33ª Bienal de São Paulo

Mostra comandada por time de artistas vai de 7 de setembro a 9 de dezembro

Capítulo 4
Sofia Borges: 'A Infinita História das Coisas ou o Fim da Tragédia do Um'

Artista brasileira constrói espaço em que autorias se embaralham

A partir de pesquisa sobre mitologia, Sofia Borges faz do primeiro andar da Bienal ambiente fantástico e trágico

Fotografia 'O Giz Branco', de 2018, de Sofia Borges (Tuca Vieira/Folhapress)

Fotografia 'O Giz Branco', de 2018, de Sofia Borges (Tuca Vieira/Folhapress)

Felipe Molitor
São Paulo

Dos artistas escalados como curadores para montar a 33ª Bienal de São Paulo, Sofia Borges foi quem transformou a prática da curadoria num gesto artístico de forma mais radical.

Sua mostra, "A Infinita História das Coisas ou O Fim da Tragédia do Um", é um emaranhado misterioso de pinturas, esculturas e instalações que opera como obra única e viva.

A ideia surgiu de uma pesquisa sobre mitologias narradas por diversos povos ao longo de épocas distintas. Borges estabeleceu como mote discursivo a tragédia, tendo como personagens o consciente e o inconsciente do visitante.

"Aqui a tragédia não está colocada em seu aspecto teatral, mas como impossibilidade da linguagem de unir existência e significado. É uma investigação sobre o estado de representação das coisas", ela diz.

A exposição é formada por um labirinto de obras no primeiro piso do pavilhão, com dois trajetos laterais possíveis que se espelham diretamente.

Nos caminhos, de paredes cortinadas com veludo azul e dourado, estão instalações da icônica série "From 'La Voie Humide'", de Tunga, vizinhas às esculturas da britânica Sarah Lucas, às cobrinhas da artista holandesa Jennifer Tee, pinturas de Ana Prata e Bruno Dunley, além de obras do Museu do Inconsciente –a instituição fundada pela psicóloga Nise da Silveira abriga obras de pacientes que sofriam de transtornos mentais.

A brasileira Sofia Borges
A brasileira Sofia Borges - Pedro Ivo Trasferetti/Divulgação

Há um quê de exagero e afetação nesses ambientes carregados de cor. A fatia central do labirinto, aberta ao vão do pavilhão, destina-se a atividades que ocorrerão ao longo do evento, como uma performance diária com um coral.

As peças "ecoam e transmutam" aquilo que Borges definiu como uma obra em fluxo, ou seja, trabalhos de autoria compartilhada que surgem de encontros semanais entre os artistas na própria Bienal.

O procedimento reitera uma prática colaborativa presente em sua pesquisa artística. Assim, uma pintura (ou parte dela) de Antonio Malta Campos mostrada num lado do labirinto, por exemplo, ressurge no outro lado espelhado em uma fotografia da artista-curadora, sendo a conexão entre uma obra e outra possível apenas na memória do visitante.

A exposição destaca perspectivas nem sempre tão óbvias na trajetória dos artistas escolhidos. No caso de Leda Catunda, que despontou nos anos 1980, a curadoria aponta para a opulência e o teor lascivo dos volumes de suas obras abstratas tanto inéditas quanto históricas, em oposição aos seus trabalhos mais figurativos.

Na tragédia construída por Sofia Borges, cheia de caminhos obscuros, a arte é uma tocha que vai de mão em mão –não para apontar uma saída, mas como estranha tentativa de iluminar a eternidade.