhão e ervas.

Magda fará uma sobremesa. O trio açaí, banana e bocaiuva é composto por um bolinho de farinha de bocaiuva (polpa desidratada e triturada), o açaí batido com a banana, num gelato, e a castanha da bocaiuva, como um pralinê.

Serviço Magda Moraes estará no Espaço Interativo, dia 5, às 16h30, e o chef Rodrigo Bellora, no Espaço Chefs e Restaurantes, nos dois dias do evento

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Direto do mato para o prato

Milho crioulo
Cereal com características mais primitivas que o milho comum. A variedade crioula se define por ser bem adaptada a uma determinada localidade e por ter sido cultivada há várias gerações no mesmo lugar. Em todas as regiões onde se planta milho são encontradas variedades crioulas. Suas sementes são preparadas e cultivadas ano após ano pelos agricultores familiares, considerados guardiões desse patrimônio genético. Tem caule açucarado, como na cana-de-açúcar, e os grãos são duros e cobertos por palha individual, o que o torna mais difícil de utilizar. Tem alto valor nutricional. Usado pelo chef Rodrigo Bellora no matambre recheado com pinhão e polenta de milho crioulo

Milhos crioulos produzidos pelo chef Rodrigo Bellora, de Garibaldi, no RS
Milhos crioulos produzidos pelo chef Rodrigo Bellora, de Garibaldi, no RS - Divulgação

Buriti
Palmeira também conhecida como miriti, com altura de 4 a 25 metros, que produz frutos comestíveis de casca dura e polpa espessa, com coloração amarela alaranjada. (Os frutos da imagem ao lado são secos.) Tem sabor agridoce. O buriti é encontrado na região amazônica, Brasil Central, Maranhão, Piauí, Ceará, Minas Gerais e São Paulo, nas matas junto a rios e em áreas que inundam. O fruto é bastante consumido in natura ou na forma de polpa, doces e compotas. O óleo de buriti é usado na culinária como tempero, na medicina popular, na indústria de produtos alimentícios, farmacêuticos e cosméticos. É usado pelo chef Flavio Trombino no molho do porquinho do sertão -copa-lombo curada com pimenta-de-macaco, pirão de leite, rôti de buriti e couve refogada

Manejo do buriti, em Palmeira do Piauí (PI)
Manejo do buriti, em Palmeira do Piauí (PI) - Divulgação Beraca

Pimenta-de-macaco
Conforme a região, leva o nome de ibira, imbiriba, pacovi, pimenta-da-costa, pimenta-de-árvore, pimenta-de-bugre, pimenteira-da-terra, pimenteira-do-sertão, pindaíba, entre outros. A árvore tem entre 4 e 6 metros, com folhas aromáticas e flores grandes. Os frutos são verdes por fora e vermelhos por dentro quando maduros, com 2 a 3 centímetros de comprimento e sementes pretas e brilhantes. Os frutos secos e moídos são usados como tempero. Árvore típica do centro-oeste, mas pode ser encontrada em todas as regiões do Brasil, em beira de estradas ou clareiras. A copa-lombo do chef Flavio Trombino é curada com pimenta-de-macaco

Pimenta-de-macaco e bocaiuva
Pimenta-de-macaco e bocaiuva - Keiny Andrade/Folhapress

Jaracatiá
O termo jaracatiá, que é o mais conhecido para a fruta, tem origem indígena (yara-cati-á) e significa "o que solta cheiro". O jaracatiazeiro é uma árvore de grande porte, com 8 a 20 metros de altura. A fruta tem formato cilíndrico, alongado e pesa entre 80 e 120 gramas. A casca tem cor amarelada ou alaranjada. Quando madura, seu sabor é adocicado e pode ser usada na preparação de doces. Tem baixo valor calórico e é boa fonte de fibras. A árvore é encontrada desde o sul da Bahia até o Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Mato Grosso do Sul. É considerada típica da região da cidade de São Pedro (SP). Está presente no risoto de carne seca com jacaratiá, do chef Tiago dos Reis Brugnerotto

Jaracatiá, fruta que, quando madura, tem sabor adociado
Jaracatiá, fruta que, quando madura, tem sabor adociado - Keiny Andrade/Folhapress

Bocaiuva
Palmeira com até 15 metros de altura. Os frutos, com diâmetros de 2 a 5 centímetros, são dispostos em cachos, têm casca lenhosa e polpa amarelada, com sabor levemente doce e aroma forte. Nativa desde o Pará até São Paulo, Rio de Janeiro e Mato Grosso do Sul, em regiões de cerrado. A polpa do fruto é seca ao sol por até três dias para a confecção de farinha. A polpa congelada é usada para sorvetes e doces. Tem alto valor nutricional. A amêndoa, que pode ser usada para a extração de óleo, também é fonte de proteínas, rica em fibras e é consumida in natura ou como paçoca. A chef Magda Moraes usa a bocaiuva no pralinê de castanha crocante e na farinha do bolinho que compõem sua sobremesa: trio açaí, banana e bocaiuva

Fontes: Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), Esalq (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz) e chefs Rodrigo Bellora (Valle Rústico), Flavio Trombino (Xapuri) e Magda Moraes (Aipim Cozinha de Raiz)