No dia 1º de setembro de 1977, o jornalista Lourenço Diaféria escreveu em sua crônica diária, na última página da Ilustrada, um texto que citava duque de Caxias, por acaso patrono do Exército brasileiro.
A crônica enaltecia um sargento que havia pulado em um poço de ariranhas (espécie de lontra carnívora do Pantanal, que mede até 1,80 m) no zoológico de Brasília para resgatar um garoto de 14 anos que havia caído no viveiro. O sargento morreu dilacerado por mais de cem dentadas, o menino foi salvo.
"Todavia eu digo, com todas as letras: prefiro esse sargento herói ao duque de Caxias." E mais adiante: "O duque de Caxias é um homem a cavalo reduzido a uma estátua. Aquela espada que o duque ergue no ar aqui na praça Princesa Isabel oxidou-se no coração do povo. O povo está cansado de espadas e de cavalos. O povo urina nos heróis de pedestal."
A então editora da Ilustrada, Helô Machado, é filha de militar e sabia que Caxias representava mais do que uma estátua para o Exército brasileiro. "Fui contra a publicação, mas o Diaféria foi irredutível", diz. Ela levou o caso ao diretor de Redação, Cláudio Abramo, que teria lido a peça e a liberado.
No dia 10 de setembro, o jornal publicou em sua Primeira Página: "Jornalista da Folha acusado de violar Lei da Segurança Nacional". Às 17h do dia 15, Diaféria foi preso em casa, o que também foi noticiado na Primeira Página. No mesmo dia, sua coluna saiu em branco na Ilustrada.
"A decisão foi recebida como uma afronta pelas altas patentes", escreve o jornalista Marcos Augusto Gonçalves no livro "Pós-Tudo - 50 Anos de Cultura na Ilustrada" (2008, Publifolha, esgotado). "O chefe da Casa Militar, general Hugo Abreu, avisou em telefonema a Octavio Frias de Oliveira [1912-2007] que o jornal seria fechado se a coluna voltasse a ser publicada em branco."
Morto em 1987, Abramo deu depoimentos nos quais disse que Hugo Abreu pedira sua cabeça. Faria parte de um acordo com Geisel em afastar diretores de Redação de esquerda de diversos jornais em troca da manutenção da abertura lenta e gradual do país.
Abramo foi afastado da função que exercia havia dez anos e o comando foi passado a Boris Casoy, mais identificado com a direita.
Casoy, que cuidava do Painel, a coluna de política, foi o editor responsável até 1984, quando Otavio Frias Filho (1957-2018) assumiria a Folha.
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Todavia eu digo, com todas as letras: prefiro esse sargento herói ao duque de Caxias. O povo está cansado de espadas e de cavalos. O povo urina nos heróis de pedestal
— Lourenço Diaféria, em crônica publicada na Ilustrada em 1º/9/1977, que resultou em sua prisão