Introdução

Mortes violentas caem nas capitais e agora aterrorizam interior do país

THIAGO AMÂNCIO
AVENER PRADO
ENVIADOS ESPECIAIS A CARUARU (PE), JUIZ DE FORA (MG), JOINVILLE (SC) E CATALÃO (GO)

Apesar de ter nascido ali, conhecer a maior parte das pessoas e participar de um conselho de segurança local, o assistente social Felipe Sales, 26, evita frequentar alguns lugares de seu próprio bairro, em Caruaru, no agreste pernambucano, uma das cidades com maior taxa de mortes violentas do país. Do grupo de 22 amigos com quem convivia na infância, 19 morreram ou foram presos.

Em Caruaru, a 134 km do Recife, o número de assassinatos explodiu neste ano: foram 242 vítimas até 17 de novembro, superando as 225 de todo o ano passado.

Avener Prado/Folhapress
CARUARU, PE, BRASIL, 14-11-2017: Outdoor na rua Nunes Machado no centro de Caruaru anúncia pistola de pressão. Em Caruaru, número de assassinatos explodiu desde 2014, ano em que a cidade registrou 137 mortes violentas. Neste ano, o número já passa de 240. Enquanto homicídios diminuem nas capitais, violência cresce em cidades médias do interior do Brasil; série especial mostra a dinâmica das mortes em diferentes lugares do país. (Foto: Avener Prado/Folhapress, COTIDIANO) Código do Fotógrafo: 20516 ***EXCLUSIVO FOLHA***
Outdoor no centro de Caruaru anuncia pistola de pressão; número de assassinatos na cidade explodiu desde 2014

A cidade acompanha tendência nacional a que especialistas em segurança pública chamam de "interiorização da violência": a onda de assassinatos tem se deslocado das capitais, tradicionalmente violentas em suas periferias, em direção a municípios menores mas também populosos.

Em 2016, por exemplo, o total de mortes violentas bateu recorde no país, com 61.158 vítimas, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública –o levantamento inclui homicídio doloso, lesão corporal seguida de morte, latrocínio e mortes decorrentes de intervenção policial.

Nas capitais, porém, houve queda acumulada de 3,5% em relação ao ano anterior, enquanto no interior os assassinatos cresceram 6% de um ano para o outro. No ano passado, 14.491 assassinatos do país ocorreram nas capitais, contra 42.933 nas demais cidades dos Estados –estes números excluem mortes em intervenções da polícia.

Para o sociólogo Renato Sérgio de Lima, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o cenário reflete um investimento maior das capitais em segurança, devido à violência alta dos anos 1990 e 2000, o que não foi acompanhado pelo interior. Nas regiões em que há crime organizado, diz, quadrilhas viram espaço para crescer em cidades menores.

É a realidade de Pernambuco. Apesar de o Estado todo viver uma escalada na violência desde 2014, após um período de queda nos assassinatos de 2009 a 2013, o cenário é bem mais grave no interior.

Recife, mesmo com os índices em crescimento nos últimos anos, saiu de 1.007 mortes violentas em 2004 para 658 em 2016, queda de 35%.

Já Caruaru, quarta maior cidade do Estado e a mais populosa entre as que estão fora da região metropolitana da capital (356 mil habitantes), teve 168 mortes violentas em 2004, contra 225 no ano passado –avanço de 34%. A cidade apresentou índice de 63,2 mortes por 100 mil habitantes, mais que o dobro da média nacional, de 29,7.

Movimento similar ocorre em Juiz de Fora (MG). Outrora pacata cidade da zona da mata mineira, com 564 mil habitantes e a 272 km da capital Belo Horizonte, viu o número de assassinatos explodir na última década. Até 2010, os homicídios dolosos na cidade ficavam na casa dos 30. Em 2012, o número atingiu 67 e, desde então, não ficou abaixo de 100: 135 morreram dessa forma no ano passado. Só até agosto deste ano, já foram 87 vítimas na cidade. Se por lá de 2012 a 2016 os assassinatos aumentaram 100%, em BH caíram 26% no mesmo período.

Na tranquila Joinville (SC), a chegada de uma facção criminosa iniciou uma guerra que fez o número de homicídios saltar 85% entre 2011 e 2016. A cidade, rica, de colonização alemã e com IDH considerado muito alto (0,809), tem taxa de 23 mortes violentas para cada 100 mil habitantes, abaixo da média nacional de 29,7, mas muito acima da taxa de 13,6 que registrava em 2011.

Catalão, no sul de Goiás, tem pouco mais de 100 mil habitantes. Mesmo assim, também sofre com a presença de facções criminosas e viu a quantidade de homicídios triplicar entre 2013 e 2016. No mesmo período, Goiânia viu o número de homicídios cair 26%.