"Vejo que a gente vive numa sociedade doente", diz Alex Apsona, 44, deitado ao lado do desenho de um menino dormindo no chão. "Você passa pelo comércio, vê sujeira, se oferece para limpar banheiro, calçada. Te dão o último suco, o salgado mais frio", diz.
Encostado em uma parede do Museu Aberto de Arte Urbana, na zona norte, Alex está sóbrio há um mês. Acha que é preciso "tirar droga de circulação". "Uma hora você olha e não tem nem mais unha", lembra dos seus tempos "no fluxo".
"O crack é uma pedrinha que não tem preconceito. E é extremamente ciumenta, quer você só para ela", afirma. Antes da droga, Alex era motorista de caminhão e vivia com a mulher e a filha próximo ao Horto Florestal.
Alex cresceu com a avó, que era testemunha de Jeová. Hoje, não crê no Deus da Bíblia. "Eu tiro o chapéu pro cara que criou aquilo." Acredita na "energia que a gente manda para o universo". "Somos todos iguais, mas você tem que ver a energia que está canalizando", diz. Gosta de estar perto da natureza. "Eu abraço árvore, ando descalço na grama."
Para conseguir comida, prefere o trecho entre as estações de metrô Santana e Carandiru, onde são distribuídas doações por pessoas ligadas a uma igreja evangélica e a um centro espírita. "Às vezes, eu me pergunto: a pessoa faz aquilo porque precisa ser feito ou é a porra da barganha para entrar no céu?"
Para se informar, espia nas bancas a primeira página dos jornais. "É um resumo, não é?"
Na rua há um ano, conta que o maior perigo é a disputa por lugar. Por isso, tenta vaga fixa em um albergue nas redondezas. "Odeio violência. Pago pra não entrar em confusão, e o dobro pra sair dela", afirma.
Embora fale às vezes com a filha por telefone, não vê a mulher há oito meses. Coleta latinhas para reciclagem para "ter uma independência", mas diz saber que não sairá da rua fazendo só isso. "A única meta que eu coloquei na vida é não terminar assim."
Estas reportagens foram produzidas pela equipe do 62º Programa de Treinamento em Jornalismo Diário da Folha, patrocinado pela Philip Morris Brasil.