Não faltam questões controversas na área de educação, mas existe ao menos um consenso: a qualidade do professor é indispensável para garantir o aprendizado.
Assim, quando adolescentes terminam a educação básica sem conseguir interpretar um texto, a visão romantizada do mestre como um abnegado cede lugar à ideia do professor incompetente, como se fosse ele o maior responsável pela má qualidade da educação brasileira.
O docente não deveria ser habitualmente visto como herói ou vilão. É sim um profissional que precisa ser bem formado, valorizado e cobrado, além de receber condições materiais para realizar o seu trabalho adequadamente.
No Brasil, de modo geral, nada disso vem sendo feito. Entretanto, é possível inverter esse cenário.
O esforço de universalizar o acesso à educação básica na década de 1990 exigiu aumento rápido do número de docentes, crescimento que não foi acompanhado por investimentos necessários na formação, nos salários e nas condições de trabalho.
Ainda hoje o país continua com alta porcentagem de professor sem a formação em nível superior e na área em que atua. Na disciplina de física, por exemplo, 69% não têm licenciatura na área, segundo o Censo da Educação Básica.
Muitos professores são contratados por jornadas reduzidas e, para aumentar os rendimentos, acumulam compromissos, tendo de trabalhar em diferentes escolas e níveis de ensino.
"A duração da jornada docente no Brasil é diversa e há casos em que ela ultrapassa as 44 horas semanais estabelecidas na Constituição", diz Márcia Aparecida Jacomini, professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e pesquisadora do Observatório de Remuneração Docente.
Jornadas duplas e em vários colégios reduzem o tempo para o planejamento de atividades, enfraquecem os laços entre professor e a comunidade escolar e ainda contribuem para o alto nível de absenteísmo docente, que foi de 8% em 2013, segundo a Transparência Internacional. Cabe a cada rede optar por contratos de 30 ou 40 horas.
Embora há dez anos o governo tenha estabelecido um piso nacional para professores das escolas públicas, os salários do magistério continuam baixos -o piso é de R$ 2.455.
Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios de 2015, a média salarial de um docente com carga de 40 horas semanais é de apenas 61% da dos demais profissionais com nível superior que trabalham a mesma quantidade de horas.
O problema vai além do valor baixo. Segundo análise do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), falta ao Brasil estrutura salarial que, ao longo da carreira, remunere melhor os professores com desempenho mais efetivos.
Hoje, a carreira se caracteriza pela estabilidade no emprego e por promoções que "recompensa o tempo de serviço e o acúmulo de certificações", segundo texto do BID.
Pesquisas internacionais indicam que o aumento do salário dos professores tem efeitos imediatos baixos ou nulos sobre a atuação dos docentes que já estão em exercício.
Na Indonésia, por exemplo, uma experiência randomizada e com grupo-controle dobrou incondicionalmente a remuneração de alguns deles e, três anos depois, a aprendizagem dos alunos não foi afetada.
Para motivar os docentes em exercício a continuar aprendendo, o caminho é melhorar a carreira.
No longo prazo, contudo, a remuneração mais elevada ajuda a despertar o interesse de mais jovens pela profissão, aumentando a seletividade para o ingresso no magistério.
Com baixos salários e condições desfavoráveis, o magistério perdeu prestígio e se tornou pouco atraente para jovens estudiosos e talentosos."
No relatório do Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Alunos) de 2015, só 5% dos jovens brasileiros de 15 anos disseram ter intenção de ser professor da educação básica, e 21% marcaram que desejam se tornar engenheiros.
Na Finlândia, na Coreia do Sul e no Japão, países reconhecidos como bons exemplos de educação, a porcentagem de estudantes que planejam entrar para o magistério excede a dos que querem ser engenheiros.
Assim, muitos brasileiros escolhem a carreira não por mérito ou vocação, mas porque é relativamente mais fácil e barato ingressar em pedagogia ou licenciaturas.
Grande parcela dos futuros professores vem de famílias de baixa renda e trabalham durante a faculdade.
"Se olhar os países de destaque educacional, um ponto todos têm em comum: quem vai se tornar professor faz parte dos 30% melhores alunos de nível médio", afirma João Batista Oliveira, presidente do Instituto Alfa e Beto.
Apesar do atual déficit de professores com formação adequada, Oliveira afirma ser possível aumentar a seletividade.
"Nos próximos 12 anos, 60% dos professores poderão se aposentar. E, com a queda do número de filhos por mulher, a tendência é de redução do número de alunos. É uma janela de oportunidade."
Não só o perfil dos futuros professores preocupa, mas também o tipo de formação e o crescimento do ensino a distância (EaD).
Depois de formados, todos terão de dar aulas presenciais, mas 38% dos que estudam para ser professor estão matriculados em programas de EaD, segundo o Inep (Censo do Ensino Superior do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais). A média das matrículas em EaD para os demais cursos é de 13%.
"Com boa metodologia, é plausível ter parte da formação online. O que não serve é o modelo de um vídeo, um PDF e uma prova", afirma Miguel Thompson, CEO do Instituto Singularidades.
Mas ele defende que, de forma geral, as formações iniciais tanto no EaD como nas presenciais precisam mudar.
"Os cursos são inadequados, reproduzem o modelo de aula expositiva. Precisamos apresentar outros processos, aumentar o protagonismo, usar modelos de trabalho em grupo, debates, atividades práticas", afirma Thompson.
Experiências internacionais indicam ainda que a formação inicial precisa integrar a prática, com estágios supervisionados que sejam mais do que assistir às aulas ministradas por outros professores.
Em Singapura, outra potência educacional, os estágios se dão em escolas escolhidas pelo governo desde o primeiro ano da faculdade. Nos dois últimos anos, os futuros docentes já ficam responsáveis por turmas em certos momentos.