Embaixo do Elevado Presidente João Goulart, uma Bíblia repousa, aberta, sobre uma mala de rodinhas. Seu dono, Jonas Aparecido Dias, 29, diz não ser religioso, mas foi três vezes à Igreja Universal do Reino de Deus nos últimos meses. Em todas, sentiu que os fiéis o olhavam torto, mas não ligou. "Deus disse: 'Vinde a mim como estais'. Foi o que fiz."
Jonas está há cerca de um ano na rua. Ele vai e volta, porém, desde os 15, quando começou a usar drogas. Na época, saía de casa por um ou dois dias, em geral depois de brigar com o pai. À medida em que o vício se intensificava, passava cada vez mais tempo longe de Taquacetuba, em São Bernardo do Campo, onde nasceu.
Começou a praticar pequenos furtos: quebrava o vidro dos carros para roubar os aparelhos de GPS, arrombava comércios. Acabou preso em 2010. Na cadeia, conseguiu se afastar do crack. "Lá dentro só tem pó e maconha." Saiu cinco anos depois, diretamente para as ruas.
Há dez dias, Jonas descobriu que o pai tinha morrido de febre amarela. Conta os dias longe das drogas desde então. "Quero sair. Se alguém me oferecesse uma cura, aceitaria na hora", diz.
O objetivo é reencontrar-se com a mãe, Angelina, empregada doméstica em uma residência no Itaim. "O que eu tinha em casa, muita gente queria ter", diz Jonas. Angelina chegou a pagar sete meses de internação para o filho em uma clínica de reabilitação. Ele fugiu do lugar, mas hoje se arrepende.
O versículo citado por Jonas não existe na Bíblia, embora seja muito popular na comunidade evangélica. A passagem original, Mateus 11:28, diz: "Vinde a mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei".
Estas reportagens foram produzidas pela equipe do 62º Programa de Treinamento em Jornalismo Diário da Folha, patrocinado pela Philip Morris Brasil.