JOINVILLE (SC)

Policial militar assassinado em Joinville teve morte encomendada por facção

THIAGO AMÂNCIO
AVENER PRADO
ENVIADOS ESPECIAIS A JOINVILLE (SC)

Luis Roberto completou 16 anos em 28 de agosto, uma segunda-feira. Para presenteá-lo, seu pai, Joacir Roberto Vieira, 43, resolveu lhe comprar um tênis numa loja na zona sul de Joinville (SC), perto de sua casa e da base da Polícia Militar onde trabalha.

Era quase 19h, horário em que o cabo da PM começaria seu turno de trabalho, que se estenderia até as 7h da manhã seguinte. Joacir seria promovido a sargento em janeiro e faltavam seis anos para poder se aposentar. Depois disso, planejava morar com a esposa em Itapema, na praia, a 100 quilômetros dali.

Mas o plano foi interrompido quando dois bandidos acertaram, ainda de fora da loja de sapatos, dois tiros em suas pernas. Joacir chegou a tentar sacar a arma do coldre, sem sucesso. Caiu e tomou mais uma sequência de tiros nas costas. Morreu na hora.

O alvo não era ele, mas a Polícia Militar. O crime foi o resultado de uma "missão" dada a membros da facção criminosa PGC (Primeiro Grupo Catarinense): matar algum agente de segurança pública, segundo um advogado contratado pela família da vítima (o caso corre em segredo de Justiça). "Foi uma afronta da facção ao Estado", resume a delegada regional de Joinville, Tânia Harada. Cinco suspeitos estão presos, e outro morreu num confronto com a polícia.

Avener Prado/Folhapress
JOINVILLE, SC, BRASIL, 28-11-2017: Cemitério Nossa Senhora De Fátima. Escalada da violência em Joinville, cidade de 577 mil pessoas no norte de Santa Catarina. O Estado todo passa por uma crescente de violência, mas a situação em Joinville é mais alarmante. Entre 2011 e 2016, o número de mortes violentas (incluindo homicídios dolosos, latrocínios e lesões corporais seguidas de morte) cresceu 18% em Santa Catarina (de 880 para 1.037). Já em Joinville, maior cidade do Estado, 71 pessoas foram mortas em 2011, segundo a Secretaria de Segurança Pública de SC, contra 131 em 2016 --avanço de 84,5%. O cenário neste ano tende a ser ainda pior: até a última terça (28), foram 127 mortes, de acordo com a Polícia Civil. Enquanto homicídios diminuem nas capitais, violência cresce em cidades médias do interior do Brasil; série especial da Folha mostra a dinâmica das mortes em diferentes lugares do país. (Foto: Avener Prado/Folhapress, COTIDIANO) Código do Fotógrafo: 20516 ***EXCLUSIVO FOLHA***
Cemitério Nossa Senhora de Fátima, em Joinville, onde o policial militar Joacir Roberto Vieira foi enterrado

Nascido em Canoinhas, a 220 quilômetros de Joinville, Joacir vem de família de policiais: seu pai e dois dos seus quatro irmãos seguiram a mesma carreira. Serviu o Exército por cinco anos em Brasília e há 19 anos atuava como PM em Joinville, onde um irmão já trabalhava.

"Eu sempre ficava preocupada. Policial é aquela coisa, sai e tu não sabe se volta. Eu queria que ele trocasse de bairro, porque nós morávamos muito próximos. Sei lá, a gente fica meio visado. Mas ele falava: 'Eu faço meu serviço direitinho, não tem porque eu temer'", conta a mulher de Joacir, a manicure Gisele Nazário de Almeida, 37.

O casal morava com outro filho, de seis anos (o mais velho era fruto de outro relacionamento), próximo à base onde Joacir trabalhava como armeiro.

"Ele era muito atuante, foi do policiamento tático, era muito conhecido", conta o colega de profissão Elisandro Lotin. Em 2016, 33% dos policiais assassinados tinham entre 40 e 49 anos, assim como Joacir, segundo levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. "O índice de policiais mortos é maior entre os mais velhos, porque eles são conhecidos nas redondezas", explica Lotin.

Depois do crime, Gisele foi morar num apartamento menor com o filho, próximo ao centro da cidade. Só recentemente, quase três meses depois da morte do marido, a mulher conseguiu voltar a trabalhar como manicure: desenvolveu síndrome do pânico e vive a base de medicamentos. "O que a minha vida virou agora? A gente perdeu nossa estrutura, tudo desabou", desabafa.

A criança dorme ainda hoje com uma camiseta que o pai usou na véspera do atentado. "Ficou o cheiro do pai, é o conforto dele", conta. Joacir foi enterrado com uma camiseta do personagem Capitão América por baixo da farda –era visto como o super-herói pelo filho, conta Gisele. "Meu filho cada vez que vai ao cemitério coloca a camiseta do Capitão América. É triste tu ver teu filho olhar para ti com os olhos cheios de lágrima e dizer que o coração dele dói de saudade."

Avener Prado/Folhapress
JOINVILLE, SC, BRASIL, 29-11-2017: Gisele Nazário, 37, manicure, esposa de Joacir Roberto Vieira, 43, policial militar assassinado numa loja na zona sul de Joinville em 28 de agosto. Escalada da violência em Joinville, cidade de 577 mil pessoas no norte de Santa Catarina. O Estado todo passa por uma crescente de violência, mas a situação em Joinville é mais alarmante. Entre 2011 e 2016, o número de mortes violentas (incluindo homicídios dolosos, latrocínios e lesões corporais seguidas de morte) cresceu 18% em Santa Catarina (de 880 para 1.037). Já em Joinville, maior cidade do Estado, 71 pessoas foram mortas em 2011, segundo a Secretaria de Segurança Pública de SC, contra 131 em 2016 --avanço de 84,5%. O cenário neste ano tende a ser ainda pior: até a última terça (28), foram 127 mortes, de acordo com a Polícia Civil. Enquanto homicídios diminuem nas capitais, violência cresce em cidades médias do interior do Brasil; série especial da Folha mostra a dinâmica das mortes em diferentes lugares do país. (Foto: Avener Prado/Folhapress, COTIDIANO) Código do Fotógrafo: 20516 ***EXCLUSIVO FOLHA***
A manicure Gisele Nazário, 37, luta para reconstruir a vida após a morte do marido, o PM Joacir Roberto Vieira