Guerra às drogas

Equipes de polícia competem pelo maior número de mortos e presos

Policemen try to maintain order outside a house in which five people were killed in Manila, Philippines early November 1, 2016. According to police and witnesses, unknown masked gunmen killed five people inside a house that is a known drug de Damir Sagolj - 1º.nov.2016/Reuters
Policiais tentam conter moradores após a morte de cinco pessoas numa mesma casa

"Estamos nesta guerra em nome das nossas crianças, e não pelo dinheiro", diz o comandante da Estação de Polícia 1 de Manila (PS1), Redentor Ulsano, antes que a Folha lhe fizesse qualquer pergunta.

A manobra defensiva tem endereço: críticas frequentes de que a polícia filipina comete excessos e afeta inocentes ao competir pelo maior número de "neutralizados" (o que inclui mortos e presos) e pelo maior volume de drogas apreendidas apenas para ganhar recompensas.

O site da PIA (Agência Filipina de Informação) mostra o presidente Duterte premiando pessoalmente equipes com melhor performance.

Quando repórteres lhe perguntaram se recompensas em dinheiro não provocariam uma corrida assassina, ele optou por uma resposta indireta: "Não foram os filipinos que inventaram isso. Foram os xerifes do Velho Oeste americano, com seus cartazes de 'Recompensa, Atire para Matar' ".

Vincent Go - 2.nov.2016/Folhapress
O comandante da a Estação de Polícia 1 de Manila, Redentor Ulsano, em sua sala
O comandante da a Estação de Polícia 1 de Manila, Redentor Ulsano, em sua sala

Ulsano, pai de quatro filhos entre 3 e 12 anos, se orgulha de chefiar a estação com o maior número de rendidos, cerca de 2.000, e de fazer 160 prisões por mês.

Ele descreve como atuam os 300 homens sob seu comando:

"Nosso policial recebe um torpedo avisando que tal ou tal sujeito continua vendendo drogas. Ele se passa então por comprador e dá voz de prisão em flagrante quando a negociação se concretiza. A prioridade é prender. Mas, se há reação, temos que atirar."

De julho (posse de Duterte) ao começo de novembro, quando foi entrevistado pela Folha, 26 suspeitos haviam sido mortos por seus homens. Só um policial foi ferido, com um tiro nos quadris. "Vaso ruim não quebra", diz Ulsano, rindo.

O comandante afirma que as ações policiais nas ruas procuram desincentivar a procura pelas drogas, um dos três braços da Double Barrel —nome de armas que têm canos duplos e que identifica a guerra às drogas oficial.

Os outros dois braços são a redução da oferta —com a prisão de traficantes e a destruição de laboratórios— e o controle interno —para livrar a própria PNP de policiais traficantes ou corruptos.

Desde o final de outubro, a Folha tentou sem sucesso obter da polícia filipina dados atualizados sobre esses outros ramos da Double Barrel.

O braço mais visível continua sendo o das investidas policiais, quase sempre em regiões pobres das cidades.

Erik De Castro - 9.nov.2016/Reuters
Homem e criança olhar por uma janela gradeada, de dentro de um pequeno mercado, um policial mascarado que faz operação na rua
Operação policial em Pasig, na Grande Manila

Na barangay 126, Santa Cruz, na Grande Manila, moradores contam que o chefe do bairro prendeu e entregou ao governo todos os moradores que ele sabia estarem envolvidos com shabu, para evitar as operações antidrogas.

O objetivo foi evitar as mortes, principalmente os chamados "efeitos colaterais", em que inocentes acabam mortos.

Em Sampaloc, também em Manila, o chefe da barangay procurou todos os envolvidos de drogas e sugeriu que eles se mudassem de lá, ou seus nomes seriam passados à polícia, diz o motorista de Uber Matias (nome fictício).

A pressão policial já resultou em 835 mil surrenderers (pessoas que assinaram confissões e se submeteram a processo ou vigilância).

Segundo a polícia, são os que não se renderam ou continuam envolvidos com drogas os principais alvos das operações.

Mas entidades como o Centro Filipino de Jornalismo Investigativo (PCIJ, na sigla em inglês) afirma que a polícia têm inflado seus números obrigando cidadãos comuns a assinar confissões de envolvimento com drogas.

Reprodução
Cenas de operação da polícia para obter confissões de envolvimento com drogas.
Site jornalístico registra operação para obter confissões de moradores

Vídeo e fotos publicadas pelo site noticioso "Rappler" mostram a polícia conduzindo na noite de 26 de setembro cerca de 30 homens à delegacia para que assinassem formulários em que reconheciam ter informações sobre drogas e se rendiam para investigações.

Entre eles estava o pintor Alan Almeida, que se recusou a assinar os papeis. Entrevistado pelo site, Almeida, que até então queria se tornar policial, diz que mudou de ideia depois de ver seus vizinhos coagidos a admitir algo do qual não tinham culpa.

Num país em que o basquete é o esporte nacional —uma herança dos anos de colonização norte-americana—, as quadras presentes em quase todas as comunidades acabaram se transformando em locais de detenção.

Policiais reúnem ali dezenas de homens e os levam depois para averiguação —em Quezon, na Grande Manila, em uma única tarde 143 homens foram detidos para possível confissão.

Ted Aljibe - 9.nov.2016/AFP
Dezenas de homens são reunidos em uma quadra de basquete em Manila e aguardam sentados no chão, vigiados por policiais, em operação contra as drogas.
Moradores de uma área de ocupação irregular são reunidos para averiguação

Os números estão muito subestimados. Os assassinatos continuam acontecendo sem controle, em números de dois dígitos todos os dias

Phelim Kine, diretor para a Ásia do Human Rights Watch