"Quer descobrir quem eu sou de verdade? Dá uma olhada aí", disse entregando um pacote envolto por uma cartolina bege ao repórter.
Dentro do embrulho, um calhamaço de papéis oficiais. Relatórios policiais, pedidos de segunda via de documentos, boletins de ocorrência, documentos originais, boletins médicos.
Até aquele ponto da conversa, ele se apresentava como Brian, um americano de Los Angeles, que estava no Brasil com a namorada para tentar a carreira de rapper. A narrativa tinha níveis elevados de inverossimilhança, a começar pelo fato de que Brian não falava inglês. Mas a fé cênica com que contava sua história impressionava.
A partir da leitura dos papéis e de suas frases esporádicas, sempre em tom bem-humorado, sua provável história de múltiplas personalidades foi se revelando em fragmentos.
Nasceu com o nome de Ronnier da Silva, em 1983, em Goiás. Criança, foi com a família para o Espírito Santo, onde trabalhou como cabeleireiro. Mas o vício em crack o fez deixar o trabalho e praticar crimes. "155 e um 157. Só esses", diz, em alusão aos tipos penais do furto e do roubo.
"Conta pra ele o que acontece se você comer uma pedra de crack", fala para outro morador de rua, lembrando-se da vez em que uma policial o obrigou a ingerir a droga. "Dei sorte de sobreviver, meu amigo."
Ainda em Vitória, foi preso. No presídio, onde ficou por mais de três anos, contraiu uma doença grave nos pulmões. O médico lhe disse que se não tomasse os remédios direito, morreria. "Dessa vez eu respeitei a autoridade", brinca.
Após deixar o presídio, veio parar nas ruas de São Paulo. Na capital paulista, em razão de uma briga por causa de drogas, tomou uma facada na barriga e ficou em coma por quase 20 dias.
Hoje, vive embaixo do Minhocão, onde faz-se conhecer por todos pelo nome de Fábio Williams Camacho. "É isso mesmo. Eu sou filho do Marcola [líder do PCC, preso em Presidente Venceslau]. Será que a reportagem pode me ajudar a conseguir uma visita pra ele?"
Os papéis revelam que, de fato, Ronnier já foi a diversas delegacias apresentar-se como Fábio, pedindo uma visita a seu suposto pai, Marco Camacho. Saber se ele realmente acredita na versão ou se a engendrou em busca de algum benefício é uma tarefa impossível.
Seja Ronnier, Fábio ou Brian, é inegável o carisma do homem de múltiplas personalidades vivendo sob o abrigo do elevado Presidente João Goulart. Enquanto a repórter fotográfica faz um retrato seu, uma moça que está indo ao trabalho passa e comenta: "Olha, o Fábio, tá ficando famoso". Um rapaz de terno passa e o cumprimenta. "Esse moço que passou é escritor. E é dos bons", comenta Brian, sorridente, enquanto guarda cuidadosamente seus documentos.
Estas reportagens foram produzidas pela equipe do 62º Programa de Treinamento em Jornalismo Diário da Folha, patrocinado pela Philip Morris Brasil.