Nos arredores da Estação da Luz, Maria Pereira é conhecida pelo apelido de Tia. Muita gente de passagem acena para ela. Uma garota com uniforme escolar passa e a chama de Emília, outro apelido, este motivado pelos cabelos crespos trançados.
Maria gosta de estar em paz com as pessoas. Não é fácil. Entre os conhecidos da rua, tem muito "assunto que não vira". Ela ouve muita gente falar em roubar, matar e "fazer maldade com as pessoas".
Católica, conversa com Deus onde estiver. Às vezes, entra numa igreja para expressar sua fé e pedir ajuda.
Seu desejo era alguém puxar assunto sobre um emprego. Com o dinheiro, Maria gostaria de montar "seu cantinho". Só um quarto com banheiro bastava, desde que houvesse uma vassoura. "Não gosto de sujeira", diz.
Com os trabalhos que faz na rua, junta cerca de R$ 8 por dia. Varre a calçada de comércios e recolhe papelão e latinhas de metal. Com o dinheiro, come pouco. Faz questão de usar uma parte para pagar um banho. Debaixo do chuveiro, lava também as poucas roupas.
Datas não são uma preocupação para Maria. Ela não sabe há quanto tempo está na rua. Tampouco acha importante recordar a própria idade. Primeiro, diz ter 23 anos. Depois, 47.
Tem uma filha que a visita às vezes, e de quem gosta muito, apesar de se sentir incompreendida. "Ela é uma pessoa boa, mas não entende a vida de quem está na rua", diz.
Casamento, nunca teve. No máximo, juntou-se por um tempo. Não tem mais vontade de estar com um companheiro: "homens não ajudam em nada".
Não está totalmente sozinha. Entre os conhecidos, consegue inclusive fazer piadas e dar risadas. Chora também, principalmente quando não consegue juntar dinheiro para se livrar da sujeira. "Morar na rua não é brincadeira", lamenta.
Estas reportagens foram produzidas pela equipe do 62º Programa de Treinamento em Jornalismo Diário da Folha, patrocinado pela Philip Morris Brasil.