Presente durante todo o trajeto das mercadorias contrabandeadas –da fronteira aos pontos de venda–, a corrupção de agentes públicos é precificada pelos criminosos.
"O contrabandista tem alguns custos calculados, como logística, risco de perder a mercadoria e ser preso. A corrupção é mais um deles", diz Luciano Barros, presidente do Idesf (Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social da Fronteira).
De acordo com estudo feito pelo Idesf em 2015, o custo da corrupção varia de 9% a 10% do valor da carga.
Em entrevistas com ex-contrabandistas, o instituto identificou quatro etapas principais de corrupção pelas quais os criminosos pagam para viabilizar o crime. O preço vai aumentando conforme os produtos se afastam das fronteiras e se aproximam do destino.
A primeira e mais barata etapa é a propina na fronteira em si, que, em média, custa em torno de R$ 100 por dia por agente corrompido.
O processo segue e o segundo momento é uma espécie de "escolta": após acordo, agente garante que carga estará em segurança até o fim de sua circunscrição. Em média, o trecho custa de R$ 1.000 a R$ 1.500.
O terceiro momento são os postos de fiscalização, onde o contrabandista paga, em média, de R$ 3.000 a R$ 10.000 para que agentes façam vista grossa.
Há ainda a corrupção que parte dos servidores: montam blitze falsas e apreendem as cargas, mas depois negociam para liberá-la. Esse é o momento mais caro, e os preços podem variar de R$ 50 mil a R$ 100 mil ou até mesmo uma parte dos produtos.
MUITA RACIONALIDADE NESSA HORA
O economista e professor universitário Pery Shikida passou 19 anos entrevistando detentos condenados por crimes econômicos para entender o que os motivou a migrar para o mercado ilícito.
"São pessoas extremamente racionais. Eles colocam na balança quais benefícios e problemas podem ter em consequência do crime", afirma.
Segundo a pesquisa, os maiores motivadores são a ideia do ganho fácil e a ganância, além de carências sociais. O pesquisador afirma, porém, que essas carências não têm necessariamente a ver com pobreza.
"Essas pessoas têm muitas debilidades em termos de educação, escola e religião. São de famílias humildes, mas com renda", diz.
E os atrativos, no caso do contrabando, são potencializados nas divisas. "Dá a sensação de que compensa. A fronteira é formada por cidades pequenas. Os contrabandistas acabam se tornando "donos" desses lugares", diz Luciano Barros.
Curiosamente, os detentos entrevistados por Shikida dizem considerar as leis brasileiras brandas.
"Os próprios criminosos pedem instituições, como Justiça e polícia, mais sérias. Eles vão ter que enfrentá-las durante o crime e, como não confiam [em sua seriedade], tentam cooptar", diz Shikida.
OUTRO LADO
Procurado, o Ministério Extraordinário da Segurança Pública, ao qual PRF (Polícia Rodoviária Federal) e Polícia Federal são subordinadas, informou que as corregedorias de ambos os órgãos "não toleram nenhum desvio funcional, especialmente a prática de corrupção".
Desde 2013, a PRF cassou a aposentadoria ou demitiu sete servidores por recebimento de propina. A PF julgou 32 servidores no período (23 por "corrupção" e 9 por "recebimento de propina, comissões, presentes ou vantagens") no período. Não informou quantos foram punidos.
A Receita Federal afirma que sua corregedoria "realiza ações no combate à corrupção, com a prisão de contrabandistas e, eventualmente, de servidores".
A Secretaria de Segurança Pública paulista, estado que é destino final de boa parte dos produtos, afirma que "as denúncias contra policiais, civis ou militares, são investigadas". Entre 2013 e 2017, 44 PMs foram presos por corrupção, mas em nenhum dos casos a prática teve a ver com facilitação de contrabando.