Análise

O que o Brasil tem a aprender com o crescimento da China

Soldado chinês parcialmente encoberto por bandeira vermelha Jason Lee/Reuters
Soldado do Exército de Libertação Popular parcialmente encoberto por bandeira da China

RODRIGO ZEIDAN
ESPECIAL PARA A FOLHA

A China é o país mais capitalista do mundo. Não, você não leu errado. Na China a competição impera: entre cidades, regiões, empresas e mesmo entre pessoas.

Esse não é o único paradoxo no país. O partido comunista se posiciona como o herdeiro natural de um dos maiores impérios que o mundo já viu e de uma civilização que teria mais de 5.000 anos. Ao mesmo tempo, nenhuma outra instituição destruiu tantos artefatos históricos como o poder central chinês.

A população poupa muito, já que quase não há rede de proteção social no país, comunista no discurso e nas instituições, mas não na prática. O sistema financeiro tem gestão de risco ultrapassada, mas fintechs de ponta.

O budismo, em suas mais diferentes vertentes, é pacifista, embora o Exército de Libertação Popular seja a mais numerosa das forças armadas do mundo, com mais de 2 milhões de soldados.

As famílias traçam estratégias nas quais dependem o mínimo possível do Estado, mas o nacionalismo é particularmente forte entre todas as classes sociais.

As elites sempre existiram num patamar diferente do resto da sociedade, mas ainda hoje há uma forma clara e relativamente democrática de ascensão social (o "gaokao", exame de admissão para universidades e que é quase uma continuação do antigo exame imperial).

O mais importante é que o país deu um gigantesco salto, saindo de uma situação de penúria, no qual 88% das pessoas viviam em extrema pobreza em 1980, para o patamar atual de país de classe média baixa, como o Brasil.

Somente 2% vivem com menos de US$ 1,90 por dia em paridade de poder de compra, o corte para se considerar uma pessoa em condição de extrema pobreza.

Assim como no Brasil, há um grande medo: uma sociedade presa na armadilha da classe média, na qual a saída da pobreza é possível, mas o passo seguinte, verdadeiro desenvolvimento, dificil.

O objetivo dessa série de artigos, no qual esse é o primeiro de quinze, é explorar quatro dimensões: histórica, econômica, política e cultural. Os objetivos são entender o processo de desenvolvimento chinês e seu desenho contemporâneo.

Temos o que aprender com o crescimento chinês, mas muitas vezes as diferenças entre nossa história e a chinesa são muito diferentes. Mesmo nesse caso, é interessante entender as idiossincrasias chinesas.

A China contemporânea surge realmente em 1978, quando Deng Xiaoping chega ao poder e inicia um primeiro ciclo de reformas, que vai até o final da década de 1980. Nesse ciclo o país começou a redesenhar suas instituições.

O principal objetivo era desfazer as mudanças coletivistas introduzidas por Mao Tse-tung e que, no auge da megalomania chinesa, o Grande Salto para a Frente, levaram à morte dezenas de milhões.

O nosso "salto para a frente", o milagre econômico na década de 1970, também matou muita gente (a maior parte de forma indireta), mas aqui não aprendemos com nossos erros.

O segundo ciclo de reformas chinês, que continua até hoje, visa a uma globalização controlada: uma economia de mercado, integrada ao mundo, mas com características próprias.

Um dos eixos centrais desse novo modelo chinês é a intensa e desenfreada competição. Até os burocratas competem entre si: gestores locais sobem na hierarquia se atingirem metas e baterem os de outras regiões.

Claro que essas metas não necessariamente representam o melhor para a sociedade, ou para os mais pobres, muitas vezes destituídos de suas terras e pertences, mas ninguém nunca afirmou que competição só traz coisas boas.