A apreensão de contrabando no Brasil foi recorde em 2017: a Receita Federal resgatou R$ 2,3 bilhões em produtos irregulares. É o maior valor desde 2010, e representa crescimento de quase 10% em relação a 2016.
Na estimativa da indústria, as perdas para o mercado paralelo saltaram de R$ 89,3 bilhões em 2016 para R$ 100,2 bilhões no ano passado.
Na lista de itens confiscados há de cabelos a aeronaves, de inseticidas a máquinas caça-níqueis, de pneus para trator a videogames.
No topo do ranking está o cigarro, com 221 milhões de maços recolhidos. Se colocados em linha reta, alcançariam 26,5 mil quilômetros de comprimento. Mais do que a extensão da Muralha da China (21,2 mil quilômetros).
Em valor, o cigarro também lidera: representou quase metade (R$ 1,08 bilhão) dos produtos apreendidos.
O volume de drogas confiscadas por fisco e a PRF (Polícia Rodoviária Federal) também cresceu: 47,5 toneladas, 122,4% a mais que em 2016.
Já a PRF apreendeu 354,3 toneladas de drogas e efetuou mais prisões, sendo 38.339 pessoas envolvidas em contrabando, um aumento de 21% sobre 2016.
Um terço de todo o material recolhido no país se concentrou na região de Foz de Iguaçu (PR), onde ocorreram 1.513 ações da Receita e operações integradas com as polícias Federal e Rodoviária.
A área é uma das principais portas de entrada de armas, drogas, cigarros fabricados no Paraguai e de mercadorias trazidas da China para o Brasil por estradas ou barcos, por meio do lago Itaipu e do rio Paraná, em pontos próximos à Ponte da Amizade.
Por região, as apreensões se destacam em São Paulo (22%), Mato Grosso e Mato Grosso do Sul (20%).
CRIME QUE COMPENSA
Pela lei, o contrabando prevê pena de dois a cinco anos de prisão, e o descaminho, um a quatro anos. São crimes considerados "brandos" perto do tráfico de drogas, com pena de até 15 anos.
"O crime organizado vai ocupando o espaço que o Estado deixa. A situação do Rio é um exemplo", diz Edson Vismona, presidente do Fórum Nacional contra a Pirataria e a Ilegalidade.
"O contrabando financia o tráfico de armas e drogas e grupos ligados ao terrorismo, que encontram no comércio ilegal de cigarros uma fonte lucrativa de renda. O dinheiro do contrabando e do tráfico está no mesmo caixa", afirma.
Faltam recursos para enfrentar o contrabando. Nos últimos dois anos, em função da crise fiscal do governo, o orçamento foi reduzido: dos R$ 118 milhões previstos para a Receita, R$ 85 milhões entraram de fato no caixa.
Hoje, 2.601 homens atuam no controle aduaneiro e na repressão em portos, aeroportos e pontos terrestres, segundo o Sindireceita (sindicato dos analistas tributários). Desses, só 521 são responsáveis por vigiar 16,8 mil quilômetros de fronteira terrestre.
A Receita tenta contornar essa dificuldade investindo em sistemas de inteligência para tentar chegar aos que comandam esses crimes.
Um caminho é identificar empresas "noteiras", criadas para emitir notas frias das mercadorias que passeiam pelo país e são usadas em lavagem de dinheiro.
ACÕES CONJUNTAS
Parcerias com vizinhos estão no foco das ações de repressão deste ano. O Programa de Proteção Integrada das Fronteiras coordena operações entre órgãos e reforça a fiscalização nas divisas de Mato Grosso e Bolívia, Mato Grosso do Sul e Paraguai e Amazônia, Peru e Colômbia.
Mas quando a vigilância em uma área aumenta, as ações migram para outra.
"Trancamos Foz e a entrada de mercadorias cresceu nas rotas de Mato Grosso. Apertarmos a fiscalização nessa região e os criminosos vão rumando para o Norte", diz Arthur Cezar Rocha Cazella, coordenador-geral de combate ao contrabando e descaminho da Receita.
Especialistas chamam atenção para portos que passaram a escoar mais muamba para cá: Montevideo, no Uruguai, e Iquique, no Chile.
No Norte do Brasil, um convênio entre Receita e Marinha prevê a criação de uma base flutuante no rio Solimões (PA) para enfrentar o contrabando e a ação de barcos "piratas" que atacam o transporte de carga pelos rios da floresta. Ainda falta a verba.
No Sudeste, o foco será o Rio de Janeiro, onde os dois órgãos também planejam ações em conjunto.
NOVA SEGURANÇA
O recém-criado Ministério Extraordinário da Segurança Pública terá impacto no combate ao contrabando?
Sim, avalia o advogado Márcio Costa Menezes e Gonçalves, ex-secretário do Conselho Nacional de Combate à Pirataria, do Ministério da Justiça. "Combater drogas e armas é combater o contrabando", diz ele, que espera mais integração e eficácia nas ações contra o crime.
Já o tributarista Miguel Silva não vê efeitos em curto prazo na redução do comércio ilegal. "Não é tarefa fácil para o Estado, ante o atual aparato disponível, com falta de estrutura nas fronteiras, vigilância precária nas estradas e ausência de penalidades mais severas", afirma.
Na análise do fisco, a orientação aos servidores permanece a mesma. "Continuamos a trabalhar em parceria com a PF, independentemente a quem ela esteja ligada."