A ciência vai vencer a luta contra o câncer?

A ciência vai vencer a luta contra o câncer?

Há mais de um século, cientistas compartilham a tentativa de entender um pouco mais o câncer. Nenhum outro conjunto de doenças foi tão estudado e pesquisado. Levantamento mostra que de 2012 a 2014 foram publicados 305.858 artigos científicos sobre câncer. Cientistas, médicos e a indústria farmacêutica apontam três caminhos: imunoterapia (quando o sistema imunológico é fortalecido para combater os tumores), terapia-alvo (que vai direto nas células anormais e preserva as saudáveis) e manipulação de DNA. Alguns estudos põem ênfase também em prevenção e sugerem mudanças no estilo de vida.

A Folha reuniu histórias de pessoas que superaram a doença. E promoverá, nos dias 29 e 30 de março, em São Paulo, seminário com especialistas para discutir o assunto. A medicina vencerá essa guerra? Cientistas afirmam que, se for possível fazer do câncer uma doença controlável como a Aids, o que pode acontecer em algumas décadas, a batalha estará praticamente ganha.

Depoimentos

Ana Maria Braga conta como enfrentou o câncer 3 vezes sem esconder a doença

SUZANA SINGER
EDITORA DE 'TREINAMENTO'

"Não dá para tomar garrafada da Amazônia e fazer quimioterapia ao mesmo tempo."

A frase não surpreenderia se viesse de um oncologista famoso ou de um pesquisador cético, mas o conselho é da apresentadora Ana Maria Braga, que fez todo o tratamento contra o câncer sob a proteção de Nossa Senhora de Fátima e foi a Portugal agradecer a cura com um percurso de joelhos.

"Fé sim, mas sem abandonar o racional", define Ana Maria, que enfrentou três vezes a doença e que completa 67 anos em 1º de abril. Em 1991, era um câncer de pele que se resolveu com cirurgia. Dez anos depois, um carcinoma no canal anal, que exigiu doloroso tratamento radioterápico. "Tinha hora em que eu ligava o chuveiro, deitava embaixo e chorava muito."

Em dezembro do ano passado, a apresentadora surpreendeu a todos anunciando no "Mais Você" que tinha sido operada de um câncer pulmonar. Levou sua equipe médica ao programa e começou uma campanha para que as pessoas parem de fumar.

Ana Maria assumiu a doença. "Nunca dá certo tentar esconder. A verdade é voadora, soberana".

Folha - Você teve câncer três vezes: em 1991, 2001 e 2015. Como foi receber cada diagnóstico?

Ana Maria Braga - Foi bem assustador. Da primeira vez, era um câncer de pele, tratado com uma cirurgia profunda no braço. Ficou a marca, mas a gente sempre sai com cicatriz, onde for, depois de uma doença séria. Na segunda vez, foi tão assustador quanto, mais pela violência do câncer.

Você tinha medo de falar em câncer?

A palavra começou a fazer parte da minha vida. Optei falar com todas as letras, c-â-n-c-e-r, para combater o estigma, tirar o medo de que, se repetir a palavra ou usá-la inteira, você vai morrer disso. Inimigo a gente encara de frente.

Você enfrentou a doença como se fosse uma guerra?

Sim, eram células inimigas que não queriam que eu continuasse por aqui. Em guerra, você tem que ficar em estado de alerta e não em desânimo. Você precisa manter a cabeça alerta porque o resto dói tudo.

Como você conviveu com a dor?

Eu sou uma sortuda por ter acesso ao que há de melhor na medicina. Hoje, é possível fazer um tratamento grave e ainda viver relativamente bem, manter suas atividades. Mesmo assim, tive sequelas horríveis, que às vezes me impediam de andar.

No segundo caso, o do câncer no canal anal, a radioterapia foi muito difícil?

Foi arrasadora. Eu tenho um limiar alto de dor, mesmo assim sofri. Tomava muita morfina quando eu podia. Nas outras horas, eu trabalhava. Continuei trabalhando porque era um grande motivo para levantar todo dia. Gosto muito do que faço.

Alguns pacientes não conseguem reagir tão bem, sofrem de depressão, por exemplo.

Tem gente que é mais sensível, não à dor física, mas a uma ofensa, a uma contrariedade. A pessoa se entrega, por exemplo, após um abandono. Outros conseguem sublimar, manejar, tocam a vida e choram em casa. Tem gente que é mais sensível ao que a vida reservou a ela, aos "nãos" que todos recebem.

Você acredita que o pensamento positivo ajudou nos tratamentos?

Em casos de problemas físicos, não só no câncer, você depende muito da sua cabeça, da qualidade do seu pensamento. Não pode ser da boca para fora. É preciso ter, o tempo inteiro, um nível de alerta com você mesmo. Você precisa ajudar o seu corpo a combater, com a rádio e a quimioterapia, aquelas células inimigas.

Batia desespero, autopiedade, vontade de ficar largada na cama?

Sim. Tinha hora em que eu ligava o chuveiro, deitava embaixo e chorava muito. É natural que isso aconteça. Mas você tem que acreditar de verdade. Eu dizia 'vou aguentar'. Nunca imaginei que a doença seria maior do que eu.

Diferentemente de outras pessoas públicas, você revelou a doença, tanto em 2001 quanto agora. Por quê?

Nunca dá certo tentar esconder. A verdade é voadora, soberana. O que eu já vi de gente tentando fazer coisas escondidas dos mais variados tipos, problema financeiros, de saúde, mas sempre dá errado. Duas pessoas sabendo de alguma coisa já é uma multidão.

Mesmo você falando, há espaço para especulações. Eu contei foi assim, assado, estou assim Se eu escondo, a bolha seria enorme. A verdade é o caminho mais curto. Dá menos trabalho.

Desta última vez, você só contou após retirar o tumor. Por quê?

Eu já tinha planejado uma semana de férias, ia viajar, então aproveitei para ser operada. Trabalhei até sexta, me internei e fiz a cirurgia. No quinto dia, fui para casa. Voltei ao trabalho, mas tive falta de volume de ar. Frases longas, por exemplo, eram difíceis. Deixei passar o período crítico e aí contei ao público.

Você não se perguntou "por que eu de novo?"

Eu fumei por tanto tempo, é previsível. Foi minha culpa. Quer dizer, não é questão de culpa, é vício. Sou viciada em nicotina, como um drogado ou um alcoólatra.

Você é formada em biologia e é muito religiosa. Tentou algum tratamento alternativo?

Eu não acredito que você possa servir a dois senhores, usar dois chapéus. Quando eu tive o segundo câncer, o mais pesado, chegavam ideias, tratamentos milagrosos de todos os lados. Se eu dividisse minha força, eu enfraqueceria o tratamento, porque bagunçaria a minha cabeça e o meu organismo. Você precisa acreditar em uma coisa e seguir por ela. Não dá para tomar garrafada da Amazônia e fazer quimioterapia ao mesmo tempo.

E você procurou informações na internet, tentou saber de novas opções de drogas no exterior?

Não adianta ler todas as bulas nem ficar vasculhando a internet, onde tem muita porcaria. Você tem que se entregar, de corpo e alma, a quem está te tratando.

Que balanço você faz desse sofrimento todo?

Eu só melhorei depois do câncer. Sou muito exigente com as coisas, passei a ser mais complacente. Você valoriza mais a vida.

Cada vez que eu falo sobre isso faz com que eu me lembre que eu só tenho hoje. A gente esquece disso, de que é preciso ser feliz agora, porque amanhã você não sabe.