Funcionários usam gruas para checar mercadorias no depósito da Receita Federal em São Paulo

Funcionários usam gruas para checar mercadorias no depósito da Receita Federal em São Paulo (Eduardo Knapp/Folhapress)

A escalada do contrabando

Comércio ilegal sofistica sua logística e se expande prejudicando a indústria, os cofres públicos, o bolso e até a saúde do consumidor

Capítulo 2
Fronteiras abertas

Drogas e armas são oferecidos na avenida principal de Ciudad del Este

Não é difícil comprar produtos ilegais, mas repressão cresce na Tríplice Fronteira

Carro com cigarros contrabandeado é apreendido em operação da Policia Federal no Paraná (Bruno Santos/Folhapress)

Carro com cigarros contrabandeado é apreendido em operação da Policia Federal no Paraná (Bruno Santos/Folhapress)

Marcelo Toledo Bruno Santos
CIUDAD DEL ESTE

"Drogas e armas", sussurra um paraguaio às 9h30 de uma sexta, logo na primeira avenida de Ciudad del Este.

Na via, entregadores de panfletos de lojas dos mais variados segmentos, especialmente eletrônicos, também oferecem entorpecentes, armamentos e munições, cada vez mais apreendidos pela fiscalização brasileira.

No ano passado, a PRF (Polícia Rodoviária Federal) apreendeu no Paraná e em Mato Grosso do Sul 360 armas, ante 202 do ano anterior. Foram encontradas também 58.830 munições, 74,9% mais que as 33.639 de 2016.

Já neste ano, em fevereiro, numa ação com participação da Receita Federal, foram achados sete fuzis, 50 quilos de maconha e o equivalente a US$ 100 mil em cigarros.

Nas ruas da cidade paraguaia, esses itens contrabandeados não ficam expostos como as roupas, os brinquedos e os eletrônicos, mas são encontrados com o auxílio de entregadores de panfletos –muitos deles brasileiros.

Se comprar produtos ilícitos não chega a ser tarefa árdua na Tríplice Fronteira, fazer a mercadoria chegar ao destino final no Brasil requer malabarismo e sorte dos laranjas do crime organizado.

PARCERIAS

Apesar do baixo efetivo dos órgãos de fiscalização, ações de repressão cada vez mais têm sido feitas em conjunto entre os setores envolvidos, o que significa que numa dessas grandes blitze a chance de ser parado é maior.

Além da PRF, Polícia Federal, Receita, Força Nacional e BPFron (Batalhão de Polícia de Fronteira), da PM paranaense, têm atuado em parcerias nas estradas vicinais, ao longo da BR-277 e nos três postos de fiscalização num trecho de 50 quilômetros.

Maconha apreendida em operação policial em Foz do Iguaçu, na fronteira com o Paraguai
Maconha apreendida em operação policial em Foz do Iguaçu, na fronteira com o Paraguai - Bruno Santos/Folhapress

"Temos nos unido para fazer operações maiores, que sejam repressivas e auxiliem a combater o descaminho", diz o auditor fiscal Vagner Diogo de Souza, chefe da equipe de repressão da Receita.

Numa dessas operações, acompanhada pela Folha, dois ônibus foram levados até a delegacia da Receita repletos de contrabando. Todos os passageiros eram laranjas.

"É comum o verdadeiro dono da mercadoria pagar R$ 100 para laranjas viajarem só para tentar passar as mercadorias. Você olha e vê que elas são todas iguais, só divididas em pequenos kits para tentar enganar."

Sozinho num carro velho, Romualdo Garcia transportava equipamentos fotográficos ocultos num fundo falso do banco traseiro, que levaria até uma cidade paranaense. Receberia R$ 150 por isso.

Flagrado, perdeu a carga e o veículo, que alegou ser do dono dos produtos.

"Nunca aconteceu comigo, faço isso toda semana. Vivo de comércio, mas preciso aumentar a renda."

Os equipamentos foram avaliados em US$ 10 mil. A cota isenta de impostos é de US$ 300, inferior a R$ 1.000.

Independentemente da cota, há itens proibidos de ingresso, como pneus, cigarros e bebidas fabricadas no Brasil e destinadas à venda no exterior, drogas, remédios, armas, bens que indiquem objetivo comercial e produtos escondidos para burlar blitze -caso de Garcia.

Minutos depois, outro motorista foi parado. No carro, havia 20 smartphones.

Operações conjuntas também têm envolvido setores distintos da PF, como Nepom (Núcleo Especial de Polícia Marítima) e GPI (Grupo de Pronta Intervenção).

Em Guaíra, no Paraná, a reportagem acompanhou ação fluvial e terrestre em busca de contrabandistas de cigarros, numa operação que, da preparação à apreensão, durou mais de 15 horas.

Após perseguição, um veículo lotado de cigarros e uma moto foram apreendidos logo após o carro ter sido carregado por barcos que cruzaram ilegalmente o lago de Itaipu. O volume apreendido foi estimado em R$ 34 mil, fora o valor dos veículos. Os contrabandistas conseguiram fugir pela mata.

A tática é padrão entre as mais de dez quadrilhas atuantes na região, que preferem perder a carga a correr o risco de ter seus homens presos.

Para tentar passar o lago à noite, contrabandistas chegam a usar "barcos-fantasmas", sem piloto, ou lanchas potentes, com até três motores. Também monitoram a rotina dos agentes, para saber quando vão iniciar os trabalhos no lago de Itaipu.

Já houve apreensões até na aldeia indígena Tekoha Marangatu, usada por paraguaios que aliciaram índios para armazenar produtos ilegais.

Comércio de Ciudad del Este, no Paraguai, na fronteira no Brasil
Comércio de Ciudad del Este, no Paraguai, na fronteira no Brasil - Bruno Santos/Folhapress

PRÓS E CONTRAS

A PF implantará em Guaíra uma nova base, que deve melhorar as condições para as operações no lago, segundo disseram agentes.

O mesmo Nepom criou há pouco mais de um ano uma base próxima à Ponte da Amizade, em Foz do Iguaçu.

"A ponte era extremamente vigiada, mas o rio estava aberto. Barquinhos passavam de dia e havia movimentação em portos clandestinos no lado de Foz, com homens armados. A base melhorou isso a custo relativamente baixo", diz Luciano Barros, presidente do Idesf (Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social de Fronteiras), que investiu na instalação.

Se antes as embarcações cruzavam os dois países perto da ponte, agora o crime migrou para outros pontos do rio, como a reportagem da Folha flagrou.

Segundo órgãos fiscalizadores, tem funcionado a integração entre as polícias dos três países, que trocam informações sobre crimes.

A falta de fiscalização aduaneira em tempo integral, porém, é vista como problema pelo Sindireceita (sindicato dos analistas da Receita).

"A repressão é a ponta do iceberg, não se espera resolver tudo com ela. O que vai resolver é desenvolvimento econômico e políticas públicas de segurança nas fronteiras. A repressão só pune o crime que está ocorrendo", afirma Barros.