Paciente e examinada por médica oftalmologista em um consultório da Rede Hora Certa na Vila Prudente, na região leste de São Paulo

Paciente e examinada por médica oftalmologista em um consultório da Rede Hora Certa na Vila Prudente, na região leste de São Paulo Lalo de Almeida/Folhapress

E agora, Brasil? - Saúde

Um retrato da saúde no Brasil

Capítulo 9
Bons exemplos

Expansão do Hospital de Amor melhora atendimento na região Norte

Com leilões e doações de famosos, antigo Hospital de Câncer de Barretos amplia unidade em Porto Velho e facilita o acesso ao tratamento

Principal entrada do Hospital de Amor na cidade de Porto Velho. Foto: Beethoven Delano/Folhapress

Principal entrada do Hospital de Amor na cidade de Porto Velho. Foto: Beethoven Delano/Folhapress

Afonso Baleeiro e Ana Luísa Moraes
Porto Velho

A técnica em enfermagem Elenisa Tupari, 37, já acompanhou o tratamento de outros indígenas que se deslocavam da região norte para o interior de São Paulo. Eles viajavam mais de 3.000 km para serem atendidos no antigo Hospital de Câncer de Barretos, agora renomeado Hospital de Amor.

Hoje, ela própria é paciente. Mas está tratando um câncer de estômago bem mais perto de casa, no Hospital de Amor da Amazônia, em Porto Velho, Rondônia. "Quando a doença foi descoberta, já fui encaminhada para cá, não tive que esperar um, dois anos", diz.

Elenisa também não precisou ficar meses fora de casa nem parar de trabalhar. Fez o começo do tratamento em Porto Velho, a 329 km de Guajará-Mirim, onde mora e, agora, aguarda pela cirurgia. "Além de ser longe, era muito difícil conseguir uma vaga para tratamento em Barretos."

A grande quantidade de pacientes de Rondônia que iam para Barretos foi uma das questões que motivaram a construção do novo polo. A baixa disponibilidade de serviços de referência no Norte também influenciou. "O boca a boca era forte, a pessoa chegava e falava sobre o hospital de São Paulo, que tinha sido muito bem atendida e de graça", diz Jean Negreiros, diretor da nova unidade.

O serviço do hospital de Barretos já funcionava em Porto Velho desde 2012, mas em outro local: uma pequena ala do Hospital de Base Dr. Ary Pinheiro, cedida à Fundação Pio 12, instituição filantrópica que administra a rede.

O espaço, porém, não foi suficiente. "Em menos de dois anos, aquilo virou uma lata de sardinha, e muita gente ainda tinha que ir para São Paulo para fazer o tratamento", diz Negreiros.

A construção da nova unidade começou em 2014, terminou em novembro do ano passado e foi feita inteiramente com doações da iniciativa privada -fazendeiros, empresários e até cantores ajudaram.

Esse tipo de sistema para captação de recursos já era utilizado pelo hospital de Barretos para fechar a conta. "O déficit é de R$ 21 milhões por mês, mesmo o SUS (Sistema Único de Saúde) pagando R$ 14 milhões", afirma.

Sala de quimioterapia do Hospital de Amor
Sala de quimioterapia do Hospital de Amor - Beethoven Delano/Folhapress

Atualmente, a manutenção mensal do Hospital de Amor da Amazônia custa R$ 3 milhões, mas a previsão é que o número pule para R$ 5 milhões em setembro, quando o centro cirúrgico, a ala de internação e a radioterapia estiverem em funcionamento.

O governo do estado entra com R$ 1,9 milhão todos os meses. "Tudo aqui é feito pelo SUS, e os nossos medicamentos e aparelhos são os mesmos que eles usam nos hospitais de excelência de São Paulo", diz Negreiros.

Tanto o hospital de São Paulo quanto o de Rondônia seguem um modelo de financiamento e gestão inspirado em centros americanos. Os médicos recebem os pacientes em salas sem computadores, para valorizar a conversa.

Depois da consulta, os profissionais discutem os casos e trocam experiências em uma estação de trabalho conjunta.

Assim como acontece no interior paulista, quem chega a Porto Velho conta com uma residência de apoio. Em um imóvel cedido por um empresário, somam-se nove casas que ao todo têm capacidade para abrigar gratuitamente 50 pacientes e seus acompanhantes.

Enquanto os pacientes se recuperam de cirurgias ou sessões de químio e radioterapia, os familiares ficam responsáveis por preparar as refeições e manter o local limpo. Fica-se o tempo que durar o tratamento. "Se faltar vaga aqui, eu acolho na minha casa", diz Deuzimar Miranda, 58, que administra o lugar há dez meses.

Para Djanira das Graças, 60, que veio do Amapá para acompanhar o filho, a existência do local foi fundamental. "Vim no desespero de mãe, sem ter onde ficar. Não sabia que existia esse lugar", conta ela, que chegou à casa por meio de uma assistente social.

Desde que o Hospital de Amor da Amazônia iniciou suas atividades na cidade, criou-se um fluxo de pacientes de toda a região norte. Devido à carência de recursos locais, muitos chegam sem encaminhamento prévio, exame ou orientação.

Adriana Miranda, auxiliar de farmácia, na ala de quimioterapia do Hospital de Amor
Adriana Miranda, auxiliar de farmácia, na ala de quimioterapia do Hospital de Amor - Beethoven Delano/Folhapress

Há também quem venha do Nordeste, do Centro-Oeste e até da Bolívia e de outros países, atraídos pela qualidade do atendimento.

Para o secretário estadual de Saúde de Rondônia, Luis Eduardo Maiorquim, essa mudança de fluxo é benéfica. "A projeção é que o hospital diminua a necessidade de tratamento fora do estado em mais de 90%", diz.
Com o aumento da oferta, segundo ele, será possível fazer acordos com os demais estados da região para organizar as vagas excedentes.

Nos próximos meses, o Hospital de Amor da Amazônia deve inaugurar um instituto de ensino e pesquisa, em parceria com uma universidade particular, e construir uma ala exclusiva para tratamento de indígenas, com adaptações como redes em lugar das camas tradicionais e profissionais que se comuniquem em diferentes línguas.

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*Esta reportagem foi produzida pela equipe do Programa de Treinamento em Jornalismo de Saúde, patrocinado pela Roche.