O Twitter é um dos espaços mais interessantes de diálogo neste período de predominância das redes sociais como forma de usar a internet. Assim, é normal que se utilizem dados retirados dessa plataforma para pesquisa.
O estudo que realizei com Rafael Martins e Ralph Silva, "Politics on the Web: Using Twitter to Estimate the Ideological Positions of Brazilian Representatives", publicado em 2017 pela Brazilian Political Science Review e o GPS Ideológico da Folha são formas de usar os traços que deixamos na rede para produzir conhecimento.
O método escolhido em ambos parte das escolhas de quem seguimos no Twitter e quem nos segue para estimar diferenças de posições em uma dimensão. Mostrou-se muito profícuo. A polarização entre perfis diferentes surge naturalmente das escolhas de cada usuário. Nossa posição em uma rede maior passa a ser uma característica que serve de informação sobre cada um.
A significação que damos a essa única dimensão é, no entanto, aberta ao debate. Enquanto alguns veem uma oposição esquerda-direita, outros observam uma lógica governo-oposição ou algo mais próximo de uma lógica amigo-inimigo.
O principal do exercício é entender que o método nos permite ver o quanto atores políticos e sociais estão imersos em redes diversas de informação. Apesar das posições individuais dos modelos não serem completamente comparáveis, algumas observações entre o nosso trabalho de alguns anos atrás e esse da Folha são interessantes.
Em 2015, quando levantamos os dados da pesquisa, o presidente Bolsonaro ainda tinha uma posição de pouca relevância e baixo engajamento com outros políticos na Câmara dos Deputados.
Das mais de 600 posições ideais (número de posições na reta ideológica) calculadas a partir de contas no Twitter, o deputado Bolsonaro estava dentre os mais distantes do polo ocupado principalmente pelos políticos do PT.
A posição atual do presidente como mais próximo do centro no modelo da Folha parece decorrer diretamente do fato de que Bolsonaro passou a ser seguido por um público mais abrangente composto de muitos perfis não alinhados ao discurso do presidente (o infográfico a seguir mostra a posição de alguns políticos no GPS Ideológico da Folha).
De 2015 para cá, o que parece relevante é a consolidação de um campo de perfis mais à direita do espectro político. A ascensão de Bolsonaro abriu espaço para que figuras como Olavo de Carvalho e seus seguidores viessem a participar diretamente do debate público virtual em uma posição mais de destaque.
Nossa seleção de perfis em 2015, que usou como regra para o estudo ser seguido por pelo menos 30 deputados federais, não capturou o perfil de nenhum desses expoentes da direita digital. Bolsonaro foi e ainda é o porta-voz desse campo.
Os dois estudos mostram que há clara distância nas redes sociais entre o campo mais à esquerda e aquele ocupado pelas figuras de centro. Estar no centro significa não estar imerso em uma ou em outra das redes de informação, geradoras da distância entre Bolsonaro e os perfis mais identificados com a esquerda.
Por isso, encontramos perfis mais liberais ou da grande imprensa nesse campo central na ferramenta da Folha. Mesmo jornalistas que no nosso estudo apareciam mais distantes do polo ligado ao PT, como Reinaldo Azevedo e Rachel Sherazade, têm apresentado um perfil mais distante também do polo à direita atualmente.
Desse não alinhamento da imprensa vem grande parte das críticas que recebe dos dois lados. O surgimento de um campo mais forte ligado ao discurso do presidente levou alguns perfis que se antagonizavam antes com o PT a adquirirem valores mais próximos do centro.
Os trabalhos da DAPP-FGV e do pesquisador Fabio Malini (Universidade Federal do Espírito Santo), que têm mapeado debates públicos em tempo real no Twitter, mostram que esses campos à esquerda e à direita aparecem em diversos momentos como fluxo de informação e retuítes.
Apesar de alguns temas quebrarem essa estrutura de processamento social da informação, estar imerso em algum desses polos aumenta a chance de sermos expostos a opiniões extremistas e de as defendermos publicamente. Nesse sentido, essas redes de informação que pouco se entrelaçam reforçam identidades prévias.
O debate no Twitter, no entanto, não pode ser confundido com o debate público como um todo. Há diferenças entre conquistar perfis e conquistar corações e mentes reais. A posição atual do presidente de porta-voz de um polo político é um grande capital na influência no debate público.
Bolsonaro parece apostar que isso se consolidará como capital eleitoral permanente se ele seguir as demandas de seus apoiadores mais radicais e manter distância da política como construção de pontes e alianças entre diferentes grupos, ou seja, se seguir a lógica de reforço de identidades própria desses fluxos de informação ligados a nichos de discurso político.
As quedas de popularidade recentes do presidente indicam que, talvez, essa estratégia não se sustente diante das cobranças sobre o chefe de Estado advindas da crise econômica, do desemprego e da baixa perspectiva de futuro.
*Luís Felipe Guedes da Graça é professor de ciência política da Universidade Federal de Santa Catarina