É consenso entre especialistas que o SUS (Sistema Único de Saúde), que completou três décadas neste ano, precisa passar por uma reforma estrutural. Entre os principais gargalos que travam a eficiência da saúde pública, estão as renúncias fiscais e as emendas parlamentares.
Essa foi uma das conclusões apontadas pelos palestrantes que participaram do seminário E Agora, Brasil? Saúde - O futuro do SUS, realizado pela Folha em parceria com o Banco Mundial, na terça-feira (21), em São Paulo.
O evento aconteceu no auditório do jornal e teve a mediação da jornalista e colunista da Folha Cláudia Collucci.
As renúncias tributárias são perdas de arrecadação que o governo registra ao reduzir impostos com caráter compensatório ou incentivador.
Neste ano, o total de renúncia fiscal do governo federal em todos os setores da economia é estimado em R$ 283,4 bilhões, segundo o TCU (Tribunal de Contas da União).
O presidente do Conselho Nacional das Secretarias Municipais de Saúde, Mauro Junqueira, chamou a atenção para o fato de que o montante é o dobro do orçamento do Ministério da Saúde -de R$ 125,3 bilhões em 2017.
"Nos últimos 15 anos, foram concedidas renúncias fiscais que somam R$ 4 trilhões. Isso dá 30 anos de orçamento do Ministério da Saúde", afirmou Junqueira.
A relevância das renúncias fiscais individuais, como a dedução do Imposto de Renda dos gastos com saúde, também foi questionada.
Para a professora de economia da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) Mônica Viegas, o abatimento dos tributos não é o que determina a decisão pessoal de contratar um plano de saúde.
Os especialistas citaram como exemplos do impacto negativo das renúncias tributárias os benefícios dados à produção de motocicletas na Zona Franca de Manaus e à indústria de bebidas açucaradas, já que ambas ajudam a aumentar as filas do sistema de saúde brasileiro.
No caso das motos, a região responde por cerca de 98% da produção nacional do veículo, segundo a Abraciclo (Associação Brasileira dos Fabricantes de Motocicletas).
Em 2016, elas estiveram envolvidas em 32% dos acidentes fatais, o tipo de veículo que registrou mais mortes no trânsito brasileiro, de acordo com o Observatório Nacional de Segurança Viária.
"Quando não levam embora a vida de jovens trabalhadores, elas causam a aposentadoria deles. E, mesmo assim, vamos continuar dando isenção fiscal para motos?", questionou Junqueira.
Também apontadas como importante entrave na organização da gestão da saúde brasileira, as emendas parlamentares são uma espécie de atalho no orçamento, e dão a deputados e senadores acesso a verbas públicas que são distribuídas em bases eleitorais.
Segundo o presidente do Conselho Nacional de Secretários da Saúde, Leonardo Vilela, as emendas desorganizam e contribuem para a ineficiência do sistema. "Você tem um equipamento ou uma unidade de saúde implantada sem planejamento, obedecendo a critérios políticos do parlamentar e de sua base de apoio."
Junqueira citou como exemplo a compra de um mamógrafo em um município com menos de 20 mil habitantes, feita por meio de emenda.
"Foi colocado em um lugar onde ele não era necessário. Diminuíram o orçamento que deveria ser investido em saúde para que pudessem fazer uma graça dentro do seu curral no parlamento", afirmou.
Neste ano, os parlamentares terão uma verba total de R$ 8,8 bilhões em emendas individuais, aquelas que pela Constituição o governo é obrigado a executar.
Os especialistas também destacaram no debate outras medidas de mudanças na gestão que precisam ser tomadas para alavancar a eficiência do sistema de saúde.
Um dos caminhos deve ser a implantação do prontuário eletrônico, registro unificado com dados dos pacientes do sistema de saúde em todo o Brasil, que facilitaria o uso dessas informações em um sistema inteligente, segundo a professora Mônica Viegas.
Reduzir a quantidade de pequenos hospitais e combater fraudes no sistema também aumentariam a eficiência, de acordo com Renato Tasca, coordenador de serviços de saúde da Organização Pan-Americana da Saúde no Brasil.
"Mas, para melhorar a gestão, temos também de investir. É um esforço contínuo. Não podemos cair na armadilha de pensar que, aumentando a eficiência, podemos cortar recursos", afirmou.
O economista sênior do Banco Mundial Edson Araújo destacou que é importante para a melhora do sistema mudar a percepção de baixa qualidade do SUS.
"Se o Brasil quer ter seu sistema público de saúde bem consolidado, tem de ganhar a classe média. Se não houver percepção da qualidade, será difícil sustentar o SUS."
Para Viegas, a incerteza gera perda de bem-estar para a população. "Se tivermos um sistema que informe à sociedade o tempo que cada um vai esperar para ser atendido, tenho a certeza de que as pessoas vão mudar de posição."
Segundo Tasca, aprimorar a atenção básica é estratégia fundamental para melhorar o SUS. Também conhecido como atenção primária, o serviço é responsável pela prevenção de doenças, solução de casos simples e direcionamento para atendimentos de média e alta complexidades.
Uma das saídas para esse aprimoramento é aumentar o escopo da prática de profissionais da saúde. Segundo Araújo, no Canadá e no Reino Unido, países onde o modelo do SUS foi inspirado, o primeiro ponto de contato na atenção básica são os enfermeiros, e não os médicos.
"Essa medida poderia ajudar a tirar do sufoco os municípios que querem expandir a atenção primária", afirmou.