A técnica em enfermagem Elenisa Tupari, 37, já acompanhou o tratamento de outros indígenas que se deslocavam da região norte para o interior de São Paulo. Eles viajavam mais de 3.000 km para serem atendidos no antigo Hospital de Câncer de Barretos, agora renomeado Hospital de Amor.
Hoje, ela própria é paciente. Mas está tratando um câncer de estômago bem mais perto de casa, no Hospital de Amor da Amazônia, em Porto Velho, Rondônia. "Quando a doença foi descoberta, já fui encaminhada para cá, não tive que esperar um, dois anos", diz.
Elenisa também não precisou ficar meses fora de casa nem parar de trabalhar. Fez o começo do tratamento em Porto Velho, a 329 km de Guajará-Mirim, onde mora e, agora, aguarda pela cirurgia. "Além de ser longe, era muito difícil conseguir uma vaga para tratamento em Barretos."
A grande quantidade de pacientes de Rondônia que iam para Barretos foi uma das questões que motivaram a construção do novo polo. A baixa disponibilidade de serviços de referência no Norte também influenciou. "O boca a boca era forte, a pessoa chegava e falava sobre o hospital de São Paulo, que tinha sido muito bem atendida e de graça", diz Jean Negreiros, diretor da nova unidade.
O serviço do hospital de Barretos já funcionava em Porto Velho desde 2012, mas em outro local: uma pequena ala do Hospital de Base Dr. Ary Pinheiro, cedida à Fundação Pio 12, instituição filantrópica que administra a rede.
O espaço, porém, não foi suficiente. "Em menos de dois anos, aquilo virou uma lata de sardinha, e muita gente ainda tinha que ir para São Paulo para fazer o tratamento", diz Negreiros.
A construção da nova unidade começou em 2014, terminou em novembro do ano passado e foi feita inteiramente com doações da iniciativa privada -fazendeiros, empresários e até cantores ajudaram.
Esse tipo de sistema para captação de recursos já era utilizado pelo hospital de Barretos para fechar a conta. "O déficit é de R$ 21 milhões por mês, mesmo o SUS (Sistema Único de Saúde) pagando R$ 14 milhões", afirma.
Atualmente, a manutenção mensal do Hospital de Amor da Amazônia custa R$ 3 milhões, mas a previsão é que o número pule para R$ 5 milhões em setembro, quando o centro cirúrgico, a ala de internação e a radioterapia estiverem em funcionamento.
O governo do estado entra com R$ 1,9 milhão todos os meses. "Tudo aqui é feito pelo SUS, e os nossos medicamentos e aparelhos são os mesmos que eles usam nos hospitais de excelência de São Paulo", diz Negreiros.
Tanto o hospital de São Paulo quanto o de Rondônia seguem um modelo de financiamento e gestão inspirado em centros americanos. Os médicos recebem os pacientes em salas sem computadores, para valorizar a conversa.
Depois da consulta, os profissionais discutem os casos e trocam experiências em uma estação de trabalho conjunta.
Assim como acontece no interior paulista, quem chega a Porto Velho conta com uma residência de apoio. Em um imóvel cedido por um empresário, somam-se nove casas que ao todo têm capacidade para abrigar gratuitamente 50 pacientes e seus acompanhantes.
Enquanto os pacientes se recuperam de cirurgias ou sessões de químio e radioterapia, os familiares ficam responsáveis por preparar as refeições e manter o local limpo. Fica-se o tempo que durar o tratamento. "Se faltar vaga aqui, eu acolho na minha casa", diz Deuzimar Miranda, 58, que administra o lugar há dez meses.
Para Djanira das Graças, 60, que veio do Amapá para acompanhar o filho, a existência do local foi fundamental. "Vim no desespero de mãe, sem ter onde ficar. Não sabia que existia esse lugar", conta ela, que chegou à casa por meio de uma assistente social.
Desde que o Hospital de Amor da Amazônia iniciou suas atividades na cidade, criou-se um fluxo de pacientes de toda a região norte. Devido à carência de recursos locais, muitos chegam sem encaminhamento prévio, exame ou orientação.
Há também quem venha do Nordeste, do Centro-Oeste e até da Bolívia e de outros países, atraídos pela qualidade do atendimento.
Para o secretário estadual de Saúde de Rondônia, Luis Eduardo Maiorquim, essa mudança de fluxo é benéfica. "A projeção é que o hospital diminua a necessidade de tratamento fora do estado em mais de 90%", diz.
Com o aumento da oferta, segundo ele, será possível fazer acordos com os demais estados da região para organizar as vagas excedentes.
Nos próximos meses, o Hospital de Amor da Amazônia deve inaugurar um instituto de ensino e pesquisa, em parceria com uma universidade particular, e construir uma ala exclusiva para tratamento de indígenas, com adaptações como redes em lugar das camas tradicionais e profissionais que se comuniquem em diferentes línguas.
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*Esta reportagem foi produzida pela equipe do Programa de Treinamento em Jornalismo de Saúde, patrocinado pela Roche.