Em país 80% católico, igreja patina para reagir aos assassinatos
Quando o número de mortos passou de 1.000, muitos olhares filipinos se voltaram para a Igreja Católica.
Presente desde que o navegador Fernão de Magalhães chegou às ilhas, em 1521, a instituição é a mais antiga do país.
Difundida pelos espanhóis, que colonizaram de 1565 a 1898 o arquipélago estratégico para o comércio com a Ásia, a religião católica permaneceu mesmo depois que o idioma dos dominadores foi dissolvido nas diferentes línguas faladas hoje no país.
A igreja sobreviveu a ocupações britânica no século 18 e japonesa no século 20 e a 50 anos de colonização americana, e foi uma das principais forças de oposição à ditadura de Ferdinand Marcos (1965-1986).
"Uma oposição efetiva aos abusos do governo tem que passar pela Igreja Católica, única instituição que permeia todo o país e está em mais lugares que o Exército", diz o analista político John Nery.
Vincent Go/Folhapress | ||
Bispo Broderick Soncuaco Pabillo lança campanha contra os assassinatos |
A Conferência Nacional dos Bispos das Filipinas condenou publicamente as mortes tanto provocadas pelas polícia quanto atribuídas a grupos de extermínio.
Presidente da conferência, o arcebispo Socrates Villegas se disse alarmado com o número crescente de suspeitos baleados por supostamente terem resistido a prisão e com relatos de que governantes estavam pagando bônus para cada suposto criminoso morto.
Mas uma recente divisão em seis partes da arquidiocese de Manila acabou enfraquecendo o poder de reação da igreja e prejudicando uma ação coordenada.
Além disso, há padres que apoiam a guerra às drogas, mesmo com as denúncias de execuções. "Pessoas estão morrendo, é verdade, mas, por outro lado, milhões estão sendo beneficiados", declarou à agência Reuters o padre jesuíta Joel Tabora, de Davao, centro político do presidente Duterte.
Um dos problemas é que as mortes estão recebendo cada vez menos divulgação, diz o bispo de Manila, Broderick Soncuaco Pabillo, que organizou manifestações contra as execuções extrajudiciais. "Só o que nós, da Igreja, podemos fazer é persuadir com nossas palavras."
Segundo Pabillo, por medo de perseguição, os familiares de vítimas não querem participar de nenhuma forma organizada de reação contra a guerra antidrogas.
Na semana de Natal, quando 50 mil pessoas visitam por dia a igreja mais famosa de Manila, Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, a ordem dos redentoristas organizou uma exposição com cem fotos de vítimas das operações antinarcóticos.
O objetivo, segundo frei Jun Santiago, um dos responsáveis, é aumentar a consciência das pessoas para o problema. Pesquisas feitas no segundo semestre de 2016 mostravam que mais de 80% da população apoiava a ação policial do governo.
Outra parte da igreja procura fazer acordos com os chefes de polícia e os chefes de barangay para criar "zonas de segurança" nas quais envolvidos com drogas possam tentar se reabilitar sem risco de serem mortos.
Mas em toda Grande Manila há apenas dois desses programas em funcionamento no momento, diz a oficial que chefia o departamento relações com a comunidade da Estação de Polícia número 3, Ana Laurence Simbaton, 34.
Em parceria com a chefe da barangay Punong, Victoria Grande, e a igreja, ela organiza reuniões semanais de apoio a viciados: em sua área, 1.650 pessoas se renderam, das quais 21 eram traficantes. Foram mortos 72 suspeitos.
Vincent Go - 1º.nov.2016/Folhapress | ||
Padre Bobby, ex-viciado em metanfetamina, coordena programa de reabilitação |
Para participantes do grupo da San Roque, o padre Renato Bobby Dela Cruz, ministro de justiça reparadora da Arquidiocese de Manila, é uma das chaves da recuperação.
Padre Bobby, como é conhecido, é ex-viciado em metanfetamina. "Estava no fundo do poço, sem saber o que fazer, e então veio essa luz e simplesmente deixei as drogas, sem precisar nem de desintoxicação", conta o padre, enquanto se prepara para rezar a missa das 17h30 na igreja de Tondo.
Damir Sagolj - 3.nov.2016/Reuters | ||
Barracos sob uma ponte em Navotas, Manila |
Padres, policiais e mesmo viciados temem, porém, pelo fracasso desse modelo de reabilitação.
Para eles, a criminalidade e as drogas têm raízes mais amplas —a pobreza e a falta de perspectivas—, que continuarão idênticas quando os internos saírem do centro.
"Os viciados querem mudar", diz Veronica Sevilla, que segue um programa de reabilitação na paróquia San Roque. "Mas isso não vai acontecer à força. Quando os pacientes voltarem para casa, não terão comida, suas famílias estarão passando fome."
Para tentar mudar essa história, a paróquia San Roque dá aulas de formação profissional. Veronica, por exemplo, aprendia a fabricar peanut butter.