México-70. Brasil tricampeão mundial de futebol. Incontestável. Irrepreensível. Inesquecível.
Em 1970 eu não era ainda nascido, mas essa é uma das duas únicas Copas que despertam em mim um sentimento intenso, aquele algo que vem de dentro e emociona intensamente.
A outra é a de 1982, na Espanha, quando o Brasil vivenciou a maior tristeza desde a derrota para o Uruguai, 2 a 1, de virada, na decisão da Copa de 1950, no Maracanã —o Maracanazo.
Hão de se lembrar do 7 a 1, em 2014. Mas a derrota acachapante para a Alemanha, na semifinal no Mineirão, desvia-se do rol das tristezas. Encaixa-se no das vergonhas.
No início da década de 1980, quando comecei a acompanhar futebol com mais atenção, e no decorrer dela, eu li, e vi programas, sobre a Copa de 1970.
E passei a conhecer e admirar o futebol de Pelé (o Rei do Futebol), Gerson (o Canhotinha de Ouro), Tostão, Rivellino (a Patada Atômica), Jairzinho (o Furacão da Copa) e companhia.
A campanha em 1970 foi incontestável, diferentemente da do penta, em 2002, quando o Brasil foi ajudado pela arbitragem em duas situações-chave.
Na estreia, venceu a Turquia com um gol de pênalti "inventado", pois a falta foi fora da área; nas oitavas de final, eliminou a Bélgica, que endurecia e teve, quando o jogo estava 0 a 0, um gol legítimo anulado.
A campanha em 1970 foi irrepreensível, 100% de aproveitamento: seis vitórias em seis partidas. Ah! Mas a do Brasil-2002 também, e com sete vitórias em sete partidas.
Só que e o sofrimento nas eliminatórias? A seleção, derrotada seis vezes, viu-se ameaçada de não se classificar para jogar na Coreia do Sul e no Japão.
A equipe de 1970 registrou 100% também na etapa de classificação para o Mundial. "Foi o único time que ganhou todos os jogos nas eliminatórias e na Copa", lembrou Carlos Alberto Torres, o capitão do tri, ao citar a performance perfeita.
Em 1994, na caminhada para o tetra, o Brasil ganhou a Copa dos EUA com cinco vitórias e dois empates, incluindo o 0 a 0 na final contra os italianos, vencida na disputa de pênaltis.
A campanha em 1970 foi inesquecível. Cada lance! Cada momento!
Marcaram-me especialmente a comemoração de Jairzinho, fazendo o sinal da cruz a cada gol, os "não gols" de Pelé (chute do meio de campo contra a Tchecoslováquia, cabeçada para defesa "impossível" contra a Inglaterra, "drible da vaca" no goleiro sem tocar na bola contra o Uruguai) e a invasão de campo ao encerramento da final, um mar de gente no gramado do estádio Azteca, com o empolgado povo mexicano deixando Pelé e Tostão quase nus.
O futebol apresentado foi mágico, foi maravilhoso, foi monumental. E houve amplificação disso pela tecnologia: a primeira Copa que vi na TV com imagens coloridas. Que me perdoem os amantes do "preto e branco", mas a vida em cores é muito mais bonita.
Que seja mantido, entretanto, em P&B o conteúdo das Copas de 1958 e 1962, as primeiras que o Brasil faturou: é justamente aí que reside o fascínio. Nesses casos, abaixo a colorização por computador.
A seleção de 1970 possuía talento à flor da pele de sobra do meio para a frente, algo em falta hoje —Neymar é exceção.
Tanto que o técnico Zagallo assim me disse, no início da década: "Olha o material humano que eu tinha em mãos. Eram cinco "camisas 10": Jairzinho, Pelé, Tostão, Rivellino e Gerson. Fizemos uma Copa sensacional, ganhamos uma Copa belíssima e o mundo inteiro gostou daquilo que o Brasil realizou lá no México".
Diferentemente de 1994 e de 2002.
Nos EUA, Romário era o único fora de série em um time de bons jogadores que prezava o pragmatismo.
Na Coreia e no Japão, Ronaldo Fenômeno (principalmente), Rivaldo e Ronaldinho Gaúcho (em dose menor) fizeram a diferença, mas não houve encanto.
São seleções cujo maior mérito foi a objetividade.
O Brasil de 1970, não. Era, sim, objetivo, mas tinha arte, tinha fantasia. O Brasil de 1970 foi o Brasil de 1982 que triunfou.
Publicado em capítulos, este conteúdo —quase todo inédito, reunido a partir de entrevistas feitas pessoalmente no final de 2010, no Rio de Janeiro, em Niterói, em Santos e em Belo Horizonte, com titulares daquela seleção, todos grandes ídolos do futebol nacional— apresenta cinco versões da mesma história, visões individualizadas do antes, do durante (jogo a jogo) e do depois do México-70.
A quem já conhece os acontecimentos fica o convite para relembrá-los e para percorrer fatos e histórias com riqueza de detalhes. A quem pouco ou nada sabe dos mesmos, que saiba agora, faça suas avaliações e tire suas conclusões.
Vale para os mais velhos, vale para os mais jovens. É como colírio em tempos de futebol de qualidade bastante discutível e com altíssimas doses de rispidez.
Os entrevistados
Carlos Alberto Torres
Nascimento: 17 de julho de 1944, no Rio de Janeiro
Morte: 25 de outubro de 2016, no Rio de Janeiro
Clubes: Fluminense (1962-1964 e 1975-1976), Santos (1965-1974), Botafogo (1971), Flamengo (1977), New York Cosmos (1977-1980 e 1982) e California Surf (1981)
Copa do Mundo: México-1970 (campeão)
Gerson de Oliveira Nunes
Nascimento: 11 de janeiro de 1941, em Niterói (RJ)
Clubes: Flamengo (1959 a 1963), Botafogo (1963 a 1969), São Paulo (1969-1972) e Fluminense (1972 a 1974)
Copas do Mundo: Inglaterra-1966 (eliminado na 1ª fase) e México-1970 (campeão)
Clodoaldo Tavares de Santana
Nascimento: 25 de setembro de 1949, em Itabaiana (SE)
Clubes: Santos (1965-1980) e Nacional-AM (1981)
Copa do Mundo: México-1970 (campeão)
Eduardo Gonçalves Andrade (Tostão)
Nascimento: 25 de janeiro de 1947, em Belo Horizonte
Clubes: Cruzeiro (1963 a 1972) e Vasco (1972 a 1973)
Copas do Mundo: Inglaterra-1966 (eliminado na 1ª fase) e México-1970 (campeão)
Wilson da Silva Piazza
Nascimento: 25 de fevereiro de 1943, em Ribeirão das Neves (MG)
Clubes: Renascença (1962 a 1963) e Cruzeiro (1964 a 1977)
Copas do Mundo: México-1970 (campeão) e Alemanha-1974 (4° lugar)
A delegação brasileira
- 1
Goleiro
Félix (1937 - 2012)
FÉLIX Miéli Venerando
Fluminense
- 2
Zagueiro
Brito (1939 - )
Hércules BRITO Ruas
Flamengo
- 3
Zagueiro/Volante
Piazza (1943 - )
Wilson da Silva PIAZZA
Cruzeiro
- 4
Lateral-direito
Carlos Alberto (1944 - 2016)
CARLOS ALBERTO Torres
Santos
- 5
Volante
Clodoaldo (1949 - )
CLODOALDO Tavares de Santana
Santos
- 6
Lateral-esquerdo
Marco Antônio (1951 - )
MARCO ANTÔNIO Feliciano
Fluminense
- 7
Atacante
Jairzinho (1944 - )
Jair Ventura Filho
Botafogo
- 8
Meia
Gerson (1941 - )
GERSON de Oliveira Nunes
São Paulo
- 9
Atacante
Tostão (1947 - )
Eduardo Gonçalves Andrade
Cruzeiro
- 10
Atacante
Pelé (1940 - )
Edson Arantes do Nascimento
Santos
- 11
Meia-atacante
Rivellino (1946 - )
Roberto RIVELLINO
Corinthians
- 12
Goleiro
Ado (1946 - )
Eduardo Roberto Stinghen
Corinthians
- 13
Atacante
Roberto (1943 - )
ROBERTO Lopes de Miranda
Botafogo
- 14
Zagueiro
Baldocchi (1946 - )
José Guilherme BALDOCCHI
Palmeiras
- 15
Zagueiro
Fontana (1940 - 1980)
José de Anchieta FONTANA
Cruzeiro
- 16
Lateral-esquerdo
Everaldo (1944 - 1974)
EVERALDO Marques da Silva
Grêmio
- 17
Zagueiro
Joel Camargo (1946 - 2014)
JOEL CAMARGO
Santos
- 18
Meia-atacante
Caju (1949 - )
PAULO CÉZAR Lima
Botafogo
- 19
Atacante
Edu (1949 - )
Jonas Eduardo Américo
Santos
- 20
Atacante
Dario (1946 - )
DARIO José dos Santos
Atlético-MG
- 21
Lateral-direito
Zé Maria (1949 - )
José Maria Rodrigues Alves
Portuguesa
- 22
Goleiro
Leão (1949 - )
Emerson LEÃO
Palmeiras
Comissões técnica e médica
Mario Jorge Lobo Zagallo | Técnico |
Admildo de Abreu Chirol | Preparador físico |
Carlos Alberto Gomes Parreira | Preparador físico |
Rogério Hetmanek | Olheiro |
Lídio Toledo | Médico |
Mauro Pompeu | Médico |
Mário Américo | Massagista |
Equipe administrativa
Jerônimo Bastos | Chefe da delegação |
Roberto Câmara dos Guaranys | Secretário |
Antônio do Passo | Presidente da comissão técnica |
Tarso Herédia de Sá | Assessor da presidência da comissão técnica |
Cláudio Pecego de Moraes Coutinho | Supervisor |
José de Almeida Filho | Administrador |
Walter José dos Santos | Assistente administrativo |
Abilio de Almeida | Delegado |
Sylvio Corrêa Pacheco | Delegado |
José Ermirio de Moraes Filho | Delegado |
Sebastião Martinez Alonso | Tesoureiro |
Achilles Chirol | Jornalista |
Mário Vieira da Rocha | Cozinheiro |
Edgar Barbosa | Cozinheiro |
Abílio José da Silva | Roupeiro |