NAÍLA BARBOSA DA COSTA
ESPECIAL PARA A FOLHA, DE BELO HORIZONTE
Rosalina Lopes, 64, já teve de encarar três vezes um diagnóstico positivo de câncer: a primeira em 2001, quando detectou tumor na mama, depois em 2005, com câncer no mediastino (região torácica), e em 2014, no cérebro.
Professora aposentada, Rosalina passou por cirurgia para retirada dos tumores além de sessões de químio e radioterapia, que provocaram diversos efeitos colaterais como enjoos e queda de cabelo. Ao mesmo tempo, tenta uma nova técnica, chamada terapia-alvo, para controlar a doença.
A terapia-alvo age diretamente nas células malignas e poupa as saudáveis, com resultados mais específicos e efeitos colaterais menos drásticos que a quimioterapia. Ela aponta o caminho para uma medicina cada vez mais personalizada, que atenda às necessidades do paciente após avaliação de como a doença se desenvolve em cada corpo.
A técnica já existe há pelo menos duas décadas, mas o progresso nos últimos anos faz dela uma boa aposta no tratamento contra o câncer em seus mais diversos tipos. Medicamentos mais efetivos e menos tóxicos compõem seu arsenal terapêutico, atuando diretamente na causa molecular do desenvolvimento e multiplicação do tumor.
"O câncer não é uma doença só, mas um conjunto de doenças caracterizadas pela proliferação celular desordenada. A quimioterapia foi desenvolvida para atacar de forma generalizada células em fase de multiplicação, com o objetivo de atingir o tumor, ao passo que a proposta da terapia-alvo é atuar em vias celulares exclusivas do tipo de câncer apresentado pelo paciente", afirma Roberto Fonseca, oncologista e presidente do conselho superior da SBC (Sociedade Brasileira de Cancerologia).
No caso de Rosalina, ela usa a droga-alvo Herceptin (Transtuzumabe), específica para pacientes com um tipo de tumor de mama agressivo, em que há alta expressão de um gene promotor do crescimento celular, o HER2.
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Alexandre Rezende/Folhapress |
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Rosalina Lopes, que enfrentou três tipos de câncer e hoje usa terapia-alvo, em clínica de Belo Horizonte |
O medicamento usado pela professora é injetável, diferentemente de outras drogas-alvo, de administração oral, e composto por anticorpos que bloqueiam o estímulo ao crescimento tumoral.
O presidente do conselho superior da SBC enxerga a terapia-alvo como complementar à quimioterapia _ela é usada isoladamente apenas em alguns casos.
"Não podemos informar à população que a cura está no tratamento-alvo, mas ele é hoje um processo que pode ser associado aos tradicionais."
A professora aprendeu a lidar com a doença e afirma que, diferentemente da quimioterapia, que lhe causou enjoos, ou da radioterapia que, por ter sido na região da cabeça, provocou queda de cabelo, o tratamento-alvo é tranquilo e ela não sente efeitos colaterais.
Marcos Portella, oncologista do Instituto Mário Penna, afirma que as drogas-alvo agem contra o tumor em um sistema semelhante ao modo como uma chave combina com sua fechadura. "O medicamento-alvo é a chave que reconhece como fechadura um receptor da célula tumoral", diz.
Apesar das vantagens, Portella afirma que é ilusório pensar que as medicações-alvo não são tóxicas. Luiz Lodi, oncologista clínico da Oncomed BH, concorda.
"Elas apresentam outros tipos de efeitos colaterais. Podem ocorrer problemas na pele, por exemplo, mas não os mesmos efeitos da quimioterapia, como queda de cabelo, enjoos, anemia e demais alterações no sangue."
A terapia-alvo possui limitações. "Na maioria das vezes, infelizmente, a célula cancerosa desenvolve resistência, e o tratamento deve ser mudado, sendo associado à quimioterapia ou administrado mais de um tipo de medicamento-alvo", afirma Fonseca, da SBC.
Além disso, as drogas têm custo de desenvolvimento elevado e esse valor se reflete no preço pago pelo paciente, já que nem sempre elas são oferecidas pelo SUS ou mesmo pelo sistema privado. Portella alerta que o SUS enfrenta um conflito entre o individual e o coletivo.
Sendo os medicamentos muito caros e restritos a um grupo específico de pessoas com a alteração genética usada como alvo, destinar recursos a eles, ainda que sejam mais eficientes, nem sempre é uma estratégia viável aos sistemas de saúde.