Guerra às drogas

Sem controle, esquadrões da morte fazem o dobro de vítimas da polícia

Câmeras de vigilância das ruas de Manila registram a cena: motociclistas em roupas civis, de capacete ou mascarados, apeiam, atiram, montam de novo e vão embora.

Não parecem se intimidar com a possibilidade de serem filmados. "É como se matassem galinhas", diz Rubi, moradora de Tondo.

Para entidades de direitos humanos e membros da igreja filipina, os pistoleiros são organizados, treinados e até patrocinados pela polícia filipina.

Duterte, que no final de novembro ameaçou matar ativistas se sua pressão reduzisse o esforço contra as drogas, já declarou: "Se os criminosos estão sendo mortos aos milhares, isso não é problema meu. Meu problema é cuidar dos que seguem a lei. Não tenho como controlar os vigilantes, não sou deus".

Vídeos de câmeras das ruas de Manila mostram motociclistas mascarados levando à força homens que depois apareceram mortos e registram dois cadáveres sendo deixados em frente a uma escola.

Na internet, há vídeos em que supostos assassinos de aluguel dizem ter matado viciados e traficantes a pedido de credores ou de criminosos, e o jornal britânico "Guardian" ouviu oficiais da polícia que, sem se identificaram, disseram fazer parte de esquadrões da morte patrocinados pelo governo.

Em vários dos assassinatos sem autor conhecido, ao lado do cadáver é deixado um cartaz com frases antidrogas, como "Não seja um traficante como ele".

Em outros, os matadores "empacotam" o corpo de suas vítimas com fita adesiva, muitas vezes enrolando todo o rosto.

"Para que embrulhar os corpos, colocar plásticos, fita adesiva? Isso não é o trabalho da polícia. Um tiro já resolve. Embrulhar é perda de tempo", ironizou Duterte, ao responder em agosto sobre a ligação entre tais mortes e a polícia nacional.

Ezra Acayan - 21.set.2016/Reuters
COVERAGE OF SCENES OF INJURY OR DEATH Funeral workers remove the masking tape wrapped around the head and the wrists of the body of a man, who police said is a victim of drug related vigilante execution in Manila, Philippines September 21, 2016.
Vitima de esquadrão da morte em Manila

Para opositores, no entanto, o objetivo poderia ser queima de arquivo, para esconder envolvimento dos próprios policiais no tráfico de drogas.

De 1º de julho, quando Duterte tomou posse, a 3 de dezembro, os chamados vigilantes já haviam deixado ao menos 3.841 vítimas nas Filipinas, quase o dobro dos mortos por policiais.

Em entrevistas à Folha, o diretor para a Ásia da Human Rights Watch, Phelim Kine, e o padre Amado Picardal dizem ver muitas semelhanças entre as mortes "de autoria desconhecida" e as cometidas por esquadrões da morte na região de Davao, que foi governada por Duterte.

Ambos atribuem a responsabilidade por essas mortes ao presidente e sua polícia.

"As execuções extrajudiciais aumentavam toda vez que ele assumia o poder e caíam quando ele saía", diz Picardal, que viveu 16 anos em Davao quando Duterte era prefeito.

O padre cita também o testemunho de Edgar Matobato, que afirmou em comissão no Senado ter assassinado suspeitos cumprindo ordens da família Duterte.

Segundo ele, o então prefeito teria ordenado mais de 1.000 execuções, das quais cerca de 50 teriam ficado a cargo de Matobato. Duterte diz que o testemunho é falso, mas já chegou a se gabar de ser "o próprio esquadrão da morte".

Damir Sagolj - 18.out.2016/Reuters
Children sleep on a square near a church in Manila, Philippines early October 18, 2016. People who have been spending their nights outside the church for a long time, say there are more people joining them since the beginning of the country's war on drugs. REUTERS/Damir Sagolj.
Com medo de serem mortas, crianças dormem em frente a igreja de Manila

Para Kine, outra evidência é que os alvos dos vigilantes são pessoas que fazem parte da lista de envolvidos com drogas (que o governo chama de "drug personalities").

Na primeira noite de novembro, seis homens encapuzados mataram com dezenas de tiros quatro homens e uma mulher que faziam uma festa em Addition Hills, Mandaluyong (Grande Manila). A Folha acompanhou três dos velórios: os cadáveres tinham vários furos de balas nos braços, como se estivessem tentando se defender.

Na sala em que morreram, foram encontradas cápsulas de pistolas 9 mm (a mesma arma das forças policiais). Irmão de um deles, Júnior (nome fictício) escapou por pouco, ao se atrasar dez minutos para carregar o celular.

Segundo ele, que diz ser ex-viciado em shabu, a corretora de imóveis Jennifer, única mulher do grupo, havia recebido a comissão de uma venda e convidara os colegas para comemorar. Parentes dizem que os 200 mil pesos da vítima sumiram.

Como os suspeitos não foram ouvidos em inquérito ou julgamento, não é possível nem saber se eles tinham envolvimentos com algum tipo de crime, afirma o ativista.

Em 7 de outubro, relatório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (Acnud) ressalta que os bairros pobres têm sido desproporcionalmente afetados na operação antidrogas filipina.

"A guerra contra as drogas é, na verdade, uma guerra contra os pobres. Basta olhar o perfil das vítimas. É um uso brutal e abusivo de violência extrajudicial", diz Kine.

Ana Estela de Sousa Pinto - 3.11.2016 / Folhapress
velorio de Jenifer o Discargar, morta com outros quatro suspeitos em operacao da polícia na barangay Addition Hills, em Mandaluyong, na regiao metropolitana de Manila; segundo moradores do local, Discargar, que era corretora de imóveis, havia ganhado 200 mil pesos em uma venda, dinheiro que desapareceu.
Velório de Jennifer Discargar, morta por grupo de extermínio

"Os cadáveres vão continuar se empilhando", prevê o padre Picardal, que conhece de perto o atual presidente. "Ele é obcecado com drogas. A ordem é matar os viciados, porque eles são irrecuperáveis, ou apavorá-los até que parem. Mas a dependência não desaparece porque alguém está apavorado. Eles podem até se render, mas o vício não some."

Segundo o padre, o fato de que menores não podem ser presos nas Filipinas os torna alvos certos das execuções extrajudiciais. Em Davao, 132 deles foram vítimas dos grupos de extermínio.

A legislação atual já prevê prisão entre 15 e 17 anos em casos específicos, mas há no Congresso projetos que pretendem baixar a responsabilidade criminal para até 9 anos de idade e reinstaurar a pena de morte no país.

Vincent Go / Folhapress
Corpo de adolescente de 15 anos morto em operação antidrogas em Parola, Tondx
Corpo de adolescente de 15 anos morto em operação antidrogas em Parola, Tondo