Comparado com os jogos atuais, os lances entre Brasil e Itália, na final da Copa de 1970, parecem em câmera lenta. O que não significa que o time brasileiro tricampeão do mundo estava mal fisicamente. Pelo contrário.
A preparação do Brasil para o Mundial de 1970 é um case de sucesso estudado na ciência esportiva. Vanguarda percebida pelos analistas esportivos quando Pelé e companhia venciam os adversários.
Um balanço do torneio escrito após a final para o jornal Marca por José Villalonga, um integrante da federação espanhola, afirmava que Brasil e Alemanha foram os dois países mais bem preparados.
No caso da seleção brasileira, diz o historiador Clément Astruc, da Universidade Sorbonne Nouvelle Paris 3, o texto tecia vários elogios, mas questionava o custo da operação, nunca divulgado pela CBD (predecessora da CBF).
"As técnicas científicas utilizadas. O plano da escola de educação física do Exército. O tempo investido na concentração. São itens evocados pela imprensa internacional", diz o historiador, autor de estudos ainda inéditos que investigam a projeção internacional do futebol brasileiro entre 1945 e 1974.
Na preparação para a Copa de 1970, a seleção reuniu-se em 12 de fevereiro. Permaneceu junta até a viagem para o México, em 1º de maio, um mês antes da estreia.
No período, o Brasil jogou nove vezes. Foram 92 dias de treinamento por 19 de descanso. Treinos físicos, técnicos, táticos e recreativos somaram mais de 4.000 minutos.
"Nós levamos o laboratório para o treino. Cada jogador tinha uma fichinha individual. Usamos o teste de Cooper, que tinha muita precisão para o campo", conta o técnico Carlos Alberto Parreira, preparador físicos auxiliar da seleção naquele Mundial.
O plano científico que havia sido pensado por João Saldanha, treinador demitido antes do Mundial, e pelo professor Lamartine Pereira da Costa, correu riscos. Mas Zagallo, o técnico de fato em 1970, seguiu adiante com ele.
A preparação física, além de aclimatação para a altitude, aliou-se aos aspectos técnicos e táticos em 1970. O acaso pesou pouco no resultado final. Até o calendário brasileiro da época, muito mais leve do que o atual, ajudou o Brasil.
Cenário semelhante ao que existia em 1982, na Copa do Mundo da Espanha, relembra o zagueiro Oscar, titular do time do técnico Telê Santana.
"No segundo tempo da estreia, contra a então União Soviética [o Brasil venceu por 2 a 1, de virada], ficou nítido que estávamos bem preparados. Chegou a dar dó dos russos [soviéticos]. Nos lançamentos, eles não corriam na bola."
A preparação física não foi a responsável pela desclassificação do Brasil em 1982, segundo Oscar. Mas, para os padrões atuais, atividades impensáveis eram feitas tanto nos clubes quanto na seleção.
"Era comum subir e descer arquibancadas. O que hoje, sabemos, causa um impacto grande nos tornozelos e joelhos. Muitos jogadores daquela época colocaram próteses."
A geração dos anos 1980 tinha que correr demais nos treinos. Os testes de Cooper, inovadores nos anos 1970, estavam ficando ultrapassados.
Nos times atuais, os treinos em campo são sempre com bola. Muitas comissões técnicas fazem confrontos de ataque contra defesa em espaço reduzido. As atividades são intensas, mas curtas, com sessões de até uma hora.
"O corpo humano de 1970 é o mesmo de hoje. Mas agora ele é muito mais exigido. O desgaste é muito maior", diz o fisiologista Turíbio Leite de Barros, que trabalhou no São Paulo por mais de 25 anos.
Para o profissional, a principal mudança nos últimos 40 anos da preparação física no futebol é o aumento da individualização da preparação.
"Aquela cena de todo o grupo fazendo polichinelo acabou", afirma o fisiologista.
Ao longo do tempo, mudanças aparentemente pequenas nas regras também impactaram a preparação física. Antes da Copa do Mundo de 1994, nos Estados Unidos, uma nova dinâmica do futebol mudou a vida dos goleiros.
"Havia três bolas no campo [uma em jogo e duas sob a mesa do representante da partida] até então. No início de 1990 passaram a ser oito [a mais em jogo]", lembra Zetti, o terceiro goleiro do Brasil no Mundial de 1994.
A permissão para mais bolas ficarem ao lado do campo, deixou a partida mais rápida. Além disso, o goleiro foi impedido de pegar com as mãos a bola quando passada para ele por jogadores do seu time.
"A preparação mudou por completo em 1994. Os goleiros passar a ter que saber jogar com os pés", diz Zetti.
As caixas de areia deixaram de ser usadas em treinos. Ao contrário do que se imaginava, elas comprometem a agilidade. Atualmente, os goleiros treinam sempre com a bola, no campo de jogo. Simulando situações das partidas.
"Também não tem mais os treinamentos com bolas pesadas", diz o ex-jogador.
Grandes seleções, como Brasil e Alemanha, sempre estiveram na ponta da evolução física e souberam aproveitar as novidades que vinham do mundo tecnológico.
Melhores equipamentos, que permitem "virar os jogadores de cabeça para baixo", é o que mais mudou na visão de Paulo Paixão. Para o preparador físico que esteve nas conquistas da Copa de 1994 e 2002 as máquinas evoluíram, mas os recursos humanos ainda são essenciais em Mundiais.
Segundo ele, uma comissão técnica organizada, e detalhista, faz toda a diferença.
A partir de um plano, e do que dizem os equipamentos de monitoramento dos atletas, é que se monta o grande quebra-cabeça.
O excesso de monitoramento e de informação científica só ainda não conseguem acabar com as contusões, lembra a preparador físico.
"Não se pode dizer que teremos menos lesões na próxima Copa do Mundo. Muitas vezes está tudo certo, mas elas acabam surgindo do nada", afirma Paulo Paixão.