"Do inferno para o céu." Assim o caminhoneiro José Luis Rolim, 61, descreve a transformação da rodovia Presidente Dutra, a mais movimentada do Brasil, desde a sua concessão para a iniciativa privada, em 1996.
Rolim está na estrada há 43 anos e compara os 402 km da Dutra de antes da concessão a "um açougue". "Passava por dezenas de acidentes em uma única viagem, em pista esburacada, sem sinalização ou acostamentos. Um caos."
Sua única reclamação atual é sobre a falta de áreas para pernoite na estrada, o que obriga os caminhoneiros a dormir em pátios de postos de combustível, desde que abasteçam no local.
A chamada Lei do Caminhoneiro, de 2015, exige dos motoristas 11 horas de descanso em cada 24 horas, que podem ser fiscalizadas no tacógrafo dos caminhões. "Tem lei, mas falta a estrutura para cumpri-la", diz Antonio Torres, 59, colega de estrada de Rolim.
A primeira concessão da Dutra durou 25 anos e ocorreu logo após a transferência para a iniciativa privada, em 1995, de quatro trechos de rodovias federais e da ponte Rio-Niterói, totalizando 859,6 km –que inauguraram o então Programa de Concessões de Rodovias Federais.
O novo contrato, ganho com o desconto máximo de 15,3% na tarifa de pedágio e outorga de R$ 1,77 bilhão paga ao governo federal, desta vez prevê a construção de três pátios para descanso e pernoites na Dutra e outro em trecho da BR-101, entre a divisa do estado do Rio e a cidade paulista de Ubatuba, incluído no lote do leilão.
Segundo Eduardo Camargo, CEO da CCR Rodovias, além de novas melhorias como os pátios, o plano agora é, em poucos anos, permitir aos motoristas pagarem somente pelo trecho rodado –medida perseguida também pela Artesp (Agência de Transporte do Estado de São Paulo), que regula as concessões de estradas paulistas.
Confirmando a observação do caminhoneiro Rolim, Camargo afirma que os 3.600 km de estradas administradas pela CCR contabilizam queda média de 88% na mortalidade de motoristas. "Esse é o maior legado", diz.
Segundo estudo da Fundação Dom Cabral com registros da Polícia Rodoviária Federal entre 2018 e 2021, o risco de acidentes em rodovia sob gestão pública é quatro vezes maior do que em estrada concedida à iniciativa privada. Na média de todas as rodovias concedidas em pouco mais de duas décadas, os acidentes diminuíram 53% e as fatalidades, 67%, segundo a ABCR (Associação de Concessionárias de Rodovias).
Outra pesquisa, da CNT (Confederação Nacional do Transporte), aferiu que 74,2% das rodovias concedidas tinham avaliação ótima/boa em 2021. Nas estradas públicas, apenas 28,2%. Das 10 rodovias com melhor avaliação, 9 são concedidas; todas as 10 piores, públicas.
Resultados como esses são explicados pela gigantesca diferença entre investimentos públicos e privados nas estradas brasileiras.
Enquanto os aportes públicos afundaram nos últimos 25 anos, as concessionárias investiram cerca de R$ 240 bilhões nos 24 mil km de rodovias hoje concedidas –equivalentes a 11% do total de 213.453 km de estradas pavimentadas no Brasil.
Somente a CCR Rodovias prevê investimentos em suas 11 concessões de até R$ 5 bilhões ao ano no período à frente –além de R$ 48 bilhões já investidos. Como comparação, o orçamento para investimentos do Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes) para 2022 é de pouco mais de R$ 6 bilhões, incluindo todas as modalidades de transporte (rodoviário, ferroviário e aquaviário).
"Embora algumas concessionárias estejam chegando ao fim de seus contratos e ciclos de investimentos com alguma perda de qualidade, as estradas que administram são muito superiores às públicas. No geral, é um processo de muito sucesso", afirma Bruno Batista, diretor-executivo da CNT.
Dos 24 mil km de rodovias concedidas no país, 11,7 mil km estão em São Paulo, estado que iniciou ambicioso programa na área em 1998, com as rodovias Anhanguera, Bandeirantes, Castelo Branco, Anchieta e Imigrantes.
Segundo Milton Persoli, diretor-geral da Artesp, já foram investidos no estado cerca de R$ 186 bilhões desde o início das concessões de rodovias, que atualmente atendem metade dos 645 municípios paulistas.
Na avaliação de concessionárias, governos e pesquisas com usuários, ao longo de um quarto de século de concessões houve aprendizado e aumento da confiança de investidores na área, a partir de vários contratos de longa duração que tiveram começo, meio e que agora chegam ao fim –com as estradas sendo relicitadas.
O lado negativo dessa história é identificado nas concessões federais do início da década passada, no governo Dilma Rousseff. Elas contrastaram com licitações importantes e bem-sucedidas na gestão do também petista Luiz Inácio Lula da Silva, como da Fernão Dias e Regis Bittencourt.
Os problemas no período são identificados com o resultado de modelagens hoje consideradas equivocadas (com outorgas muito altas e descontos exagerados nas tarifas de pedágio), além de muito otimismo com o país (com o aumento no fluxo de veículos) e concessionárias envolvidas na Operação Lava Jato.
Não apenas rodovias, mas alguns aeroportos licitados naquele período acabaram devolvidos ao poder público; sendo remodelados para novas licitações. Faz parte do plano leiloar, por exemplo, várias rodovias no Paraná, com investimentos previstos de R$ 45,3 bilhões, além de outras estradas federais e estaduais no Rio, São Paulo e Rio Grande do Sul.
"A previsão para os próximos cinco anos é dobrar os 24 mil km de rodovias concedidas nos últimos 25 anos. O Brasil conseguiu um amadurecimento político, institucional e jurídico na área que permite isso", afirma Marco Aurélio Barcelos, diretor-presidente da ABCR.
Sobre eventuais reclamações de usuários a respeito dos preços dos pedágios, o secretário de Fomento, Planejamento e Parcerias do Ministério da Infraestrutura, Rafael Furtado, afirma que as licitações têm sido estruturadas para oferecer margens de lucro de 8,5% a 10,5% às concessionárias.
Estudos do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) mostraram que as tarifas no Brasil não diferem tanto de médias internacionais. Mas, como a renda brasileira é menor em algumas comparações, pedágios no Rio, por exemplo, pesam no orçamento dos motoristas quase o dobro em relação a regiões no norte da França.
"Apesar dos pedágios, essas rodovias são constantemente conservadas, reduzem o tempo das viagens e trazem muita economia", diz Furtado.
Segundo estimativa do ministério, o Brasil necessitaria de investimentos de R$ 60 bilhões ao ano no setor de transporte –sendo a maior parte no segmento rodoviário– para manter e ampliar a atual estrutura.
"Nunca houve no Ministério da Infraestrutura um orçamento de R$ 60 bilhões e não vemos isso como uma possibilidade. O caminho é a parceria com o setor privado", afirma.