A ciência vai vencer a luta contra o câncer?

A ciência vai vencer a luta contra o câncer?

Há mais de um século, cientistas compartilham a tentativa de entender um pouco mais o câncer. Nenhum outro conjunto de doenças foi tão estudado e pesquisado. Levantamento mostra que de 2012 a 2014 foram publicados 305.858 artigos científicos sobre câncer. Cientistas, médicos e a indústria farmacêutica apontam três caminhos: imunoterapia (quando o sistema imunológico é fortalecido para combater os tumores), terapia-alvo (que vai direto nas células anormais e preserva as saudáveis) e manipulação de DNA. Alguns estudos põem ênfase também em prevenção e sugerem mudanças no estilo de vida.

A Folha reuniu histórias de pessoas que superaram a doença. E promoverá, nos dias 29 e 30 de março, em São Paulo, seminário com especialistas para discutir o assunto. A medicina vencerá essa guerra? Cientistas afirmam que, se for possível fazer do câncer uma doença controlável como a Aids, o que pode acontecer em algumas décadas, a batalha estará praticamente ganha.

Polêmicas

Para certos perfis de tumor, melhor tratamento pode ser não fazer nada

CLÁUDIA COLLUCCI
DE SÃO PAULO

Há 13 anos, a esteticista Rosângela Bittencourt, 53, recebeu um diagnóstico que lhe tirou o chão: tinha um tumor de mama e precisaria se submeter à retirada dos seios. Após dois anos e muitas reuniões da equipe médica, nada de a cirurgia ser marcada.

Ao mesmo tempo, Rosângela se aproximou das práticas da medicina tradicional chinesa, adotou uma alimentação mais saudável e exercícios na rotina diária, além de diminuir o ritmo de trabalho.

"Entendi que, se meu corpo desenvolveu o tumor, ele poderia se livrar dele."

Foi quando tomou uma atitude radical: à revelia dos médicos, decidiu não fazer o tratamento proposto -cirurgia e hormonoterapia, bloqueio de hormônios que estimulam o crescimento tumoral.

"As pessoas achavam que eu era maluca", diverte-se. A última mamografia, feita há três anos, não aponta mais sinais de câncer, segundo ela.

Provavelmente, grande parte dos oncologistas continua considerando a atitude de Rosângela, no mínimo, imprudente. Mas ela começa a encontrar respaldo em estudos que apontam que, para certos perfis de tumor e de pacientes, o melhor tratamento pode ser não fazer nada.

O tumor de Rosângela, chamado carcinoma ductal in situ, é considerado não invasivo na maioria dos casos. As células anormais ainda estão confinadas nos canais que drenam o leite materno.

"O problema é que não sabemos quais desses tumores vão ou não progredir. Para uma mulher jovem, não fazer nada pode ser muito temeroso", afirma o mastologista José Luiz Bevilacqua, do AC Camargo Cancer Center.

Segundo ele, faltam mais dados sobre as características do tumor e das pacientes para as quais "não tratar" seria uma opção segura.

Marcus Leoni/Folhapress
A esteticista Rosangela Bittencourt, que há 13 anos descobriu um tumor de mama e decidiu não fazer o tratamento
A esteticista Rosangela Bittencourt, que há 13 anos descobriu um tumor de mama e decidiu não fazer o tratamento

Essa postura "mais liberal", afirma ele, talvez possa ser aplicada a mulheres mais idosas, com tumores pequenos e de baixo grau de malignidade. "Você pode dar um [remédio] anti-hormônio e é provável que a pessoa vai morrer de outra coisa. Às vezes, a lesão até desaparece."

Com o advento da mamografia, o diagnóstico do carcinoma ductal in situ aumentou de 3% para 25% em três décadas. Mas o índice de mortalidade permaneceu inalterado, independentemente do tratamento adotado.

"Estamos identificando muitas alterações, em razão do diagnóstico precoce, que não se tornariam um problema. Estamos operando e tratando muito, mas a mortalidade não caiu na mesma proporção", diz o mastologista Antonio Frasson, do Hospital Albert Einstein.

Nos últimos anos, estudos apontaram que apenas 30% dos casos de carcinoma in situ evoluíram para um tumor agressivo. O resto teve crescimento lento e sem malignidade. Em alguns, houve regressão ou desaparecimento.

"Como não sabemos identificar esse paciente [de baixo risco] ou qual é o 'defeito' que pode evoluir para carcinoma invasor, tratamos todo mundo igual", afirma.

A questão é que ainda não há exames tumorais, por exemplo, capazes de prever com precisão quais células se tornarão malignas, quando e como isso acontecerá.

Hoje, cinco centros da Universidade da Califórnia acompanham mulheres com carcinoma in situ que não serão submetidas a terapias para que seja avaliado o tipo de célula que pode evoluir ou não.

A proposta de acompanhar tumores em estágio inicial de baixa malignidade e de crescimento lento não é exatamente nova. Chamada de vigilância ativa, ela é adotada desde a década de 1990 em casos de tumor de próstata.

Segundo Gustavo Guimarães, chefe de urologia do AC Camargo, há vários critérios de seleção a serem adotados, como o paciente não ter nódulos visíveis e apresentar exame de PSA abaixo de 10.

Entre pacientes mais jovens, o tema é mais controverso porque há riscos associados às biopsias frequentes feitas para acompanhar a evolução do tumor.

"Podem ter sangramentos, processos inflamatórios e fibrose. Se no futuro esse paciente tiver que ser operado, pode ser mais complicado", afirma Guimarães.

O processo de vigilância, diz, tem sido adotado com mais frequência para idosos. A partir dos 80 anos, não são mais indicadas biopsias ou exames de PSA para o paciente de baixo risco.

Nos casos de câncer de tireoide, a vigilância é adotada com grávidas, desde que o tumor seja pequeno. "A gente acompanha a gravidez e a amamentação e opera depois sem prejuízo", diz o cirurgião Luiz Paulo Kowalski.