Há 50 anos buscando ouro na bacia do rio Tapajós, o maranhense Luis Pinheiro, 69, é parte da engrenagem que sustenta há décadas Itaituba, município de 101 mil habitantes do oeste do Pará. Acostumado a passar meses sem pisar na cidade, é taxativo: "Todo mundo no Brasil é garimpeiro".
Praticada desde o final dos anos 1950 na região, a atividade sofreu uma revolução nos últimos anos com a introdução das PCs (retroescavadeiras hidráulicas), máquinas com poder de destruição várias vezes maior do que os métodos usados anteriormente.
"Depois do desmatamento ilegal, o garimpo é o maior vetor de destruição da Amazônia. É destruição ambiental, social e moral. É o crime organizado se apropriando das riquezas brasileiras", afirma o diretor de Proteção Ambiental do Ibama, Luciano Evaristo.
O estrago ocorre principalmente nos afluentes do rio Tapajós, um dos símbolos mais conhecidos da Amazônia por causa das praias de areia branca e água azul de Alter do Chão, que atraem milhares de turistas por ano.
Centenas de quilômetros rio acima, porém, a imagem é de terra arrasada. Ao longo de rios como Rato, Crepori e das Tropas, centenas de retroescavadeiras hidráulicas cavam buracos profundos ao longo das margens. Arrancam a mata ciliar, jogam toneladas de terra na água e chegam a alterar os cursos de água.
Um laudo feito em fevereiro pela Ufopa (Universidade Federal do Oeste do Pará) mostra que, na foz, o rio Rato transporta 49,6 miligramas/litro (mg/l) de de sólidos em suspensão. Após receber a água enlameada do Rato, a média do Tapajós passa de 25 mg/l para 27,8 mg/l, contribuindo para o assoreamento de um dos maiores rios da Amazônia.
Além das PCs, as dragas, grandes balsas flutuantes, também têm papel na devastação do Tapajós. Ao sugar a terra no fundo do rio em busca de ouro, deixam pra trás o "arroto", grandes bancos de cascalho e areia no meio do rio e nas suas margens.
Para os mundurucus, habitantes das margens do Tapajós, as mudanças são visíveis.
"Antigamente, a água era bem azulzinha, bem limpinha. Hoje em dia, ela tem uma cor diferente, meio amarelada. Você não flecha mais peixe com um arco na mão porque não vê", diz o cacique Juarez Saw Munduruku, 58, que faz oposição aos garimpos.
"O garimpo mudou o rio, acabou com o Tapajós", diz o líder da Terra Indígena Sawré Muybu, em processo de demarcação. "Ninguém vê um igarapé mais, assim, natural. Subindo de barco pra tentar tomar uma água limpa hoje na beira do Tapajós, você não encontra mais, não, só água suja."
Para sustentar dezenas de milhares de pessoas, a exploração desenvolveu voracidade incontrolável. Com a ajuda da PC, foram abertos 3.717 garimpos na região do Tapajós desde 2014, segundo levantamento do Ibama a partir de imagens de satélite.
Desse total, 805 (21,6%) estão em áreas protegidas federais, incluindo terras indígenas e florestas nacionais, onde o garimpo é proibido.
A grande maioria da atividade, porém, está na APA (área de de proteção ambiental) Tapajós, de gestão federal. O garimpo opera ali por meio de licenças estadual e municipais, mas há pouca fiscalização para verificar se as exigências são cumpridas.
"É um processo muito grave o da descentralização que o estado faz para município licenciar garimpo", diz Evaristo. "É inacreditável dar licença sem ter a avaliação do impacto, sem as medidas mitigadoras e sem saber o que vai ser feito nas áreas degradadas."
Dono de garimpo, fazendeiro, empreiteiro e ex-madeireiro, o prefeito de Itaituba, Valmir Climaco (MDB), é um dos principais defensores da atividade. Ele assegura que, finda a exploração em um determinado local, a natureza se regenera em seguida.
"A pessoa que fala que garimpo destrói não diz a verdade", diz Climaco, que migrou do Ceará nos anos 1970.
"Todos sabemos que quem destrói a Amazônia é o desmatamento, e no garimpo não existe desmatamento. Você tira um barranco da beira de uma montanha, e cinco ou seis anos depois o mato já cobriu."
O emedebista afirma que, nos anos 1990, toda a economia girava em torno do garimpo, mas que agora esse percentual reduziu para até 70% por causa da agropecuária e, mais recentemente, dos portos no Tapajós que embarcam a soja vinda de Mato Grosso.
As décadas de exploração de ouro, no entanto, não se reverteram em melhorias socioeconômicas para Itaituba, autobatizada de "cidade pepita", cujo hino oficial começa com: "Os garimpos, as praias, a fonte".
Um exemplo é o saneamento. De acordo com o Atlas Esgoto 2017 da ANA (Agência Nacional de Água), 78,2% dos domicílios não têm coleta e tratamento de esgoto, percentual abaixo da média nacional (26,3%) e do Pará (65,6%).
Climaco diz que o principal culpado é a sonegação: "O município produz duas toneladas, nós só recebemos o imposto de 350kg de ouro, então há grande contrabando de ouro, e eu tenho batido pesado nisso, fiz já várias denúncias".
Dono de um garimpo às margens do rio Rato, Luis Pinheiro explora ouro dentro dos limites da Floresta Nacional (Flona) Itaituba 1.
Pai de 14 filhos, ele conta com a ajuda de três deles na busca do ouro, além de empregar dez garimpeiros.
Apesar de estar prestes a completar 70 anos e de ser dono de uma PC, que custa em torno de R$ 500 mil, Pinheiro trabalha afundado na lama com os garimpeiros. Cada um recebe 16% da produção, além da alimentação e da cobertura de outras despesas. Todos dormem em redes armadas dentro de barracos.
Para Pinheiro, trata-se da única alternativa na região.
"Qual empresa que tem aqui? Roça é proibido, não pode desmatar. Na fazenda, não tem serviço. Os brasileiros dessa região são todos analfabetos. E, quando tem uma sabedoria, não tem emprego. Vai pra onde? Pro garimpo."
Colaborou Monica Prestes, de Manaus
A viagem dos repórteres foi custeada pela Rainforest Foundation Norway (RFN)
Erramos
Diferentemente do que informou versão anterior deste texto, a gestão da APA Tapajós é federal, via ICMBio, e não estadual.