Ilustrada completa 60 anos

Ilustrada completa 60 anos

Capítulo 5
1981

'Menudos do jornalismo' levaram o mercado cultural a sério nos anos 1980

Briga entre Paulo Francis e Caetano Veloso marcou a época

O jornalista Paulo Francis, em 1982, na Redação do jornal

O jornalista Paulo Francis, em 1982, na Redação do jornal

São Paulo

Apesar de vir a assumir a Direção de Redação apenas em 1984, Otavio Frias Filho já vinha se preparando para liderar o jornal desde meados dos anos 1970. Seu interesse por cultura o fez olhar para a Ilustrada muito cedo. Portanto, não causa estranheza que Otavio, que tinha 24 anos em 1981, tenha apostado num rapaz de 26 anos, indicação de Cláudio Abramo, para editar o caderno.

Além da pouca idade, Caio Túlio Costa trazia outra coisa nova: via a cultura como um mercado. Sabia que o leitor queria novidades sobre os livros saindo naquele mês, os filmes estreando naquela semana, os discos lançados naquele dia. Ele vinha do pequeno jornal Leia Livros, ligado à editora Brasiliense.

O jornalista Caio Túlio Costa ao lado de um moderno computador
O jornalista Caio Túlio Costa ao lado de um moderno computador - Jorge Araújo/Folhapress

"O Leia estava literalmente pautado pelo mercado editorial. Era um jornal da Brasiliense e se preocupava com os lançamentos, os de maior aceitação para o público e os mais importantes do ponto de vista intelectual. Eu dava os lançamentos quando eles aconteciam. Já a Ilustrada falava de um disco meses depois de ter saído", lembra o editor.

A reorientação do caderno atingiu os repórteres, que, aos poucos, foram sendo substituídos por uma geração mais nova. Parte dessa renovação também se deveu à implantação de computadores no lugar das antigas máquinas de escrever embutidas nas mesas de aço, que por décadas deram cara à Redação.

A chegada de Caio Túlio também inaugurou um novo estilo de direção no caderno. Até então, em 23 anos, a Ilustrada havia tido três, talvez quatro, editores. A partir de agora, os chefes durariam apenas um ou dois anos no cargo, resultado de uma rotina cada vez mais exigente e massacrante.

Os editores se tornavam repórteres especiais, iam para outras áreas ou eram promovidos. Foi o caso de Caio Túlio Costa, que, após exato um ano à frente da Ilustrada, se tornaria um dos secretários de Redação da Folha.

O editor seguinte foi Matinas Suzuki, que se mostraria uma usina editorial. Foi editor duas vezes, sendo sucedido em ambas as vezes por Marcos Augusto Gonçalves. Como Caio Túlio, seria promovido e acabaria como editor-executivo na virada dos anos 1990 para os 2000, um novo cargo entre os secretários e o diretor de Redação, Otavio Frias Filho.

O elegante Matinas Suzuki Jr. enverga uma gravata borboleta, em 1986
O elegante Matinas Suzuki Jr. enverga uma gravata borboleta, em 1986 - Wilson Melo/Folhapress

"Pela pouca idade, nos apelidaram de 'Menudos do jornalismo'", conta Gonçalves.

Matinas diz que "a Ilustrada não criou grandes novidades, mas se abriu para canalizar as coisas novas". E cita, entre elas: o rock dos anos 1980, o cinema de vanguarda, a arte multimídia, tendências existenciais e comportamentais, o novo teatro, o pós-punk, os roqueiros dark, os yuppies, o Sesc Pompeia, a moda paulistana, a gastronomia, a Mostra de Cinema e afins.

Mas ele também causava: sua equipe fez logotipos para a Ilustrada em japonês ou imitando a Coca-Cola, inventou neologismos que caíam na boca do paulistano e criou polêmicas que atiçaram a cidade.
Como essa daqui, em 1983: criticado por Paulo Francis por ter parecido subserviente ao entrevistar Mick Jagger num programa de TV, Caetano Veloso respondeu que o jornalista não passava de uma "bicha amarga", em uma reportagem de Miguel de Almeida, na capa da Ilustrada.

A "bicha amarga" respondeu: "É puro Brasil. Ao argumento crítico, o insulto pessoal. Mas o insulto é ao próprio Caetano. Afinal, o que ele quer dizer é que sexualmente sou igual a ele, e usa isso como insulto". Dois dias depois, Ruy Castro colocou gasolina fazendo a seguinte pergunta a dezenas de personalidade: "Quem faz mais sua cabeça? Paulo Francis ou Caetano Veloso?". "É a polêmica do século. Não se fala em outra coisa", escreveu Ruy.

Casos assim transformaram o caderno num dos carros-chefes da Folha. "A Ilustrada foi galgando esse status e se tornou uma parte indispensável do jornal", afirma Casoy. Como já disse Gerald Thomas, "a Ilustrada era a internet dos anos 1980".

*

Agora o Francis me desrespeitou. Foi desonesto, mau-caráter. É uma bicha amarga. Essas bonecas travadas são danadinhas

— Caetano Veloso, sobre Paulo Francis, na capa da Ilustrada de 5 de maio de 1983