Capítulo 3
Pré copa

Do fiasco em 66 à preparação para 70

Reparação de erros cometidos na Copa anterior resultou em atenção especial ao condicionamento físico quatro anos depois

Luís Curro
São Paulo

Em 1966, na Inglaterra, a seleção brasileira amargou um de seus piores desempenhos em uma Copa do Mundo.

Comandada por Vicente Feola, o treinador que dirigiu o Brasil na conquista de seu primeiro Mundial, em 1958, a equipe caiu na primeira fase.

Por quê? O que aconteceu para o bicampeão do mundo naufragar precocemente? Para jogadores que foram depois à Copa de 1970, a preparação malfeita foi a principal razão.

Preparação essa que atendeu a interesses que fragmentaram a seleção para que ela pudesse se apresentar em várias praças, como uma atração. "Muita política envolvida", afirma Gerson. Isso impediu a formação de um time.

Outro motivo foi a inclusão, no grupo que disputou a competição, de atletas que triunfaram em 1958 e/ou em 1962 mas que já tinham passado o auge técnico e cuja condição física era duvidosa. "Jogaram com o nome", diz Tostão.

Técnico na Copa de 1970, Zagallo, com os dedos em riste, orienta os jogadores em treino. Ao centro, de braços cruzados, observa o então preparador físico Carlos Alberto Parreira
Técnico na Copa de 1970, Zagallo, com os dedos em riste, orienta os jogadores em treino. Ao centro, de braços cruzados, observa o então preparador físico Carlos Alberto Parreira - Reprodução

Fisicamente, aliás, houve a constatação de que o Brasil ficara para trás, defasado, em relação aos europeus. Isso fez com que, para a Copa no México, fosse dada ênfase especial ao condicionamento físico da seleção.

Em relação à organização, o problema não foi resolvido, o que mostrou ser possível ganhar mesmo com troca de treinador a poucos meses da competição. João Saldanha, que azeitou o time nas eliminatórias, desentendeu-se com dirigentes e caiu. Zagallo entrou, mexeu na escalação, mudou o esquema tático e, assim (ou mesmo assim), triunfou.





Carlos Alberto




A Copa de 1966 deixou uma lição, que foi a grande preparação física dos europeus






Em 1966, a CBD [Confederação Brasileira de Desportos] decidiu convocar 44 jogadores. Eu era um dos quatro da posição de lateral direito, sempre atuando como titular na preparação no Brasil, nos jogos amistosos.

Infelizmente, a uma semana da convocação final, foi anunciado que meu nome havia sido cortado da relação. Foi uma decepção muito grande para mim. Eu não esperava, principalmente pelo fato de eu ter sido titular em praticamente todos os jogos da preparação.

Na minha opinião, o grande erro daquela seleção foi, na impressão que nos deu, que a CBD achava que ganharia o tricampeonato, tanto que levou para a Copa de 1966 jogadores que estiveram nas Copas de 1958 e 1962 e que todo mundo via que não tinham mais condições de atuar, principalmente pela seleção brasileira.

Para mim, esse foi o grande erro da CBD. E nós tínhamos no Brasil grandes jogadores, jogadores excepcionais, que tinham condições de atuar na seleção.

Aquela Copa deixou uma grande lição para nós, que foi a grande preparação física dos europeus, quando, inclusive, passaram a dizer que as seleções da Europa praticavam o futebol força, o "power football", que ficou famoso e não era nada mais, nada menos do que uma excelente preparação física.

A gente lembra que os caras começaram a correr muito, a chegar junto, tanto que o Pelé acabou contundido naquela Copa.

Essa foi a grande lição que nós tivemos e da qual soubemos tirar proveito para a Copa do Mundo de 1970.

Em 1969, no início do ano, o Brasil, em termos de seleção, atravessava um momento muito complicado. Havia uma desconfiança muito grande da torcida e não se tinha apoio. Os torcedores estavam muito desconfiados pelo fracasso na Copa de 1966. E a seleção mal jogava, não era como hoje, quando se joga todo mês.

Foi quando, na época, o João Havelange deu um golpe de mestre. Convocou o João Saldanha para ser o técnico da seleção.

O Saldanha, apesar de anos antes ter sido técnico do Botafogo, não dirigia nenhum time, mas na época era o jornalista mais famoso do Brasil.

Participava de programas de rádio e televisão, escrevia para jornal, e sempre com tiradas engraçadas. Divertia o público, fazia crônicas e comentários muito inteligentes.

Teve o apoio de todos, ninguém ficou contra a convocação do Saldanha para ser técnico da seleção, e o Saldanha já chegou, o que ninguém faz hoje em dia, escalando o time titular e o reserva: "Essas são as 22 feras que vão defender o Brasil nas eliminatórias". E até hoje as pessoas, de vez em quando, se referem a um time bom de "fera". Começou isso com o Saldanha.

Veio 1970 e, aí, o grande erro do Saldanha. Em vez de começar os trabalhos aproveitando a base daquele time, ou o mesmo time que jogou as eliminatórias, ele convocou outros jogadores.

Começou a formar uma outra seleção e, como nós tínhamos uma grande preocupação de dar uma ênfase maior para os trabalhos de treinamento físico, o time ficou prejudicado em relação ao entrosamento. Nós jogamos alguns amistosos e o rendimento do time não era aquilo que as pessoas esperavam.

Aí começaram alguns problemas, muita gente criticando o João Saldanha, inclusive outros treinadores. O Saldanha começou a guerrear, primeiro através de palavras, através da imprensa, principalmente com o Yustrich, que na época era o treinador do Flamengo.

Inclusive, um dia foi atrás do Yustrich para brigar, disse até que iria matar o Yustrich, e ali foi a gota d"água. Ficou um clima... Criou-se uma situação que a CBD achou que era incontrolável. E aí acharam por bem mudar o técnico. Ficaram mais ou menos dois dias para contratar um treinador e finalmente o Zagallo chegou.

O time foi se entrosando aos poucos, saímos do Brasil ainda não atuando de forma perfeita, mas, no seguimento dos trabalhos lá no México, o Zagallo foi ajustando o time, e na semana do início da Copa o time já estava totalmente preparado.

Nós tivemos que esperar o início para saber se o time estava realmente 100% preparado para ganhar a Copa do Mundo. Cem por cento preparado no sentido da exibição do time durante o jogo.

Porque a gente fala da preparação dos jogadores, mas o negócio é saber como o time vai se comportar no jogo, principalmente num início de Copa, quando, antes do jogo, alguns jogadores ficam mais nervosos que outros porque a expectativa para o início de uma Copa é um negócio realmente incrível. É o maior torneio do mundo.

Na nossa seleção, apesar de nós termos jogadores experientes, tínhamos jogadores jovens, principalmente o Clodoaldo, que tinha 19, 20 anos e jogava no meio de campo, que era um setor importante da equipe. Mas as coisas foram se ajustando nos treinamentos e, quando nós fomos iniciar a Copa, contra a Tchecoslováquia, sentíamos que estávamos bem.

Um time bem preparado fisicamente, o que deu uma confiança extraordinária para cada um de nós, para que cada um pudesse, dentro do jogo, executar tecnicamente o melhor.





Gerson




O Coutinho trouxe o teste de Cooper, que na época treinava os astronautas







1966 foi um ano atípico, exatamente por causa da publicidade, da política que envolveu aquela seleção.

Eu acho, acho não, tenho certeza, que não deram a devida importância àquela seleção. Envolveram mais o lado político. Nós viajávamos para tudo quanto era lado pra jogar. Treino ali, treino não sei onde. Fulano de tal pediu pra jogar não sei onde? Vamos jogar.

Então nós tínhamos quatro seleções, 44 jogadores, e não conseguimos formar uma seleção. Porque quando nós embarcamos para a Inglaterra, chegamos à Suécia, ali foi cortado o Servílio. Eu, o Servílio e o Pelé jogamos nas quatro seleções. E foi cortado o Servílio.

O Alcindo, por exemplo, que era um centroavante muito bom, quebrou o pé aqui em Niterói, num amistoso que nós viemos fazer no estádio Caio Martins. E ele foi convocado e jogou, pela força de vontade. Só foi descobrir que o pé dele estava quebrado quando nós voltamos e ele voltou pro Sul. Lá, ele se queixou, fizeram uma radiografia e viram que ele estava com o pé fraturado.

Quer dizer, foi, como a gente diz, muito oba-oba e não focaram numa seleção. Se dessas quatro fizessem duas, que são 22 jogadores, no mínimo nós disputaríamos o título. No mínimo. Foi muita política envolvida, e isso não deu certo.

*

Foi tudo programado antes [em relação aos treinamentos], aqui no Brasil.

O [Cláudio] Coutinho [supervisor da seleção] foi aos Estados Unidos pegar o teste de Cooper, que na época treinava os astronautas, aquelas coisas todas. O Coutinho trouxe tudo isso pra cá.

E fomos pro México e fizemos essa mesma coisa. Fomos pra Guanajuato, Irapuato, depois a Guadalajara pra começar a Copa do Mundo.

Então, essa evolução toda... Tanto é que fizeram um teste, a Fifa fez um teste com um atleta de cada seleção, pra saber qual seleção estava mais bem preparada, e o Brito foi escolhido. Porque o Brito era uma exceção dentro do grupo na parte física. E técnica, naturalmente.

Mas, na parte física, nós até brincávamos com ele: "Ó, vê lá se você vai quebrar essa máquina aí". Porque era tudo cheio de fios e tal, e ele tinha que fazer um monte de exercícios, subir escada, descer escada... Ele foi considerado o melhor atleta, e a seleção brasileira foi considerada a melhor fisicamente.

Se fisicamente nós estávamos bem dessa maneira, imagina tecnicamente, com o time que nós tínhamos. Então, a conta que fizemos foi esta: nós jogaríamos dez Copas do Mundo daquela, ganharíamos nove, empataríamos uma e ganharíamos nos pênaltis.





Clodoaldo




Lembro-me da Copa de 1966 como um desastre na preparação e no planejamento







Em 1966, quando o Brasil fracassou, eu era muito jovem, mas lembro perfeitamente que houve uma confusão no que diz respeito a um planejamento e a uma organização no sentido de convocações.

Eu acho que foram convocados jogadores em excesso, muitos consagrados, mas que não estavam no seu melhor condicionamento. Alguns até havia dúvida se poderiam jogar a Copa, mas mesmo assim, por serem campeões mundiais, pelas conquistas que tinham alcançado, a comissão decidiu dar oportunidade e levar esses jogadores mesmo não estando bem fisicamente, alguns com problema de lesão.

Eu acho que essa seleção serviu de modelo para que, em 1970, a comissão técnica não cometesse os mesmos erros ocorridos em 1966. Procurou levar uma equipe que eles entendiam necessária, sem excesso no número de jogadores.

Houve alguns cortes após as eliminatórias, jogadores importantes, como Ademir da Guia, Dirceu Lopes... Não me lembro de todos. Houve o corte ainda do Toninho Guerreiro e o do Cláudio, nosso goleiro na época. Senão nós teríamos levado quase todo o time titular do Santos.

Então, pelo que eu vivi ao longo desses anos até hoje, eu lembro dessa Copa de 1966 como um desastre na preparação e no planejamento. Eu acho que isso tudo que aconteceu ajudou na preparação para a Copa de 1970, que teve um grupo unido.

Houve uma disputa dentro da seleção. Eu fui convocado pelo João Saldanha, que tinha uma preferência, a princípio, pelo Wilson Piazza como volante titular, e eu estava disputando essa posição.

Depois, ainda com o Saldanha, nos seguimentos dos treinamentos no Rio, eu comecei a ganhar um espaço quase como titular, ainda não seguramente, mas já estava como titular nos amistosos.

Depois veio a troca da comissão técnica, com o Zagallo, e o Zagallo fez uma escolha. Na época fizemos alguns amistosos no Rio, e ele escalou o Piazza como quarto-zagueiro. Eu já estava como volante e permaneci.

Mas de vez em quando o Zagallo tinha algumas dúvidas. Ele tinha uma fixação de poder escalar o meio-campo com Gerson, Rivellino e Paulo Cézar, sem nenhum marcador.

Essa ideia, depois, o Zagallo foi deixando de lado. Foi percebendo que a estrutura da seleção com essa formação, eu de volante, o Gerson ajudando como segundo homem de meio-campo, o Rivellino como terceiro e o Pelé compondo como quarto jogador ali... O time era mais produtivo, ficava mais compacto ali.

Então deu certo, e eu joguei toda a Copa do Mundo.





Tostão




A primeira coisa que o Zagallo falou quando chegou foi: 'o Tostão é reserva do Pelé'







1966 foi assim: deu tudo errado. Começou errado e acabou pior ainda.

Aconteceram várias coisas. Do ponto de vista técnico, foi uma fase de transição. Os jogadores consagrados estavam todos em final de carreira e sem condições de jogar mais uma Copa. Com exceção do Pelé, um punhado de jogadores ali não tinha mais condições de jogar. E jogaram com o nome.
Teve isso, teve desorganização, convocaram 44 jogadores, tinha quatro times. E trocava, cada hora mudava.

Então não se formou um time, não houve uma preparação. Foi uma coisa muito badalada, porque o Brasil era bicampeão do mundo. Nós ficamos rodando por vários lugares para atender a interesses políticos, de prefeitos, de governadores. Virou uma festa o negócio.

A preparação foi ruim, o time era fraco porque não tinha entrosamento e não tinha grandes jogadores. Tinha jogadores com nome, mas sem condições. O Garrincha era um exemplo típico, ele não tinha mais condição nenhuma de jogar uma Copa do Mundo. Vivia na enfermaria, de vez em quando treinava. E jogou a Copa.

Hungria e Portugal tinham times melhores que o do Brasil. Portugal nem se fala, era muito superior ao Brasil. Estava no auge, era a melhor geração que Portugal teve, tanto que quase foi campeão. O time da Hungria era muito bom, tinha grandes jogadores. Era um futebol de primeiro nível, estava no nível dos melhores do mundo.

O Brasil jogou contra duas seleções que eram melhores. A surpresa foi porque o Brasil era bicampeão e perdeu. Mas, do ponto de vista técnico, confrontando a qualidade, não foi surpresa nenhuma. Com isso, o Brasil perdeu, perdeu feio.

E isso teve o lado positivo: depois de uma derrota, há uma preocupação de se fazer bem uma coisa dali para a frente.

O João Saldanha, quando entrou na seleção, em 1969, me chamou e falou assim: "Qual o problema?". E eu falei assim: "O problema é que eles acham que eu tenho que ser reserva do Pelé". Aí ele virou pra mim e falou assim: "A partir de hoje você é o titular absoluto. Mesmo se você jogar mal, não sai do time. Você vai ser titular ao lado do Pelé".

E aí foi a melhor fase que eu tive na seleção brasileira. Foi em 1969, nas eliminatórias, com o Saldanha. Eu fui o artilheiro da seleção, foi o meu auge na seleção em termos individuais. Foi quando eu mais brilhei, mais joguei, mais fiz gols, mais dei passes.

Então, com o Saldanha, nas eliminatórias, foi um ressurgimento do futebol brasileiro. Todo o mundo começou a falar, e coincidiu que tinha Pelé jogando, Gerson, Rivellino, eu, Jairzinho, Carlos Alberto, Clodoaldo. Era um time só de jogadores que estavam no mais alto nível na época. A partir daí, eu virei titular.

Até hoje existe um mistério, não há uma coisa clara de por que o Saldanha saiu. Eu sei que ele começou a brigar com todo o mundo, ele tava nervoso. Havia o negócio da ditadura, que não queria o Saldanha como técnico porque ele era comunista. Então ficou um tumulto ali e ele acabou saindo do comando da seleção.

Foi quando entrou o Zagallo, e o Zagallo... A primeira coisa que o Zagallo fez, ele falou: "O Tostão é reserva do Pelé. Eu preciso de um centroavante pra jogar no time. O time está com excesso de jogadores de meio de campo e não tem atacantes".

Foi quando eu tive o problema no olho. A seleção começou a treinar e eu não participei. Fiquei uns dois meses sem fazer nada na seleção, não podia fazer nada, porque não tinha autorização médica. E aí eu fiquei na reserva.

Quando chegou o último amistoso antes de ir pra Copa, o Zagallo me colocou num jogo no Maracanã pra jogar. Não foi nada excepcional, eu não fiz uma partida muito boa porque eu tava ainda fora de forma porque eu fiquei muito tempo parado. O Brasil não teve uma grande atuação e eu não joguei muita coisa, e mesmo assim a impressão que todo mundo teve foi: "Esse aí é que tem que ser o time".

Nós fomos pro México e eu continuei na reserva. Mas aí ele [Zagallo] já me colocava no segundo tempo, ele começou a ficar na dúvida sobre quem ia jogar de titular, se era eu, o Roberto ou o Dario.

Uns 15 dias antes de começar a Copa, teve um jogo-treino e o Zagallo falou: "Hoje você vai entrar desde o início e eu pretendo que você jogue o jogo todo". E nesse dia nós jogamos tão bem, eu joguei tão bem...

Acabou o jogo-treino, o Pelé, o Gerson, o Rivellino e eu saímos juntos, felizes, como que dizendo: "Hoje foi demais, nós jogamos demais, agora entrosou". E o Zagallo recebeu a gente com um sorriso na entrada do vestiário.

Aí eu falei assim: "Agora eu tenho certeza de que sou eu que vou jogar".





Piazza




Quando o Zagallo fez a opção pelo Clodoaldo, eu falei: não posso me entregar







Eu fiquei de fora. Se me perguntarem em qual Copa do Mundo eu deveria estar presente, seria na de 1966, pelo futebol que estava jogando.
Eu acho que não é o [o caso de usar o] ditado "Deus escreve as coisas certas por linhas tortas". Eu acho que escreve certo pelas linhas certas mesmo. Há determinados momentos em que a gente conta com o fator sorte também. E eu acho que dei sorte de não ir naquela seleção naquele momento.

Essa convocação de 1966, diante do grande número de jogadores que tinha, acabou levando a um trabalho negativo. Porque convocaram 44, pra desses 44 depois fazer a lista dos 22, pra desses 22 saber os 11 que iriam começar como titulares... Eu acho que no final o Brasil não sabia nem quem era quem, qual time deveria iniciar a Copa.

E, tendo conversado com o Tostão, que foi à Copa, eu pude sentir que isso ocorreu. Aí você não conseguia ter um melhor ambiente, aquela disputa muito acirrada, e se formam grupinhos. E nessa seleção de 1966 a gente sentiu que o ambiente não deve ter sido dos melhores.
E o que é que depois acabou acontecendo, dessa falta melhor de um trabalho? O Brasil não conseguiu passar da primeira fase.

Eu fui capitão da seleção com o João Saldanha nas eliminatórias. Chega o Zagallo e num piscar de olhos eu já não era titular, já não era capitão, e dali a pouco eu já era... Alguns órgãos da imprensa diziam que eu já era um dos prováveis cortados. Por quê? Porque o Zagallo, de pronto, deu uma preferência pro Clodoaldo.

Quando o Zagallo fez a opção pelo Clodoaldo, eu falei: "Eu não posso me entregar. Eu tenho que ir à luta. Seja na preparação física, seja nos coletivos, vou ter que provar pro Zagallo. Se ele me cortar, vai cortar sabendo que eu tô bem".

E aí, nos treinamentos, havia dois zagueiros machucados, o Leônidas e o Baldocchi. Precisava de um outro zagueiro pra completar o time na hora dos coletivos. Foi quando o Zagallo chegou pra mim e perguntou se eu podia, nos coletivos, treinar de zagueiro. Eu falei que sim.

A atuação minha de quarto-zagueiro nos treinos... Eu tava indo bem e a imprensa, se não toda, parte, começou a dar força: "O Piazza tá indo bem de quarto-zagueiro". Aí o Zagallo me deu o jogo [amistoso] contra a Áustria como um teste pra ver como eu ia responder como quarto-zagueiro.

Foi à noite, no Maracanã, e nós vencemos de 1 a 0 a Áustria. Eu acho que ali eu assegurei de vez a minha convocação entre os 22 porque mostrei que era um jogador versátil, que eu podia jogar no meio, de quarto-zagueiro, quem sabe até de central.

Mas não seria ainda o titular da seleção brasileira. Quando chegamos ao México, o Zagallo foi conversar comigo, agradecer a minha contribuição, a minha colaboração durante a fase de treinamento. E eu disse pra ele: "Zagallo, tudo bem, eu não sou zagueiro. Você pode contar comigo onde precisar".

A minha filosofia foi essa: primeiro, estar entre os 22; nos 22, estar entre os 11; nos 11, estar na minha posição; na minha, se não for possível, em qualquer outra.

Quando fomos pra o primeiro treinamento, o Fontana, no treino, tava se queixando do joelho, e o que aconteceu? O Zagallo voltou-se para a minha pessoa e disse: "Olha, você faz o seguinte, começa outra vez".

Eu ajudei o Zagallo a me escalar. Eu forcei o Zagallo a me escalar. O Zagallo poderia ter feito a opção pelo Joel Camargo e não fez.

Eu sei que eu comecei [o jogo-treino], acho que foi 3 a 0 pra seleção. É aquele dia em que você tá tão inspirado que você vai matar a bola no peito do pé, ela bate no seu joelho e vai pro colega. Tudo dá certo.

A partir daquele momento, o Zagallo deve ter falado: "Esse cara é o meu quarto-zagueiro".