Funcionários usam gruas para checar mercadorias no depósito da Receita Federal em São Paulo

Funcionários usam gruas para checar mercadorias no depósito da Receita Federal em São Paulo (Eduardo Knapp/Folhapress)

A escalada do contrabando

Comércio ilegal sofistica sua logística e se expande prejudicando a indústria, os cofres públicos, o bolso e até a saúde do consumidor

Capítulo 2
Fronteiras abertas

Máquina que desbloqueia celular liga contrabando a outros crimes

Dispositivo que libera telefone furtado e travado por senha é vendido no Paraguai; equipamento nunca foi apreendido, dizem fiscais

Marcelo Toledo Bruno Santos
CIUDAD DEL ESTE

O lugar é um cubículo. Para encontrá-lo, só mesmo com a ajuda de nativos e após mais de um minuto de caminhada em meio a lojas que constituem um verdadeiro labirinto para quem não está acostumado com o lugar.

Mas não é difícil encontrar um paraguaio que esteja disposto a levar brasileiros lá, especialmente se for para comprar equipamentos cada vez mais procurados por criminosos do Brasil: desbloqueadores de celulares.

Esses aparelhos estabelecem uma conexão entre o contrabando e outros crimes, já que são usados para liberar telefones furtados que estejam bloqueados com as senhas das vítimas. Só assim os frutos do furto poderão ser vendidos em feiras do rolo e pela internet.

O que esses aparelhos fazem é desbloquear o Imei (International Mobile Equipment Identity, na sigla em inglês), um número que identifica cada equipamento de telefonia celular.

A venda de desbloqueadores é proibida em São Paulo desde 2015, a menos que exista uma autorização prévia da Polícia Civil.

De forma reservada, a reportagem perguntou a um paraguaio que trabalhava como entregador de panfletos de lojas de informática sobre a possibilidade de comprar um desbloqueador em Ciudad del Este. Ele fez um leve sinal com a cabeça e pediu para que fosse seguido.

Foram percorridos ao menos 20 corredores até o local. Ao ser apresentado ao dono da loja, que estampa marcas de empresas de som automotivo nas paredes, o paraguaio que levou a reportagem da Folha até ali disse ao homem, em voz baixa, que estávamos interessados no dispositivo.

O dono passou, então, também em tom de voz baixo, a informar os tipos de aparelhos disponíveis: há os que desbloqueiam smartphones com senhas frágeis, de poucos dígitos, e outros, mais modernos e caros, ideais para telefones que tenham senhas de seis dígitos, como os mais recentes iPhones.

Segundo ele, o desbloqueador "quebra" qualquer tipo de senha de celular.

O equipamento é redondo, com diâmetro inferior a dez centímetros, e vende bem, especialmente para brasileiros, de acordo com o lojista.

O modelo mais simples custa a partir de US$ 140 (cerca de R$ 462), enquanto o mais sofisticado sai por US$ 245 (cerca de R$ 809).

Para operar o aparelho, segundo o dono da loja, é preciso apenas baixar programas disponíveis na internet, "dependendo do modelo que é alvo do desbloqueio".

Questionado a respeito do risco da compra de um equipamento com essa finalidade, o comerciante sorriu e respondeu à reportagem: "Basta o senhor fazer direito".

Em outra loja, conhecida por vender somente produtos legítimos, uma espécie de shopping center de eletrônicos, o vendedor informou que ali não havia o aparelho, mas que seria fácil adquiri-lo em estabelecimentos vizinhos.

Além dos desbloqueadores de celular, em pelo menos dois estabelecimentos foram encontrados também bloqueadores de sinais de telefonia celular, vendidos por preços a partir de US$ 80.

Questionados sobre essa mercadoria, auditores fiscais e analistas da Receita Federal que atuam na Ponte da Amizade e em operações na rodovia BR-277 disseram nunca ter apreendido esse tipo de equipamento.