A sala da secretaria da escola municipal Maria do Carmo da Conceição, que fica na zona rural de Jucás (407 km de Fortaleza), mais lembra um corredor.
A mesa com três computadores divide espaço com material de almoxarifado, arquivos e pastas, onde é possível consultar o nível de aprendizagem de cada aluno daquela instituição.
Também estão ali detalhes sobre os estudantes que fazem o reforço e em qual conteúdo específico cada um avançou. São parâmetros de gestão pedagógica de dar inveja a muitas escolas particulares.
"Sabemos exatamente onde cada aluno está agora. Se ele tem uma dificuldade, já vai para o reforço à tarde", explica a diretora da escola, Maria Luiza da Silva, 41.
A escola trabalha com uma intervenção imediata em habilidades específicas nas quais os alunos mostram dificuldades em avaliações organizadas pela secretaria de Educação ao longo do ano. São ao menos seis provas dessas.
"O reforço é individual. Se o estudante melhorou no que tinha dificuldade, já sai. O aluno tem de ter alta e avançar."
O monitoramento contínuo é uma diretriz da política educacional do Ceará, mas essa estratégia, quase cirúrgica, Maria Luiza trouxe de uma outra escola que ela visitou.
O resultado no indicador de qualidade da escola de Jucás havia ficado entre os 150 menores do estado em 2015.
Como um programa do governo prevê que esse grupo de escolas seja apoiado pelas 150 melhores, Maria Luiza teve ajuda de uma instituição de Sobral, cidade que se tornou referência educacional no Ceará.
O intercâmbio teve efeito no Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica).
Mesmo com alunos de nível socioeconômico baixo e condições de infraestrutura longe da adequada, os anos iniciais (do 1º ao 5º ano) da escola Maria do Carmo da Conceição saiu de um Ideb de 4,5 em 2015, abaixo da meta para aquele ano, para 7,4 em 2017.
A média do Brasil nos anos iniciais é de 5,8. Espera-se que o país chegue ao nível 6 do indicador, o que seria equivalente ao de nações desenvolvidas.
O exemplo revela aspectos de um caminho bem-sucedido, mas pouco difundido no país: um sistema organizado de colaboração, entre estado e municípios, a inspiração e adaptação de experiências exitosas e a reação pedagógica diante dos resultados de índices educacionais.
"A escola de Sobral é bem maior, achei que não dava para comparar com o que temos aqui. Mas, acompanhando as aulas, vi que poderíamos aproveitar", afirma a diretora.
"Durante a leitura de textos, a professora já colocava na lousa quais seriam os objetivos com aquela atividade. Trouxe para cá e deu certo."
A política educacional do Ceará é articulada entre estado e municípios. As avaliações, as diretrizes das formações de professores e o material estruturado para os alunos são coordenados pela secretaria estadual de Educação.
Cabe à rede municipal, que concentra as matrículas do ensino fundamental, criar estratégias e fazer o principal: ensinar os alunos e mantê-los na escola.
Esse sistema de colaboração surgiu com o Paic (Programa de Alfabetização na Idade Certa) a partir de 2007. O plano é apontado como um dos responsáveis pelos resultados positivos a que chegaram as escolas do estado.
A gestão de recursos entra nesse plano. Com relação ao sistema de apoio entre escolas, como a que recebeu a de Jucás, ambos os grupos ganham um dinheiro extra.
As melhores recebem como premiação -com a responsabilidade de apoiar o outro extremo.
Para o grupo das escolas com menores desempenhos, o dinheiro permite o intercâmbio em busca de um programa de ação.
Também em 2007 o governo do estado definiu em lei que a distribuição do ICMS para as cidades levaria em conta os resultados educacionais.
Dessa forma, prefeituras que garantam menos reprovação e maiores índices de aprendizagem em matemática e português (os fatores que constituem o Ideb) ampliam seus orçamentos.
"Foi investido muito em formação de professores. Cursos ocorrem praticamente em todos os meses", afirma o secretário de Educação de Jucás, Aurélio de Souza.
A cidade, de 24 mil habitantes, tem 3.892 estudantes. Em 2017, a média do Ideb da rede nos anos iniciais foi de 6,2. Nos anos finais (6º ao 9º ano), de 4,8 -a meta era de 4,3.
Ernesto Faria, diretor do Instituto Iede (Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional), explica que os estados têm maior capacidade de resolver ineficiências dos municípios por terem estrutura técnica e financeira.
"Há fatores políticos que dificultam essa discussão e articulação, como governos e municípios comandados por partidos diferentes", afirma.
Para Faria, muitos gestores apostam em decisões intuitivas em detrimento do uso de evidências. "Experiências exitosas não chegam nas pautas de discussões dos gestores. Muitos agem pela inércia."
Um dos sintomas dessa inércia se repete a cada divulgação de novos índices educacionais. Na maioria das redes do país, avalia-se os alunos, divulga-se os resultados e depois avalia-se de novo, sem que haja planos de ação.
Só entre 2013 a 2017, o governo federal gastou R$ 1,1 bilhão em avaliações de larga escala (da alfabetização ao ensino médio). Sem contar as avaliações estaduais.
O governo do Espírito Santo tem sido um ponto fora da curva. Experiências de gestão em Goiás e de escolas de tempo integral de Pernambuco foram aproveitadas para repensar o ensino médio.
Na avaliação federal de aprendizagem mais recente, a rede do estado liderou no país nas médias de português e matemática -mesmo que ainda abaixo de níveis ideais.
No ano passado, o governo aprovou uma lei que criou o Pacto pela Aprendizagem, um modelo de apoio aos municípios que colocam, por exemplo, o estado na coordenação da formação de professores, avaliações, compartilhamento de tecnologias e na distribuição de material estruturado.
"Copiamos quase tudo do Ceará. Temos um convênio com eles para o material", afirma o secretário de Educação capixaba, Haroldo Rocha.
O único ponto do exemplo do Ceará que não pôde ser colocado em prática foi a redistribuição do ICMS. Segundo Rocha, o projeto está desenhado, mas questões locais sobre a dinâmica de distribuição exigem maior negociação.
"Sem um regime de colaboração, nosso país não tem saída", afirma Rocha. "O sistema de ensino precisa funcionar, de modo que não anule e tire o espaço do professor."
Inspirado no programa de alfabetização do Ceará, o Ministério da Educação havia lançado uma versão nacional no final de 2012, ainda no governo Dilma Rousseff. Chamado de Pnaic (Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa), envolvia capacitação de professores e bolsas.
Após o impeachment da presidente, o governo Michel Temer o substituiu por outro programa, agora chamado Mais Alfabetização.
Para especialistas, o Pnaic precisava de ajustes, mas as mudanças ocorreram sem que houvesse tempo de que efeitos surgissem. "O insucesso do Pnaic deve ser olhado com cuidados, porque a ideia é boa", afirma Ricardo Paes de Barros, do instituto Ayrton Senna e professor do Insper.
Política pública está em discussão no Congresso
Em 2014, com a aprovação do PNE (Plano Nacional de Educação), a criação de um Sistema Nacional de Educação foi estipulada para sair do papel até 2016. Mas até agora não ocorreu e o tema segue em discussão no Congresso.
A aprovação da Base Nacional Comum Curricular referente à educação infantil e ao ensino fundamental, no ano passado, tem sido mais um teste de colaboração mútua. A base define o que os alunos devem aprender ao longo da educação básica.
Estados têm construído em conjunto com seus respectivos municípios currículos unificados à luz do que prescreve a base. O Brasil nunca teve uma referência curricular.
O bloco referente ao ensino médio da Base ainda está em discussão. Após a aprovação, passa a valer o prazo de dois anos para implementar a reforma do ensino médio, aprovada em 2017.
A reforma prevê um currículo flexível, em que parte das matérias seja feita a partir de áreas escolhidas pelo aluno.
A oferta efetiva dessas áreas (linguagens, matemática, ciências da natureza, ciências humanas e educação profissional) nas escolas, no entanto, ainda é uma dúvida.
Mais da metade dos municípios do país só tem uma escola de ensino médio, o que dificultaria o processo.