Camisa usada por Pelé na Copa do Mundo de 1970

Camisa usada por Pelé na Copa do Mundo de 1970 Adriano Vizoni/Folhapress

Evolução do Futebol

Capítulo 4
Táticas

Análise de adversários passou do papel e caneta para o big data

Seleções aproveitaram o desenvolvimento tecnológico para anular pontos fortes de rivais e ter sucesso na Copa

Alemanha ergue a taça da Copa do Mundo de 2014

Alemanha ergue a taça da Copa do Mundo de 2014

Alberto Nogueira e Eduardo Geraque
São Paulo

Na véspera da final da Copa de 1970, entre Brasil e Itália, houve uma reunião no hotel em que a seleção brasileira estava concentrada. O relato é um registro dos primórdios da análise de desempenho em Copas.

"Como observador, havia estudado para o Zagallo a Itália. Montei slides com imagens de como eles jogavam e apresentamos aos jogadores", relata Carlos Alberto Parreira.

De acordo com Tostão, colunista da Folha e atacante do time de 1970, na obra "Tempos Vividos, Sonhados e Perdidos", entender a defesa adversária ajudou o Brasil a ficar com o tricampeonato.

"Combinamos que, quando Jairzinho entrasse pelo meio e fosse acompanhado por seu marcador, Fachetti, [o lateral] Carlos Alberto avançaria e ocuparia o espaço. Foi o que ocorreu no quarto gol do Brasil", lembra o ex-jogador .

Quatro anos depois, em 1974, os estudos dos rivais do Brasil foram negligenciados, como conta Rivellino.

"Quando jogamos contra a Holanda, pô, eu não sabia quem era o Cruyff. Quando vi eles jogando contra nós, pensei: Que jogador é esse? Que time é esse? Não havia essa globalização que existe hoje. O Zagallo armou o time para o jogo contra eles, mas nós não tínhamos visto eles jogarem."

Sabendo disso, antes da Copa de 1978, Cláudio Coutinho (1939-1981) resolveu inovar. Convidou Jairo Santos, formando em educação física, mas que fazia um curso militar na Inglaterra, para estudar os adversários do Brasil.

"Lá, assistia aos jogos do futebol inglês. Comecei a usar os manuais que eles tinham de como ler o jogo. Fiz estágios no Manchester United, no Ajax", diz Santos, que trabalhou até a Copa de 2006 como olheiro da seleção brasileira.

Apenas com papel e caneta, ele completava os relatórios de análise dos adversários no Mundial da Argentina a partir do modelo inglês, que ele foi adaptando. Segundo Santos,pouco mudou nos anos 1980.

"Analisávamos ataque e defesa. Os gols de bolas paradas, os chutes a gol. As recuperações de bola", diz Santos.

Aos 72 anos, apesar de continuar apaixonado pelas estatísticas do futebol, ele exalta o imponderável no futebol.

"Às vezes, pelos números, você toma uma decisão errada, mas ela acaba dando certo. O Josimar, na Copa de 1986, acertou um chute muito improvável", lembra, citando gol de fora da área marcado pelo lateral na vitória por 3 a 0 sobre a Irlanda do Norte.

Em 1994, antes da disputa por pênaltis na final contra a Itália, Santos passou para o goleiro Taffarel como os italianos costumavam fazer suas cobranças. Com uma exceção.

"Craques como o [Roberto] Baggio não têm um padrão. Eles decidem quase sempre na hora como vão bater, dependendo muito da posição do goleiro", diz. Por isso, a dica dada era simples. "Que ele tentasse despistar ao máximo."

O camisa 10 da Itália cobrou muito alto, longe do gol. Erro que deu o tetracampeonato à seleção brasileira.

Como Santos cuidava apenas dos adversários, naquela Copa, Parreira tinha um outro profissional ao seu lado que media os dados do Brasil.

"O Moraci [Sant"Anna] me ajudou muito. Nós tínhamos o número de passes dos jogadores, as finalizações. Tudo no computador dele", diz o técnico tetracampeão mundial.

Segundo Parreira, aquela seleção finalizava 16 vezes por jogo, em média, e dava entre 400 e 500 passes em cada partida, número comparável aos de clubes atuais que prezam muito a posse de bola.

Em relação ao futebol das últimas Copas, que Santos analisou, ele tem algumas certezas. Uma delas é que o contra-ataque rápido é fundamental. "Em 2014, 83% dos gols em contra-ataques ocorreram em até sete passes".

Outro ponto essencial, para ele, é a bola parada. "No Mundial do Brasil, 45% dos gols saíram assim", diz Santos.

Jogadores da Alemanha comemoram a conquista da Copa do Mundo de 2014 contra a Argentina, no Maracanã
Jogadores da Alemanha comemoram a conquista da Copa do Mundo de 2014 contra a Argentina, no Maracanã - Adrian Dennis - 13.jul.14/France-Presse

Atualmente, não se discute mais se a análise de desempenho é ou não importante. A grande pergunta, ainda mais na Europa, é qual a melhor forma de se usar os dados que os programas de análise de desempenho oferecem.

Segundo o professor Israel Teoldo, pesquisador da Universidade de Viçosa (MG), a Alemanha mostrou em 2014 estar na vanguarda da análise de desempenho. A seleção usou princípios de "big data" -análise de um grande conjunto de dados com a ajuda de computadores- para melhorar o seu futebol.

Na África do Sul, depois de cair nas semifinais do Mundial diante da Espanha, os alemães reuniram-se para avaliar o que havia dado errado. A análise detalhada dos dados indicou um dos caminhos. A velocidade do passe entre os jogadores era lenta.

No Mundial seguinte, a média de tempo em que cada jogador ficava com a bola caiu de 3,4 segundos para 1,1.