Funcionários usam gruas para checar mercadorias no depósito da Receita Federal em São Paulo

Funcionários usam gruas para checar mercadorias no depósito da Receita Federal em São Paulo (Eduardo Knapp/Folhapress)

A escalada do contrabando

Comércio ilegal sofistica sua logística e se expande prejudicando a indústria, os cofres públicos, o bolso e até a saúde do consumidor

Capítulo 4
Onde tudo isso vai parar

No coração de SP, shopping vende produtos suspeitos

Licença de funcionamento do Paulista Center tramita na Justiça, o que impede autuação

Ilustração de barraca que vende celulares e acessórios no Paulista Center, na avenida Paulista (Ilustração: Fabrizio Lenci/Folhapress)

Ilustração de barraca que vende celulares e acessórios no Paulista Center, na avenida Paulista (Ilustração: Fabrizio Lenci/Folhapress)

Iara Biderman
SÃO PAULO

A entrada principal do Paulista Center fica em frente a uma saída do metrô Trianon, na avenida Paulista.

Não adianta procurar pelo nome. Na fachada há apenas uma faixa de cimento com o número 1.217 no cantinho.

Nos corredores, estandes de acessórios para celular, produtos de beleza, óculos, relógios, bolsas, videogames, eletrônicos e vestuário.

São três andares, um deles abaixo do piso principal, que leva a uma saída (ou outra entrada) na rua Pamplona, 687.

A tentativa de achar informações sobre esse conjunto –chamado pejorativamente de "xing-ling" e suspeito de comercializar mercadoria irregular– esbarra no duplo endereço. Na coordenação das subprefeituras, o imóvel da avenida Paulista está registrado sob o CNPJ da Monumental Paulista Promoções e Eventos, locatária e administradora do espaço.

Mas ações de vistoria realizadas por Receita, Secretaria da Fazenda do Estado e subprefeitura estão registradas na Prefeitura Regional de Pinheiros com o endereço da rua Pamplona.

Luis Marcelo Cordeiro, advogado da Monumental, diz que a empresa é apenas locadora dos espaços e não tem responsabilidade sobre os produtos comercializados.

Na consulta no site da Receita Federal, a Monumental está registrada em nome de Elie Hanna Riachi, e o capital social da empresa, aberta em 2003, é de R$ 400 mil.

De acordo com a Prefeitura Regional de Pinheiros, o pedido de alvará de funcionamento está em análise em primeira instância.

Pelo artigo 20 do decreto nº 57.443/16, o estabelecimento não poderá ser autuado ou multado durante a tramitação do processo.

Um funcionário do setor administrativo do shopping sugeriu à reportagem que procurasse o escritório central da Monumental, na rua Santa Efigênia, 765, para mais informações. O número não existe.

Cordeiro afirmou que o endereço fornecido pelo funcionário não tem relação com o shopping e que tudo relativo ao empreendimento fica no endereço na Paulista.

Já no shopping, a maioria dos funcionários disse não conhecer o dono do estande em que trabalha.

Luiz Claudio Garé, consultor jurídico do Grupo de Proteção à Marca BPG, diz que os contratos de locação são feitos por períodos curtos e há mudança constante dos titulares dos boxes, o que dificulta a fiscalização.

O advogado entrou, em nome de várias empresas, com ação para responsabilizar a Monumental pela venda de produtos falsificados.

Além das falsificações, Garé diz que vários boxes vendem produtos com indícios de descaminho (sem comprovante fiscal e com suspeita de sonegação na importação).

O Paulista Center não é o único do gênero, mas, para Garé, chama a atenção por funcionar em pleno coração comercial da cidade.

Um funcionário de uma lojinha de cosméticos do shopping, que não quis ser identificado na reportagem, trabalha há seis anos no local, mas diz não conhecer os donos do estande.

Nos últimos dois anos, viu o movimento diminuir. A razão seria a concorrência da internet. "Tudo que tem aqui dá para comprar online por um preço menor", diz.

A vantagem da loja física seria a qualidade dos produtos: "Aqui só tem original."

Há linhas profissionais de cosméticos para cabelos, perfumes e comprimidos de melatonina, hormônio regulador do sono que, no Brasil, só está liberado em forma de medicamento manipulado.

A atendente de lanchonete Fernanda Cordeiro, 20, em busca de um corretivo para olheiras, achou o produto na internet por R$ 95 e, na loja, por R$ 146. "Mas aqui a maquiagem é boa, é tudo importado, sinto mais segurança."

Barraca de bolsas e acessórios do Paulista Center
Barraca de bolsas e acessórios do Paulista Center - Fabrizio Lenci/Folhapress

Em um estande de eletrônicos, a vendedora Angelita aceita falar à reportagem desde que seu sobrenome não seja publicado.

Afirma que os produtos mais sofisticados, como telefones ou computadores, são originais. Já os acessórios e miudezas podem ser originais ou "primeira linha" –jargão usado nas lojas para produtos falsificados.

Oferece um iPhone X por R$ 5.600 (R$ 7.799 na loja da Apple), com garantia de um ano. "A garantia é da Apple, não precisa de nota", diz.

Já para aparelhos Samsung e Motorola, a garantia é de três meses. Segundo a vendedora, com estes fabricantes não adiante ter nota, os consumidores reclamam de nunca conseguir consertos dentro da garantia.

Angelita diz que, com ela, os compradores sabem o que estão levando. Interrompe a entrevista para uma pequena demonstração com um cliente em busca de um fone de ouvido bluetooth sem fio.

"Se você quer um bom, tem que ser o original, mais caro. Tem um baratinho, mas é porcaria. Não existe qualidade e preço baixo junto", avisa.