Aumentar cobertura da atenção primária
IMPACTO Alto
PRAZO Médio a longo
O QUÊ? É praticamente consensual entre especialistas a importância de aumentar a cobertura e a qualidade dos serviços na atenção primária, área que responde pelo atendimento nas unidades de saúde. Considerado porta de entrada para o SUS, esse modelo favorece atendimento perto do local de moradia e cuidado continuado. Pesquisas apontam que 80% dos problemas de saúde podem ser resolvidos na atenção básica. Mas o nível de eficiência hoje da rede é de apenas 63%, segundo dados do Banco Mundial. Principais problemas são falta de organização, recursos humanos e baixo acesso a tecnologias.
COMO? Aumentar a cobertura do programa Estratégia Saúde da Família, que hoje atinge 65% da população, o número de equipes (hoje sobrecarregadas) e o acesso a exames complementares. Mais resolutiva, a atenção primária pode desafogar filas de espera por exames e a rede hospitalar, em especial emergências. Avaliação é que já há diretrizes bem elaboradas para a atenção básica e que a orientam como porta de entrada do sistema, mas nem sempre cumpridas
Ampliar participação de enfermeiros e outros profissionais
IMPACTO Alto
PRAZO Curto a médio
O QUÊ? Municípios podem aumentar muito o acesso e a eficiência da atenção primária usando mais a mão de obra de enfermeiros e outros profissionais de saúde em serviços como pré-natal, puericultura, cuidado de crônicos e doentes de sífilis, HIV e tuberculose. O uso de multiprofissionais reduz o custo do sistema e aumenta o acesso. No Reino Unido, ter o primeiro contato com o paciente por meio de enfermeiros gerou uma redução de até 2% nos gastos com atenção primária.
COMO? A Opas (Organização Pan-americana de Saúde) e o Cofen (Conselho Federal de Enfermagem) são parceiros em um projeto que prevê a capacitação de profissionais para a chamada "enfermagem de prática avançada", voltado para o aumento da cobertura e ampliação do acesso na atenção primária à saúde.
Implementar a figura de um "coordenador de cuidado", profissional que orienta caminho do usuário na rede
IMPACTO Alto
PRAZO Médio e longo, a depender do nível de implementação e alcance inicial
O QUÊ? Brasil tem rede fragmentada de saúde, em que o paciente (quando consegue acessar os serviços) passa por diferentes especialistas, com repetição de exames e sem tratamento integrado do quadro. Paciente também fica em dúvida de qual especialista buscar. Medida já foi implementada em alguns países, como Alemanha e França. No Reino Unido, o uso de médicos da família e de enfermeiros como "porta de entrada" do sistema está associado a uma diminuição da taxa de mortalidade de alguns grupos de risco em até 70%.
COMO? A figura de coordenador poderia ser associada a um atendimento na rede de atenção básica, auxiliando no direcionamento a especialistas e exames. Também avalia riscos da prescrição conjunta de medicações. Para isso, seria necessário aumentar a integração da rede e utilizar ferramentas padronizadas para identificar indivíduos com risco de desenvolver determinadas doenças como diabetes.
Reorganizar rede hospitalar e estimular regionalização de serviços
IMPACTO Alto
PRAZO Longo
O QUÊ? Há excesso de hospitais pequenos, com alto custo de manutenção e taxa de ocupação de leitos que varia de 45% para todos os hospitais do SUS e 37% para leitos de cuidados agudos (parâmetro abaixo da média dos países da OCDE, de 71%). Modelo também estimula concorrência com outras unidades de saúde em vez da integração dos serviços. Atualmente, cerca de 80% dos hospitais têm menos de cem leitos -o tamanho recomendado em termos de escala seria de 150 a 250 leitos. Rede poderia ser organizada de forma conjunta.
COMO? Permitir a criação de unidades de saúde mistas e estimular que as chamadas regiões de saúde possam atuar de forma mais ativa também na gestão da rede, sobretudo na organização de serviços hospitalares e vigilância de doenças. Para isso, alguns especialistas sugerem a criação de um fundo regional, que receberia recursos principalmente da União, mas também de estados e municípios.
Melhorar sistema de regulação de filas no SUS
IMPACTO Alto
PRAZO Médio
O QUÊ? Longas filas de espera e falta de atualização de dados são problemas recorrentes. Pesquisa recente do Datafolha apontou que 45% entre 2.087 entrevistados que usam o SUS esperavam há mais de seis meses por atendimento. O acesso a especialistas é apontado como o principal gargalo.
COMO? Uma das opções é usar a telemedicina como ferramenta para tornar a atenção primária mais resolutiva, evitando encaminhamentos desneces-sários a especialistas. A partir da análise de protocolos clínicos, o serviço também é capaz de priorizar casos mais urgentes de uma fila de espera. No Rio Grande do Sul, a regulação conseguiu reduzir o tempo de espera em 60%. Outra opção é centralizar a gestão das filas nas regiões de saúde e criar critérios diferentes de acesso, não só por ordem de chegada, mas também por risco, a exemplo do adotado em outros países, como Inglaterra.
Aumentar integração entre sistemas de dados em saúde e transparência de dados ao usuário
IMPACTO Alto
PRAZO Médio a longo
O QUÊ? O Brasil tem hoje vários sistemas de dados em saúde fragmentados. Por falta da integração, existe repetição desnecessária de exames pedidos por diferentes profissionais. Além disso, profissionais de saúde e o cidadão não têm controle sobre quais exames e consultas já foram realizados ou quais remédios foram prescritos. Em 2016, foi aprovado o Conjunto Mínimo de Dados (CMD), que possibilitará que os profissionais de saúde tenham acesso ao mesmo prontuário único, simultaneamente e em diferentes instituições. O documento coletará dados em cada contato do paciente no SUS. Avanço na informatização também pode permitir maior poder de controle ao usuário.
COMO? A experiência internacional mostra que uma das maiores dificuldades é alcançar a integração completa das informações, motivo pelo qual muitos países optaram por integrar os dados por região de saúde (por exemplo, nível estadual) ou por nível de atenção em saúde (por exemplo, integração de dados da atenção básica/primária com dados de fornecimento de remédios nas farmácias populares).
Melhorar a coordenação do sistema de saúde pública com o privado
IMPACTO Médio
PRAZO Longo
O QUÊ? Avaliação de especialistas é que o SUS precisa melhorar a coordenação de serviços com o setor privado para reduzir a carga do setor público, a exemplo do que ocorre em outros sistemas universais de saúde, inclusive naqueles cujos financiamentos são majoritariamente públicos, como o Canadá. Como o setor privado tem menos restrições, em geral, as experiências internacionais mostram que ele se torna de 20% a 30% mais eficiente que o serviço gerenciado pelo setor público. Alguns estados brasileiros já aderiram ao modelo de Organizações Sociais em Saúde e Parcerias Público-Privadas, mas iniciativa é vista com ressalvas -especialistas apontam maior necessidade de controle. Isenções fiscais para o setor privado da saúde são estimadas em R$ 32 bilhões ou 32,3% dos gastos federais em saúde em 2015. Sanitaristas apontam a necessidade de cortar subsídios ao setor privado e aumentar a oferta de serviços públicos. Já o setor privado defende o oposto.
COMO? Aproveitar oportunidades de sinergia, seja entre público e privado, seja entre público e público por meio de uma melhor organização de regiões de saúde. Estimular ferramentas como contratos de gestão que estipulem metas de qualidade.
Redefinir nível ideal de descentralização e regionalização da saúde
IMPACTO Alto
PRAZO Longo
O QUÊ? No sistema brasileiro, optou-se por descentralizar a execução dos serviços de saúde, transferindo muitas responsabilidades para os municípios. Há benefícios, porém, existe descompasso entre as responsabilidades atribuídas à maioria dos municípios brasileiros e sua capacidade de execução. Quase 80% deles têm até 20 mil habitantes e 81% são dependentes financeiramente de recursos estaduais e federal.
COMO? País precisa discutir o nível ideal de descentralização e avançar na criação de regiões de saúde, com pactuação entre gestores e organização do financiamento. No Reino Unido, reformas recentes no sistema de saúde envolveram um novo arranjo das estâncias administrativas. Lá, a descentralização ocorre por região de saúde independentemente das autoridades municipais. Nos demais países de referência, como Canadá e Austrália, a descentralização ocorre no nível estadual ou provincial, conforme o caso.
Criar novos modelos com foco no idoso e no doente crônico
IMPACTO Alto
PRAZO Médio a longo
O QUÊ? Até 2030, a população brasileira idosa (acima de 60 anos) deverá triplicar. Além disso, só cerca de 10% dos idosos de renda média terão condições de contar com uma cobertura de plano de saúde privado. Um efeito do envelhecimento populacional é o aumento da prevalência de doenças crônicas. Segundo o IBGE, 40% dos brasileiros adultos já vivem com essa condição.
COMO? Viabilizar modelos inovadores de atenção que tenham foco em idosos e doenças crônicas, com coordenação do cuidado. Paciente conta com um profissional, em geral um enfermeiro, como o coordenador de seu tratamento. Também poderia haver uso de soluções digitais: prontuários eletrônicos integrados pela rede, monitoramento remoto e outras tecnologias, como telemedicina. Outra ferramenta a ser analisada é a criação de incentivos financeiros para evitar internações e intervenções desnecessárias. Governo também deve investir em projetos de estímulo à alimentação saudável e à prática de atividades físicas.
Acelerar implementação de diretrizes clínicas integradas e baseadas em evidências
IMPACTO Alto
PRAZOMédio a longo
O QUÊ? O Brasil deve fortalecer o uso da medicina baseada em evidências para definir protocolos clínicos que fundamentem as decisões de cobertura do sistema e estabeleçam referência nacional para provedores de saúde, sejam eles públicos ou privados.
COMO? Tornar os processos atuais da Conitec, comissão que analisa a incorporação de tratamentos e medicamentos no SUS, mais participativos, robustos e transparentes, a exemplo do que faz a Nice (National Institute for Health and Care Excellence), no Reino Unido, que pede a colaboração das partes interessadas, acadêmicos e representantes dos cidadãos. Há uma série de recomendações sobre o que "não fazer". Exemplo: "Não há evidências que respaldem o uso de monitoramento cardíaco eletrônico para avaliação fetal em gestações normais, portanto, este procedimento não deve ser oferecido". O Brasil tem acelerado a incorporação de medicamentos, mas processo ainda é lento.
Implementar avaliações de desempenho e qualidade dos serviços
IMPACTO Alto
PRAZO Longo
O QUÊ? A medição e divulgação de indicadores de custo e qualidade são muito limitadas, embora se saiba que essas iniciativas têm efeito positivo. No Brasil, é necessário incorporar indicadores que atendam às necessidades do cidadão e ao planejamento adequado do sistema. Criado em 2011, o Índice de Desempenho do SUS (Idsus), que se propunha a avaliar a cada três anos por meio de notas a qualidade do acesso à população ao sistema, deixou de ser realizado em 2015. Ministério da Saúde diz que ainda monitora outros indicadores, por meio de iniciativas como o PMAQ (Programa Nacional de Melhoria de Acesso e Qualidade da Atenção Básica), que geram recursos ao sistema. Especialistas, porém, dizem que falta metodologia que permita maior coleta, acesso e divulgação de indicadores de desempenho pela população geral. Relatório do Banco Mundial aponta que só 27% dos hospitais informam ter algum tipo de avaliação formal de desempenho
COMO? É necessário aumentar o detalhamento dos dados em saúde e investir na transparência das informações sobre indicadores de saúde. Sistemas que implementaram maior transparência de indicadores reduziram em até 30% os índices de mortalidade e em 25% os dias de internação.
Mudar remuneração de prestadores de serviços com base em qualidade e produtividade
IMPACTO Alto
PRAZO Médio a longo
O QUÊ? Avaliação é que modelo atual de remuneração ainda é muito centrado em volume de serviços e atendimento a doenças, em detrimento do estímulo à ações de prevenção e resultados. O mecanismo hoje usado para pagamento de hospitais privados (planos de saúde ou SUS) não considera a qualidade e o desfecho do tratamento. O valor defasado das consultas acaba incentivando fraudes e a baixa utilização de protocolos clínicos e suporte em medicina baseada em evidência. No sistema suplementar, hospitais de ponta estão migrando para modelos com maior foco no desfecho.
COMO? O Brasil precisa investir primeiro na medição de indicadores de custo, qualidade e desfecho para que seja possível estabelecer novos mecanismos de pagamento conforme o que for mais eficaz para cada nível de cuidado e região de saúde. Nos EUA, tanto hospitais como médicos recebem bônus quando concluem procedimento com custo inferior ao projetado com a mesma excelência clínica.
Definir a extensão da cobertura universal do SUS
IMPACTO Alto
PRAZO Longo
O QUÊ? Não há clareza no Brasil sobre a extensão da cobertura (medicamentos e procedimentos ofertados). Isso, aliado a uma demora para a incorporação de novas tecnologias, abre espaço para a judicialização da saúde, que já custa R$ 7 bilhões por ano ao país. Sanitaristas defendem que sistema continue a ser universal, mas com lista de procedimentos terapêuticos efetivos, evitando que a cobertura ocorra para um tratamento em detrimento de outro com menor custo e eficácia semelhante.
COMO? País poderia se inspirar em experiências de outros sistemas de saúde. Na Inglaterra, a agência Nice emite diretrizes que determinam as tecnologias, medicamentos e tratamentos que podem ser cobertos ou financiados pelo sistema nacional de saúde (NHS). A população é envolvida nesse debate e entende as escolhas que precisam ser feitas para que exista equidade no sistema, evitando assim a judicialização. No Canadá, cada província define cobertura conforme perfil da população.
Criar planos "populares", com menor cobertura de serviços
IMPACTO Negativo
PRAZO Curto
O QUÊ? Possibilidade foi apresentada à ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) em 2017 e tem sido defendida com frequência por operadoras do setor. Justificativa é evitar sobrecarga no SUS diante da queda de usuários de planos. Especialistas, no entanto, avaliam que redução do rol de serviços hoje tidos como obrigatórios podem levar a aumento na judicialização do setor, deixar o paciente "perdido" dentro da rede e sobrecarregar o SUS, que ficaria com os gastos de serviços mais complexos
COMO? Proposta foi enviada em relatório à ANS, agência que regula o setor. Também há projetos de lei que visam alterar regras
Exigir experiência e formação técnica para cargos de gestores
IMPACTO Alto
PRAZO Médio
O QUÊ? O Brasil, comparado com outros sistemas de referência, oferece poucos incentivos para a formação de gestores em saúde. O mercado brasileiro incentiva a formação de especialistas em detrimento de generalistas e gestores. No Reino Unido, 78% da liderança de hospitais públicos é formada por não-médicos. Nos EUA, o número é ainda maior (95%). No Brasil, a maioria dos gestores de unidades de saúde, ambulatórios e hospitais são escolhidos por indicação política.
COMO? Criação de projeto de lei que reduza cargos de confiança na saúde. Exceção seria apenas cargos de ministro, secretários de estado e de municípios. Estipular critérios técnicos e de experiência no SUS para preenchimento de cargos de gestão na saúde, como em hospitais, por exemplo.
Criar mecanismos de estímulo à fixação de médicos e fiscalizar qualidade da formação
IMPACTO Alto
PRAZO Médio a longo
O QUÊ? O Brasil já soma mais de 450 mil médicos, o maior número de sua história. Em 2020, a taxa de médicos por cada grupo de mil habitantes deve chegar a 2,5, similar a de países desenvolvidos como EUA. Apesar do crescimento, estimulado pelo aumento no número de vagas em cursos de medicina, o país ainda tem dificuldade em fixar médicos em cidades menores e mais distantes das capitais. Também crescem as críticas sobre a qualidade da formação dos profissionais.
COMO? Embora não haja consenso sobre melhor alternativa a ser adotada para melhorar a fixação dos médicos, especialistas enfatizam a importância do debate. Entre as sugestões, estão mudanças na estruturação do sistema e oferta de planos de carreira em locais onde há maior dificuldade de provimento de profissionais. Entidades da área também defendem uma carreira de Estado para médicos -a proposta, porém, enfrenta resistência de membros do governo federal, para quem cabe aos municípios fazer o financiamento dos profissionais. Outra opção é aumentar a remuneração de médicos da atenção básica em comparação ao atendimento na rede secundária, medida já adotada em outros países. Entidades defendem ainda que haja critérios mais rígidos para avaliação de escolas de medicina.
Fontes: Gastão Wagner (Abrasco); Martha Oliveira (Anahp); Mauro Junqueira (Conasems); Deborah Malta (UFMG); Roberto Umpierre (UFGRS); Gonzalo Vecina Neto (USP); Ana Maria Malik (FGV); Edson Araújo (Banco Mundial); Paulo Furquim (Insper); Elizamara Siqueira (Coren/SC); Claudio Lottenberg (Coalizão Saúde); Mário Scheffer (USP); Humberto Fonseca (DF); Revista Brasileira de Ciência e Saúde Coletiva - Contexto, Desempenho e Desafios do SUS; pesquisa Datafolha e CFM