Guardas municipais entram em confronto com suspeitos de arrastão na praia de Ipanema, no Rio, em novembro de 2013

Guardas municipais entram em confronto com suspeitos de arrastão na praia de Ipanema, no Rio, em novembro de 2013 Chiquito Chaves - 12.out.1993/Agência O Globo

E agora, Brasil? - Segurança Pública

Um diagnóstico da violência no Brasil, os problemas e as propostas vindas de pesquisas, dados nacionais e internacionais e análises

Capítulo 2
Criminalidade

Homens, negros e jovens são os que mais morrem e os que mais matam

Mortes violentas subiram 10,2% no Brasil em dez anos; especialistas falam em descompromisso do governo

Sorveteria em Osasco onde uma pessoa morreu na mais violenta do ano na Grande São Paulo quando ao menos 20 pessoas foram mortas e sete ficaram feridas - Avener Prado - 14.ago.2015/Folhapress

Sorveteria em Osasco onde uma pessoa morreu na mais violenta do ano na Grande São Paulo quando ao menos 20 pessoas foram mortas e sete ficaram feridas - Avener Prado - 14.ago.2015/Folhapress

Rafael Gregorio
São Paulo

As 61.283 mortes violentas ocorridas em 2016 no Brasil encerram algumas assimetrias importantes: a maioria das vítimas são homens (92%), negros (74,5%) e jovens (53% entre 15 e 29 anos).

Segundo o Atlas da Violência 2017, publicado pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, as mortes violentas no país subiram 10,2% entre 2005 e 2015. Mas, entre pessoas de 15 a 29 anos, a alta foi de 17,2%.

Desde 1980, os mortos são jovens cada vez mais jovens. O pico da idade média das vítimas diminuiu, desde então, de 25 anos para 21 anos.

Um dos fatores que explicam esse declínio é o descompromisso de governos com políticas eficazes e apoiadas em evidências científicas, segundo Daniel Cerqueira, doutor em economia pela PUC-RJ e especialista em violência.

Para ele, falhas na implementação do Estatuto do Desarmamento e a proliferação das drogas em cidades médias e pequenas nos anos 2000 colaboraram para a queda da idade média das vítimas.

Na clivagem por cor da pele, salta aos olhos o fato de que negros e pardos (53,6% da população) correspondam a três de cada quatro pessoas assassinadas em 2016. Os que se declaram brancos (45,5% dos brasileiros) foram vítimas em 25% dos casos.

Mais pobre e menos escolarizada, essa fatia dos brasileiros ainda vive, em grande parte, marginalizada, com poucas oportunidades de ascensão social e exposta ao cotidiano de violência das periferias.

Especialistas destacam também traços racistas da sociedade. "A morte de um negro não tem o mesmo peso que a de um branco, que não tem o mesmo peso que a de um branco rico", avalia Cerqueira.

Traçar o perfil de quem mata no Brasil, por outro lado, é uma tarefa mais difícil, devido à ausência de dados oficiais e à falta de conclusão das investigações sobre a maior parte dos casos.

Alguns estudos, porém, oferecem pistas. Um dos mais reveladores é "Mensurando o Tempo do Processo de Homicídio Doloso em Cinco Capitais" (2014), da pesquisadora da FGV Ludmila Mendonça Lopes Ribeiro, que identifica gargalos na Justiça criminal.

O trabalho analisa mortes ocorridas em 2013, com autoria identificada, em Belém, Belo Horizonte, Goiânia, Porto Alegre e Recife.

Os autores dos crimes tinham as mesmas características da maioria das vítimas: homens, negros e jovens.

E, ao contrário do senso comum, parcela significativa dos homicídios não é cometida por bandidos contumazes, mas por pessoas normais que "perderam a cabeça".

Segundo o estudo "As Motivações nos Casos de Letalidade Violenta da Região Metropolitana do Rio de Janeiro", de 2014, do sociólogo Renato Dirk e de Lílian de Moura, da corregedoria da Polícia Civil fluminense, mais de um quinto (23%) das mortes foram derivadas de conflitos interpessoais, como brigas de bar ou de trânsito, disputas entre vizinhos e crimes passionais.

Dados sobre os dias em que mais acontecem homicídios, levantados por Cerqueira com base nas ocorrências no Rio entre 2006 e 2009, corroboram essa visão. A maior parte dos homicídios acontece aos sábados e domingos, e o período de maior recorrência vai das 18h às 4h.