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Espigões dão ar comportado à boemia do Baixo Augusta

Adriano Vizoni/Folhapress

PHILIPPE SCERB
ISMAEL PFEIFER
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Cinco novos empreendimentos se espremem nos 400 metros da rua Paim, na Bela Vista. Há dez anos, quem andava por ali via uma paisagem bem diferente, marcada pelos cortiços típicos da região do Baixo Augusta.

A mudança começou a partir de 2009, quando as construções velhas deram lugar a modernas torres residenciais de um ou dois dormitórios, habitadas por pessoas vindas de todas as regiões de São Paulo, em busca de boa localização e proximidade com a agitação noturna das ruas Augusta e Frei Caneca.

Os novos empreendimentos reúnem apartamentos em sua maioria com menos de 50 m², que incluem uma série de comodidades -uma novidade para a região. O Vision Paulista (a partir de R$ 492 mil), da Gafisa, por exemplo, tem até camareira e 'dog walker' para levar os cachorros para passear. O Urbe Paulista, da AAM com Carlu, tem spa e piscina coberta (a partir R$ 383 mil).

Quem viu toda a mudança acontecer, estranha. Moradora do edifício 14 Bis (o famoso "treme-treme") há 43 anos, a copeira Fátima Teixeira, 44, observa que a vizinhança mudou bastante nos últimos anos. "São pessoas de classe social mais favorecida", afirma. Além disso, o aluguel aumentou e o trânsito ficou ainda mais intenso.

Mesmo assim, acredita que as coisas melhoraram: "A oferta de serviços cresceu e a segurança hoje é maior", diz.

Para José Paim de Andrade, presidente da incorporadora MaxCasa, responsável por um dos empreendimentos da rua Paim, o MaxHaus, os novos moradores são solteiros ou jovens casais "que querem usufruir do entretenimento do bairro".

Marcelo Ginsberg, presidente da Incorporadora Arquiplan, responsável pelo Augusta Hype Living, completa: "Trata-se de um público que gosta da cultura alternativa, da boemia".

BOEMIA AMEAÇADA

Foi graças às casas noturnas abertas em meados dos anos 2000, aliás, que segmentos da classe média e alta voltaram a frequentar a região do Baixo Augusta, antes desvalorizada.

Agora, no entanto, a identidade hipster e boêmia que hoje atrai moradores pode estar ameaçada.

Segundo Felipe Pelissardo, publicitário e pesquisador de comportamento da agência de tendências Box1824, a valorização do mercado imobiliário deverá impossibilitar a sobrevivência dos bares e festas que construíram a personalidade da região. "Muitos já tiveram que fechar, pois o aluguel tem aumentado em ritmo acelerado", diz.

Foi o caso da casa noturna Vegas, aberta em 2005. "Ela foi vítima do seu próprio sucesso. A balada foi responsável por trazer a classe média de volta à Augusta, mas fechou em 2012 em decorrência da valorização imobiliária à qual ela mesmo contribuiu", diz o pesquisador.

Renata Passos, 25, professora, mora na região há cinco anos e vê com preocupação a redução da diversidade de público que a frequenta. "O perfil das pessoas que moram e se divertem aqui mudou bastante. Alguns dizem que aqueles que estão vindo para cá são atraídos pelo perfil do bairro, mas parece que eles não aceitam o Baixo Augusta como ele é."

Adriano Vizoni/Folhapress
Prédio novo divide paisagem com antigo na rua Caio Prado
Prédio novo divide paisagem com antigo na rua Caio Prado

MINHOCÃO INIBE PRÉDIOS AO SEU REDOR

O entorno do Minhocão, o elevado Costa e Silva, que corta a região central de São Paulo desde os anos 1970, é o trecho com a menor oferta de novos imóveis no centro.

Enquanto em áreas mais nobres de Bela Vista, República e Consolação a oferta supera as 500 unidades recém-entregues ou em construção, o bairro de Campos Elíseos tem 103 apartamentos à venda, e Santa Efigênia -onde fica a cracolândia-, 64, menos de um quinto que áreas com maior demanda, segundo a consultoria imobiliária Geoimovel.

"O Minhocão criou uma cicatriz profunda na região. Ali você tem poluição visual e do ar, ruído, insegurança, tudo concentrado naquele corredor de concreto. É natural que os empreendimentos fujam disso", resume a arquiteta e urbanista Adriana Levisky.

Além da menor oferta, a região sofre com desvalorização. O metro quadrado nos Campos Elíseos sai em média por R$ 10.390, 28% a menos do que em Santa Cecília. Em Santa Efigênia, o valor é de R$ 10.360, 14% mais baixo do que na República.

Colado ao Minhocão, o Cosmopolitan Santa Cecília, lançado pela incorporadora Mac, na rua Helvétia, tem estúdios de 36 m² vendidos a partir de R$ 375,8 mil.

Em Santa Efigênia, na rua Vitória, é possível morar em uma unidade de 141 m² do Urban Resort, da incorporadora Helbor, por R$ 415 mil.

CÍRCULO VIRTUOSO

O diretor comercial da incorporadora Setin, João Mendes, diz acreditar que mesmo para as áreas hoje mais deterioradas a chegada de novos empreendimentos tende a criar um círculo virtuoso, que vai melhorar a oferta de serviços e a própria segurança.

"Entregamos um edifício a cem metros do Minhocão e não tivemos dificuldade para vender os imóveis. A expectativa é que empreendimentos similares ajudem a requalificar aquele espaço", afirma Mendes.

Bruno Vivanco, vice-presidente comercial da incorporadora Abyara, que tem um condomínio do programa Minha Casa, Minha Vida na região, afirma que a demanda no centro é grande.

"O centro tem um trecho muito demandado por solteiros, casais sem filhos e idosos, uma área que vai do parque D. Pedro 2º em direção à avenida Paulista", constata Bruno Vivanco, vice-presidente comercial da incorporadora Abyara.

Para o vice-presidente do Sinduscon-SP (entidade da construção), Maurício Bianchi, a solução para tornar a região mais habitável só virá a médio prazo.

Segundo ele, é necessário um projeto que associe programas sociais para abrigo de moradores de rua, uma solução urbanística para o Minhocão e um programa incentivado de "retrofit"-técnica de renovação de prédios antigos-, que recuperaria e poderia tornar comercializáveis imóveis hoje abandonados nessas áreas da cidade.

"Isso atrairia de volta as famílias, o que seria a melhor forma de consolidar a recuperação", diz Bianchi.