Patrizio Piraino
Patrizio Piraino, economista da Universidade da Cidade do Cabo e especialista em mercado de trabalho, diz que o baixo crescimento econômico e a herança do apartheid constituem as maiores fontes atuais para a preservação da desigualdade na África do Sul.
No país, muitos podem atravessar a vida inteira sem conseguir um único trabalho.
Patrizio Piraino, economista da Universidade da Cidade do Cabo - Divulgação/University of Cape Town
De acordo com dados disponíveis, a África do Sul é o país mais desigual do mundo mesmo após o fim do apartheid, há 25 anos. Por que a desigualdade é tão alta e persistente?
Isso está muito relacionado ao mercado de trabalho, pois há enormes diferenças entre os bons e os maus empregos. E há uma grande proporção da população desempregada, de cerca de 28%.
No outro lado, há pessoas no topo da distribuição de renda com salários comparáveis aos pagos nos EUA e na Europa.
Setores que poderiam ser intensivos em mão de obra, como o de manufatura, não se expandiram em uma escala capaz de criar muitas vagas.
A África do Sul nunca foi um lugar capaz de concorrer com fontes de mão de obra barata, o que também está relacionado com a qualidade do treinamento das pessoas.
Muitos dos setores aqui, como o de mineração, são intensivos de capital e não geram grandes quantidades de empregos. Há turismo e agricultura, mas essas áreas não são capazes de transformar a economia de modo a absorver os desempregados.
Dizem que é possível a um sul-africano passar a vida sem conseguir trabalho.
Isso é verdade e se deve a uma combinação de fatores. Um deles é que a economia simplesmente não está crescendo rápido o suficiente pela falta de demanda. Por outro lado, há problemas na oferta de trabalhadores, e isso se deve a um sistema educacional que ainda luta para formar uma parte da população.
A educação hoje é obrigatória e foi universalizada com sucesso, mas as escolas dos mais pobres têm muito menos recursos e ainda lutam para criar habilidades necessárias ao mercado de trabalho. Por isso as pessoas podem de fato transcorrer a vida sem ter trabalho.
Mas a África do Sul tem alguns programas de bem-estar que permitem que você sobreviva caso não encontre uma ocupação. Obviamente, não é o que as pessoas desejam.
O apartheid acabou há 25 anos e o país vem sendo governado desde então por presidentes negros. Eles poderiam ter feito mais?
Antes da democracia havia um modo muito preciso de dividir as pessoas. A cor da pele determinava o cardápio de opções para a vida.
Ao final do apartheid, a economia estava estruturada dessa forma, e a grande expectativa era de que seria transformada. De que haveria cada vez mais diversidade. Mas o ritmo dessa transformação foi muito mais lento do que o esperado. Mais pela maneira como o mercado funciona do que pela falta de vontade dos líderes.
Creio que os governos da África do Sul nos últimos 25 anos tiveram que gastar uma quantia substancial de dinheiro tentando ajudar as pessoas da parte inferior da distribuição de renda. Foram políticas visando a redução da pobreza, mas de forma paliativa. E não com algum tipo de política contra a desigualdade.
Isso é compreensível quando se tem uma grande parcela da população na pobreza, de pessoas que precisavam ter atendidas necessidades tão básicas como comer.
Um sistema educacional diferente teria feito muito. Um melhor treinamento, com um tipo diferente de incentivo e de responsabilidades para professores e diretores.
Ainda estamos em uma posição em que o sistema educacional reproduz a desigualdade. Na verdade, os estudantes sul-africanos têm um desempenho pior do que o de nossos vizinhos.
Podemos fazer melhor do que isso, considerando que nossos vizinhos podem ter menos recursos em relação ao PIB do que nós.
Portanto, há um problema em termos de como o sistema educacional funciona. Não acho que seja culpa de professores, diretores ou do governo. É uma combinação de fatores, mas certamente algo melhor precisa ser feito.
Qual o papel da terra na desigualdade?
Há uma distribuição desigual, e as boas terras estão nas mãos de certos grupos. É preciso aceitar que houve irregularidades históricas que precisam ser reparadas. Como consertar isso sem criar muita ruptura na maneira como a economia funciona é uma questão difícil.
Mas acho que a maioria das pessoas concorda que algo precisa ser feito, e há reivindicações historicamente bem fundamentadas para redistribuir a terra. Em teoria, faz sentido proporcionar às famílias unidades pequenas, que lhes deem a oportunidade de usar essas terras.
O racismo ainda desempenha um papel importante na África do Sul?
Acho justo dizer que a discriminação ainda é um grande problema. As pessoas ainda têm preconceitos. Precisamos que elas entendam que essa suposta superioridade é um absurdo. Mas essa é uma mudança cultural.
Mas há outro tipo de discriminação, que tem a ver com a ignorância. Com a falta de conhecimento de que as pessoas de todos os gêneros e de todas as raças podem ser boas.
E isso advém de um tipo de experiência limitado a ambientes muito particulares.