A ciência vai vencer a luta contra o câncer?

A ciência vai vencer a luta contra o câncer?

Há mais de um século, cientistas compartilham a tentativa de entender um pouco mais o câncer. Nenhum outro conjunto de doenças foi tão estudado e pesquisado. Levantamento mostra que de 2012 a 2014 foram publicados 305.858 artigos científicos sobre câncer. Cientistas, médicos e a indústria farmacêutica apontam três caminhos: imunoterapia (quando o sistema imunológico é fortalecido para combater os tumores), terapia-alvo (que vai direto nas células anormais e preserva as saudáveis) e manipulação de DNA. Alguns estudos põem ênfase também em prevenção e sugerem mudanças no estilo de vida.

A Folha reuniu histórias de pessoas que superaram a doença. E promoverá, nos dias 29 e 30 de março, em São Paulo, seminário com especialistas para discutir o assunto. A medicina vencerá essa guerra? Cientistas afirmam que, se for possível fazer do câncer uma doença controlável como a Aids, o que pode acontecer em algumas décadas, a batalha estará praticamente ganha.

Depoimentos

'É preciso aprender a falar sobre câncer', diz criador de ONG que ajuda pacientes

Itai Aviran/Folhapress
Benjamin Corn, 55, oncologista e criador da ONG Life's Door

(...) Depoimento a
MICHELLE HEYMANN
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM TEL AVIV

Benjamin Corn, 55, moldou sua vida ao redor do câncer depois que o pai foi vítima da doença quando ele tinha 11 anos. Decidiu ser oncologista e criou a ONG Life's Door para ajudar pacientes com câncer e seus familiares.

Quando eu tinha 11 anos, minha vida mudou. Meu pai morreu de câncer de próstata e foi muito traumático para mim. Era a década de 70 e meus pais esconderam a doença. Diziam que ele estava em viagens de trabalho toda vez que ia ao hospital.

Ele ficou doente por cerca de dois anos. Mais ou menos uma semana antes do fim, eles perceberam que a morte estava próxima e sabiam que tinham que contar para mim e meus irmãos.

Meu pai sempre foi um homem atlético, mas quando o vi no hospital, estava desfigurado. Seus braços e pernas pareciam palitos frágeis, porque ele perdeu muito peso.

Recebemos a notícia durante o Pessach, a páscoa judaica. O telefone começou a tocar sem parar no meio do jantar e já sabíamos que era o hospital ligando para falar que meu pai morrera.

Minha mãe atendeu e lhe disseram: "Senhora Corn, seu marido faleceu, podemos fazer a necropsia?". Foi tudo o que falaram. Só queriam saber se podiam remover os órgãos para os patologistas analisarem. Foi extremamente traumático. Eu me senti abandonado.

Não sabíamos o que fazer. Meu pai teve um tratamento excelente no Hospital Memorial Sloan, mas lá ninguém sabia como se relacionar com ele emocionalmente.

Ninguém sabia o que fazer, porque não se falava de câncer. Até hoje não se fala muito de câncer. Vivemos em uma sociedade onde não se fala de doenças. Nos filmes e novelas, todos são saudáveis e criamos uma expectativa de que precisamos ser assim. É um tabu na nossa sociedade.

Então, aos 11 anos, pensei: isso precisa ser consertado. Eu achava que o problema era só o câncer. Então, decidi virar um médico especialista em câncer de próstata.

Fui para a faculdade de medicina da Universidade de Boston, fiz residência na Universidade da Pensilvânia e fui treinado para ser um oncologista. Comecei a publicar e fazer pesquisas na área. Até que percebi que o problema não era o câncer, mas as pessoas. O que me interessava era por que os pacientes eram tratados com frieza e distância.

Temos que moldar nosso discurso para a nossa audiência. Não se deve falar com um paciente como se fala com outros médicos. Mas a maioria dos médicos não entende a necessidade dessa adaptação de discurso. Precisamos ajustar o tom, as palavras que usamos. E é preciso escutar.

Ninguém quer estar no departamento de oncologia. Mas estão aqui. E estão assustados. Então temos que ajudar. No hospital, mantemos um ambiente aconchegante e temos que ser sensíveis. O paciente precisa saber que temos o conhecimento de como tratá-lo, mas precisa também saber que nos preocupamos com ele, porque ele tem medo. Medo de morrer, da dor e de ser abandonado.

Eu acho que o modo de solucionar o medo dos pacientes é criando esperança. Quando eu digo esperança, não é para a cura. É para ajuda-los a superar seus medos, pensando em como atingir metas que eles criaram para a vida.

Eu até diria que a esperança é uma emoção muito mais humana que o amor. O amor dá para encontrar no mundo animal, ao ver como eles se relacionam. A esperança requer que pensemos sobre o futuro. E só humanos conseguem pensar adiante, planejar o futuro.

Logo depois que viemos para Israel, eu e minha mulher, Dvora, -que é terapeuta familiar- criamos o Life's Door. O objetivo da ONG é discutir com todos do círculo social do paciente como acrescentar significado à vida deles e à dos doentes.

Se as pessoas fossem treinadas para conversar em 1972, a primeira coisa que teriam me ensinado seria que não há motivo para a vergonha, porque eu não fiz nada de errado. Mas eu era envergonhado e fechado. Eu fazia de conta que nada tinha acontecido, meus amigos faziam de conta que nada tinha acontecido, e não falávamos sobre isso. O maior problema ainda é que ficamos desconfortáveis com essa notícia e não se fala sobre câncer.