A ciência vai vencer a luta contra o câncer?

A ciência vai vencer a luta contra o câncer?

Há mais de um século, cientistas compartilham a tentativa de entender um pouco mais o câncer. Nenhum outro conjunto de doenças foi tão estudado e pesquisado. Levantamento mostra que de 2012 a 2014 foram publicados 305.858 artigos científicos sobre câncer. Cientistas, médicos e a indústria farmacêutica apontam três caminhos: imunoterapia (quando o sistema imunológico é fortalecido para combater os tumores), terapia-alvo (que vai direto nas células anormais e preserva as saudáveis) e manipulação de DNA. Alguns estudos põem ênfase também em prevenção e sugerem mudanças no estilo de vida.

A Folha reuniu histórias de pessoas que superaram a doença. E promoverá, nos dias 29 e 30 de março, em São Paulo, seminário com especialistas para discutir o assunto. A medicina vencerá essa guerra? Cientistas afirmam que, se for possível fazer do câncer uma doença controlável como a Aids, o que pode acontecer em algumas décadas, a batalha estará praticamente ganha.

Polêmicas

Cientistas são céticos sobre 'pílula da USP', mas há defensores do seu uso

DÉBORA MACHADO ANDRADE
ESPECIAL PARA A FOLHA, DE OXFORD

A existência de uma pílula milagrosa, capaz de curar todos os tipos de câncer, é vista com muita desconfiança pela comunidade científica internacional. A razão é que existem quase 200 tipos de câncer, cada um com diferentes mecanismos.

É por isso que existe tanto ceticismo com relação à "fosfo", como é conhecida a "pílula do câncer" desenvolvida por pesquisadores da USP de São Carlos, interior de SP.

"Se essa droga supostamente funciona em todos os cânceres, como cientista eu diria: pode me explicar como?", diz Steve Jackson, professor da Universidade de Cambridge, no Reino Unido.

Ele é inventor da droga anticâncer olaparibe (comercializada em 15 países sob o nome LynparzaTM e que aguarda aprovação no Brasil).

"A triste verdade é que é improvável que [a fosfoetanolamina] seja milagrosa", escreveram os editores da revista científica "Nature".

Fato: os primeiros testes de caracterização e síntese da "pílula do câncer", divulgados no último dia 21, mostram baixo grau de pureza e pouco ou nenhum efeito sobre células tumorais. Os resultados foram divulgados pelo Ministério da Ciência e Tecnologia.

A droga ainda passará por estudos clínicos conduzidos com a participação do Icesp (Instituto de Câncer do Estado de São Paulo Octavio Frias de Oliveira). "Espero ter algumas respostas nos próximos seis meses", diz Paulo Hoff, diretor do instituto.

Alexandre Rezende/Folhapress
João Vianei Lopes, diagnosticado há seis anos com linfoma não-Hodgkin, na igreja Matriz de Biguaçu
João Vianei Lopes, diagnosticado há seis anos com linfoma não-Hodgkin, na igreja Matriz de Biguaçu

A Câmara dos Deputados e o Senado já aprovaram um projeto de lei que permite que todos os pacientes de câncer tenham acesso à substância.

O Canadá também vive o fenômeno de uma "pílula do câncer". Chama-se dicloroacetato de sódio (DCA) e surgiu a partir de pesquisa na Universidade de Alberta.

O DCA é usado há anos para tratar doenças metabólicas raras. O grupo canadense descobriu que ele teria potencial antitumoral em uma vasta gama de cânceres.

A descoberta foi em 2007. O oncologista Akbar Khan, de Toronto, disse à Folha que um de seus pacientes, com câncer em estágio avançado, propôs o DCA como alternativa. Ele revisou o estudo da equipe de Alberta e decidiu dar a droga a seus pacientes.

Após longo processo judicial, ficou determinado que médicos poderiam prescrever o DCA, desde que o paciente já tivesse esgotado as possibilidades de tratamento convencional. "Observamos alguma melhora em dois terços dos pacientes", diz Khan.

O uso de um medicamento que ainda não passou por testes clínicos em pacientes que esgotaram as possibilidades da medicina é chamado de uso compassivo.

"A Anvisa e o Ministério da Saúde deveriam facilitar o acesso ao uso compassivo de produtos que já têm algum tipo de embasamento clínico", diz Hoff, diretor do Icesp.

"Nossa legislação está exageradamente burocrática."

Não se pode ainda enquadrar a "fosfo" na categoria de uso compassivo porque ela não tem embasamento clínico provado, explica Hoff.

Ele lembra ainda que nos EUA cerca de 85% dos pacientes oncológicos fazem uso de alguma terapia alternativa por conta própria. "Essa é uma realidade do mundo inteiro. É preciso que o médico tenha uma cabeça aberta para discutir isso", diz.

No Canadá, segundo Khan, muitos médicos além dele prescrevem o DCA. Preferem não assumi-lo publicamente por medo de processos judiciais e julgamento de colegas.

"O juramento de Hipócrates, 'acima de tudo, não causar mal', foi substituído por 'acima de tudo, não ser processado'", afirma Martin Winer, jornalista de Toronto e ativista do uso compassivo.

Ele organiza uma petição pedindo a desburocratização do uso do DCA, que conta com milhares de assinaturas.

Para os pacientes, a possibilidade de sucesso de uma droga experimental, ainda que pequena, representa uma chance.

O ex-motorista de caminhão João Vianei Lopes, de Biguaçu, no interior catarinense, fundador da Associação dos Amigos e Pacientes de Câncer de Santa Catarina, desabafa: "O que nós queremos é ter acesso à esperança, o paciente de câncer vive de esperança".

Vianei, diagnosticado há seis anos com linfoma não-Hodgkin, também organiza uma petição com milhares de assinaturas pela liberação da "fosfo". "Agora vamos lutar pela aprovação [da fosfoetanolamina] no Senado... E vamos conseguir."

O debate sobre o uso compassivo não é trivial. Para Adrian Harris, professor da Universidade de Oxford, há mais danos que benefícios.

"Mesmo que você já tenha tentado cinco quimioterapias diferentes, ainda terá uma chance maior com uma droga que está no mercado e já se mostrou eficaz do que com uma que não foi testada. Apoio que todos tenham acesso a drogas aprovadas."

Jackson, de Cambridge, discorda: "Se você é paciente de câncer e só tem alguns meses de vida, a situação é diferente. Eu jamais poderia dizer a essas pessoas se elas devem ou não tentar algo".

Os pesquisadores ouvidos pela reportagem são unânimes em defender um apoio maior para os estudos clínicos para acelerar a pesquisa do câncer.

"Tentamos colocar o paciente em estudos clínicos o mais cedo possível", diz Harris, que se orgulha em dizer que no Reino Unido em torno de 10% dos pacientes com câncer estão participando de algum estudo clínico.

Nos EUA, a meta é de cerca de 5% dos pacientes. O Brasil, no entanto, tem hoje menos de 1%, lamenta Hoff.