Ensaio da arquitetura dos prédios de escolas públicas na cidade de São Paulo - Fotos: Tuca Vieira/Folhapress

Ensaio da arquitetura dos prédios de escolas públicas na cidade de São Paulo - Fotos: Tuca Vieira/Folhapress

E agora, Brasil? - Educação

Um retrato da educação no Brasil

Capítulo 3
Ensino Superior

Menos de 50% dos alunos se formam no prazo esperado

Índice está abaixo do patamar brasileiro de 80% do fim da década de 1990

Fachadas de escolas públicas na cidade de São Paulo - Fotos Tuca Vieira/Folhapress

Fachadas de escolas públicas na cidade de São Paulo - Fotos Tuca Vieira/Folhapress

Érica Fraga
São Paulo

Oito em cada dez alunos que ingressaram no ensino superior no fim da década de 1990 se formaram em um horizonte de 4 a 6 anos, compatível com a duração média dos cursos do país.

Uma série de problemas, no entanto, tornou esse desempenho insustentável, derrubando a taxa de conclusão no prazo esperado para pouco menos de 50% desde o início da década atual.

"De cada dois estudantes universitários, só um tem conseguido se formar num tempo razoável, o que é preocupante", diz o pesquisador Renato Pedrosa, da Unicamp, que fez o cálculo com base em dados do Ministério da Educação.

Nas universidades federais, o percentual de formaturas após uma média de cinco anos de curso recuou de cerca de 80% no início dos anos 2000 para 47,7%, entre 2015 e 2017 -a menor fatia entre os diferentes tipos de instituições, abaixo dos 48,2% registrados pelas faculdades privadas.

Segundo Pedrosa, essas taxas são baixas para padrões internacionais. No Reino Unido, diz ele, o número geral mais recente era 79%. "A maior parte dos países tem índices próximos a esse, que era o patamar do Brasil para as turmas que ingressaram no fim dos anos 1990", diz o pesquisador.

Uma combinação entre evasão, trancamentos e adiamento das formaturas provavelmente explica o cenário brasileiro. Algumas dessas hipóteses, por sua vez, estão relacionadas a problemas que ameaçam estender a atual fase de progresso lento do ensino superior. O mais evidente deles é a crise econômica.

O desemprego ainda elevado e a expansão da ocupação apenas no setor informal têm contribuído para uma freada no processo de avanço que o ensino superior vivia desde o fim dos anos 1990.

Entre 1994 e 2014, os ingressos nas universidades cresceram a uma média de 10% ao ano, saltando de 463 mil para 3,1 milhões. Em 2015, houve recuo de 6%. Nos últimos dois anos, o número voltou a crescer, mas em ritmo mais lento.

Em 2017, as matrículas ativas atingiram pouco mais de 8 milhões. Já os trancamentos aumentaram 66% entre 2011 e 2016 e têm superado a quantidade de formaturas.

Essas tendências são verificadas tanto no setor público como no privado. A exceção são os cursos à distância que continuam crescendo e já somam mais de 30% do total de ingressos, provavelmente por representarem uma opção mais flexível e barata.

Até então, o acesso a instituições particulares era alavancado pelo Fies, modalidade de crédito estudantil que teve forte expansão entre os anos de 2010 e 2014, à base de subsídios públicos.

Beneficiados por condições muito favoráveis, em que o risco de inadimplência nos financiamentos era arcado principalmente pelo governo federal, grupos de ensino privados saíram à caça de alunos.

Houve outras iniciativas para ampliar e facilitar o ensino superior no país, como a criação de instituições gratuitas, o aumento de vagas em universidades públicas no período noturno, o lançamento do Prouni -que concede bolsas para alunos de baixa renda em faculdades privadas- e a ampliação de ações afirmativas, como cotas e bônus.

A oferta foi bem recebida pela população carente de qualificação avançada. Em 2007, a parcela dos brasileiros de 25 a 34 anos com diploma universitário era de apenas 10%, perdendo somente para a Indonésia (8%), entre 37 países para os quais a OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) tinha dados.

Em dez anos, esse percentual saltou para 17%, permanecendo baixo, porém, para padrões internacionais. A média do indicador nas nações que participam da OCDE era 44% em 2017.

A dúvida agora é se o ritmo de aumento da população mais qualificada é sustentável. A demora na conclusão dos cursos universitários indica que uma parcela grande de alunos pode estar desistindo de se formar.

A crise contribui para isso ao criar dificuldades como a falta de recursos para pagar mensalidades ou menor disponibilidade de tempo para o estudo em horários flexíveis.

Uma parte significativa dos novos alunos universitários nos últimos anos é formada por adultos que voltaram a estudar. Isso é percebido ao se comparar o número de concluintes do ensino médio com o de ingressantes no superior.

Desde 2006, o segundo indicador tem superado o primeiro e a diferença entre os dois vem apresentando aumento constantemente.

"O prêmio salarial pelo ensino superior no Brasil ainda é muito alto. Isso ajuda a explicar a busca por essa formação também por parte dos adultos que já terminaram a escola há mais tempo", afirma Naercio Menezes Filho, professor do Insper.

No entanto, nem todo o diploma conquistado nos últimos anos levou à rápida inserção em uma área compatível com a formação adquirida e, em muitos casos, nem mesmo garantiu emprego formal.

Um estudo do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) com foco no mercado formal mostra que, entre os graduados que se formaram em pedagogia ou licenciatura em 2011, 28,4% não tinham emprego com carteira assinada no ano seguinte, quando o Brasil ainda vivia um boom de contratações.

Considerando o grupo dos que conseguiram emprego, 44% ocupavam vagas que não exigiam ensino superior.

Como a área de educação concentra 20% dos alunos universitários do Brasil (percentual alto para padrões internacionais), pode ser que tenha ocorrido um excesso de trabalhadores na área.

Entretanto, mesmo os engenheiros -categoria que, segundo empresários, era marcada pela escassez de mão de obra- enfrentaram situação semelhante no país.

Entre os graduados na área em 2011, os que não atuavam no mercado formal, em 2012, também somavam 28,4%. E, entre os recém-formados ocupados, mais da metade desempenhava função que demandava qualificação menor.

Para especialistas, a baixa qualidade de alguns cursos criados em meio à rápida expansão do ensino superior, acentuada por deficiências de formação herdadas do ciclo escolar básico, pode explicar, em parte, a dificuldade de inserção laboral.

Outra questão é o possível descasamento entre a formação, em termos de área e conteúdo, e as necessidades reais dos empregadores.

Todos esses problemas têm levado a alertas sobre a importância de esforços para entender melhor as reais necessidades do mercado de trabalho, aprimorar os mecanismos de financiamento estudantil e melhorar a qualidade dos gastos públicos.

Banco Mundial sugere um limite de dispêndio por aluno

De acordo com o Banco Mundial, há grande ineficiência nos gastos com ensino superior no país, que poderiam ser reduzidos à metade.

Uma das propostas da instituição é impor um limite de dispêndio por aluno nas universidades públicas que seria baseado nos gastos das instituições mais eficientes.

Outra recomendação da instituição é a cobrança de tarifas para estudantes com maior renda, abrindo espaço para aumentar financiamentos para alunos de extratos menos favorecidos.

A sugestão do Banco Mundial causou polêmica quando o relatório foi divulgado, em novembro do ano passado.

"Acho que falta compreensão de que a universidade pública gratuita representa um subsídio para boa parcela dos alunos que pode pagar", diz o economista Pedro Olinto, coordenador de desenvolvimento humano do Banco Mundial.

A julgar pelas severas restrições fiscais do governo federal e dos estados, é provável que debates como esse se intensifiquem nos próximos anos.