O que é, o que é?

Personalidades discutem o que é liberdade de opinião e discurso de ódio

A Folha ouviu 35 personalidades dos mais diversos setores sociais para descobrir o que cada um entende por liberdade de expressão e por discurso de ódio, e se é possível determinar um limite entre esses dois valores.

Como na maior parte das questões atuais, também nesta a polarização se faz presente, opondo visões que poderiam ser chamadas de libertárias —que defendem o primado da livre manifestação— e garantistas —que esta não deve se sobrepor à sensibilidade de grupos identitários ou vulneráveis.

O QUE É LIBERDADE DE EXPRESSÃO?

"Liberdade de expressão é a possibilidade de as pessoas se manifestarem sobre fatos e ideias sem interferências externas, sobretudo do Estado. Discurso de ódio é uma tentativa de desqualificar e excluir do debate grupos historicamente vulneráveis, seja por religião, cor da pele, gênero, orientação sexual ou qualquer traço utilizado com o objetivo de inferiorizar pessoa ou grupo."
Luís Roberto Barroso, ministro do STF

"Liberdade de expressão é o direito de expor uma opinião, levando em consideração os efeitos do que é dito. Discurso de ódio é tratar um assunto de maneira odiosa sem motivo, sem medir palavras ou perceber que uma opinião quase sempre está misturada a preconceito e parcialidade."
Preta Gil, cantora

Adriano Vizoni - 17.dez.13/Folhapress
Celebridades 20.02.2017 - Apresentadora do SBT Rachel Sheherazade; que apresenta o SBT Brasil e faz comentarios politicos de tom conservador.
A jornalista e apresentadora do SBT Rachel Sheherazade

"Liberdade de expressão é o direito de expor a opinião e exercitar a divergência sem ser perseguido ou condenado. O discurso de ódio é um conceito um tanto abstrato e elástico. Para uns, é a expressão da verdade desnuda do politicamente correto; para outros, é a tentativa abjeta de difamar seu interlocutor."
Rachel Sheherazade, jornalista e apresentadora do SBT

"Liberdade de expressão é poder se manifestar sobre tudo aquilo que não ofenda ou ataque o sentimento íntimo das pessoas. Discurso de ódio é o que tem por objetivo incitar, criar beligerância e promover animosidades contra esses sentimentos pessoais."
Marcelo Itagiba, ex-deputado (PSDB-RJ) e autor do projeto de lei 987/2007, que pretende criminalizar o negacionismo do Holocausto

EXISTE LIMITE?

"Você não pode pregar nada que nutra desprezo ou agrida uma pessoa, sobretudo a partir de uma generalização. Podemos dizer que todos os homens são estupradores? Que todas as mulheres são inferiores? Isso é um absurdo. As pessoas acham que liberdade de expressão é liberdade de dizer merda."
Renato Janine Ribeiro, professor de filosofia e ex-ministro da Educação

"O momento é adequado para intensificar o debate sobre o direito à liberdade e ao pensamento. Me preocupa a pregação de ódio, a radicalização e o confronto nas redes sociais. Eu diria que beira, inclusive, a selvageria, pela linguagem que é usada. Não há dúvida de que isso é perigoso. Democracia não se faz assim."
Ana Amélia, senadora (PP-RS)

"As pessoas têm que saber que o que pensam para si próprios pode não ser o que o outro quer para ele. É isso que está faltando, respeitar as diferenças."
Odair José, cantor

Nubia Abe/Divulgação
Linn da Quebrada é destaque do festival Órbita
A cantora transexual MC Linn da Quebrada

"O discurso de ódio aparece quando você acha que seu modo de ser e estar no mundo deve ser um modelo com o qual outras pessoas têm que se conformar. Se isso não acontecer, o discurso de ódio vem para deslegitimar a sua vivência, para fazer com que pareça que sua vida não merece ser vivida."
Linn da Quebrada, cantora

"Manifestações que contestem fatos históricos comprovados não merecem a garantia da liberdade de expressão. Não é do interesse da sociedade e do conhecimento histórico denegar fatos conhecidos. É o caso do Holocausto, do genocídio armênio, e da existência, apurada pela Comissão da Verdade, de repressão política durante o regime autoritário."
Celso Lafer, ex-ministro das Relações Exteriores e parecerista do caso Ellwanger, no qual o STF condenou um revisionista do Holocausto

"Não deve ter limite nem censura em uma sala de espetáculo. Se você não concorda com um discurso, não gosta de um grupo ou de uma expressão artística, não precisa ver. Se não gostar de algo, a pessoa pode vaiar, conversar com o autor ou debater com alguém que representa aquela arte. O problema é que as pessoas perderam a noção do que é real e do que é artístico"
Eduardo Reyes, ator e produtor da peça "A Mulher do Trem", suspensa pelos organizadores em São Paulo após acusação de racismo

NO PARLAMENTO

Evaristo Sá/AFP
Supreme Electoral Court (TSE) President Gilmar Mendes speaks during the session examining whether the 2014 reelection of president Dilma Rousseff and her then vice president Michel Temer should be invalidated because of corrupt campaign funding, in Brasilia, on June 9, 2017. The lead judge looking into corruption during Brazil's 2014 presidential election voted Friday to strip President Michel Temer of his mandate, but the overall result remained unclear, with six judges yet to weigh in
O ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes

"O tribunal tem vacilado no debate sobre a imunidade parlamentar. Às vezes consegue considerar a cobertura mais ampla no que diz respeito a manifestações discriminatórias e que atentem contra a dignidade de uma pessoa, às vezes não. Há uma certa ideia da canonização da imunidade, mas, especialmente em casos associados à discriminação e a situações de gênero, o tribunal tem enunciado alguma limitação."
Gilmar Mendes, ministro do STF

"Temos no Parlamento um fascista, racista e homofóbico, eleito há muitos mandatos, que professa discursos de ódio impunemente, porque até agora o STF não julgou as ações contra ele. As pessoas se sentem autorizadas a reproduzir esse discurso quando veem que uma autoridade da República o utiliza. Se um deputado perde o mandato quando rouba, ele também deveria perder o mandato quando ofende uma coletividade deliberadamente, contrariando preceitos constitucionais."
Jean Wyllys, deputado federal (PSOL-RJ)

"A Constituição fala que o parlamentar federal é inviolável, civil e penalmente, por suas opiniões, palavras e votos. Contudo, se o parlamentar profere o chamado discurso de ódio, concitando a população ao cometimento de preconceitos que a própria Constituição coíbe ou então ordena a lei a criminalizar, aí já suscita um conflito de normas que se resolve com o lógico afastamento da referida imunidade.

Esse tipo de discurso, além de juridicamente pré-excluído do estatuto de qualquer partido político, também não se encarta em nenhuma das competências constitucionais da Câmara dos Deputados, do Senado e do Congresso Nacional como um todo. Não se encarta nem pode se encartar, porque, tão ofensivo do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, termina por ofender a cláusula pétrea dos direitos e garantias individuais."
Ayres Britto, ex-ministro do STF

NA TEORIA

Greg Salibian/Folhapress
A pesquisadora e feminista Djamila Ribeiro durante o evento
A ativista dos movimentos negro e feminista Djamila Ribeiro

"Liberdade de expressão não é um direito absoluto, nem pode ser. As pessoas têm dificuldade de entender que vivem em sociedade, que existem regras e que a gente precisa delas, sobretudo no que diz respeito à vida do outro."
Djamila Ribeiro, ativista dos movimentos negro e feminista e ex-secretária-adjunta de Direitos Humanos da prefeitura de São Paulo

"Eric Hobsbawm dizia que, se a esquerda adotasse o discurso identitário —o que está acontecendo hoje—, esse argumento seria usado pela direita também. Quando se cria um pensamento de grupo, você está a um passo de gerar um discurso de ódio. [Mas] se você chama muitas coisas de discurso de ódio, a definição deixa de ser útil."
Pedro Burgos, jornalista e consultor de mídia

"As grandes sociedades se caracterizam pela pluralidade de valores, alguns excludentes. A liberdade de expressão é ligada à liberdade em si, mas há o valor da luta contra o preconceito. Como lidar com o conflito de valores? Os EUA optaram pela liberdade de expressão. O Brasil optou por uma legislação protetiva. Isso guarda um certo paternalismo, mas expressa respeito."
Fernando Schüler, cientista político e professor do Insper

"Aqueles que falam preconceituosamente, de maneira homofóbica, deveriam se calar. No ato de falar de maneira homofóbica, machista ou misógina, as pessoas eliminam o lugar do outro como sujeito."
Marcia Tiburi, autora do livro "Como Conversar com um Fascista - Reflexões sobre o Cotidiano Autoritário Brasileiro" (Ed. Record)

"É necessário entender a ideia de identidade e de alteridade. Por uma questão de sobrevivência, nos sentimos seguros quando próximos de algo com que nos identificamos. Queremos sempre que o outro seja igual a nós e, se não for, talvez tenhamos que destruí-lo. Este é um pressuposto fundamental para o surgimento do discurso de ódio."
Izidoro Blikstein, professor da FGV e especialista em análise do discurso

NO HUMOR

Avener Prado - 1.jul.15/Folhapress
O comediante Marcelo Madureira - Jantar do festival de humor Risadaria, na casa do idealizador do evento, Paulo Bonfá, no Alto da Lapa, em São Paulo.
O humorista Marcelo Madureira

"O humorista jamais deve se pautar pelo que os outros vão dizer, caso contrário morre como artista, vira o Romero Britto das anedotas, sem nenhuma relevância cultural. Liberdade de expressão é igual à cidadania: você tem direitos, mas também tem deveres. Pode dizer o que quiser, mas responde por isso."
Marcelo Madureira, humorista

"Deveria existir um controle do humorista, no mínimo um bom senso. Quando o humor tira sarro e reforça preconceitos sobre o mais fraco, é tão preconceituoso como qualquer outro gênero de expressão. Não é por ser humor que tem essa defesa, essa prerrogativa."
Dan Stulbach, ator

"Não existe limite para o humor. Se o humorista se autocensura, a piada perde espontaneidade antes de nascer. Mas os tempos e os comportamentos estão mudando, e o humor vai mudando junto. Algumas piadas, como por exemplo falar que mulher dirige mal, perdem a graça, e esse é o ponto mais importante."
Adão Iturrusgarai, cartunista da Folha

"Humor não pode ter limite, é liberdade de expressão. Nós temos 200 milhões de brasileiros, sempre haverá alguém ofendido. Se eu for dar bola para isso, não vou fazer nada, vou virar uma planta."
Carioca, humorista do programa "Pânico na Band"

"A ideia de você censurar o humor, em que o espectador de antemão sabe que é uma caricatura e não tem compromisso com a realidade, não tem minha simpatia. Acho que pode ter algum grau de reprovação moral em certos casos, mas teria dúvidas se caberia uma reprovação jurídica nas situações em que claramente se está diante de uma quadro de humor, e não de alguém que esteja procurando retratar a realidade."
Luís Roberto Barroso, ministro do STF

NA RELIGIÃO

Tomás Rangel - 16.out.12/Folhapress
O pastor da Igraja Assembleia de Deus, Silas Malafaia, posa para foto, no Rio de Janeiro.
O pastor evangélico Silas Malafaia, líder da Associação Vitória em Cristo

"Amo os caras da umbanda, os ateus, os homossexuais. A Bíblia coloca todas essas práticas como pecado; não fala de pessoas, mas de práticas. Eu amo as pessoas, mas condeno as práticas. Que democracia é essa, que liberdade de expressão é essa, que, quando eu falo alguma coisa contra, sou homofóbico?"
Silas Malafaia, pastor evangélico e líder da Associação Vitória em Cristo

"Quando se faz um discurso sistemático de perseguição a religiões de matriz africana, como os de setores das igrejas neopentecostais, você sai do limite da liberdade de expressão. É discurso de ódio."
Ivanir dos Santos, babalorixá da comunidade espiritual Adifala, no Rio, e autor do livro "Intolerância Religiosa X Democracia" (Ed. Ceap)

"A pessoa pode ter convicções, mas não tem o direito de externar posições discriminatórias. Se um evangélico diz que rezar para os santos é idolatria, ele está protegido pela liberdade de convicção. Mas é intolerável que, a pretexto da crença, se incentive a humilhação ou a segregação social —como falar para não contratar pessoas de religiões de matriz africana porque são filhas do diabo."
Thiago Pierobom, promotor, coordenou por quatro anos o Núcleo de Enfrentamento à Discriminação do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT)

NA ARENA PÚBLICA

Edson Silva - 12.jun.13/Folhapress
O filósofo Luiz Felipe Pondé, colunista da Folha, participa da Feira do Livro de Ribeirão Preto em conferência no Theatro Pedro 2º
O professor de filosofia e colunista da Folha Luiz Felipe Pondé

"O debate público tem um risco, e muitas vezes grupos, pessoas ou instituições são movidas por uma semântica um pouco paranoica, que acaba tornando todo mundo um pouco medroso. O politicamente correto é uma censura em nome do 'bem'. Todo censor acha que está censurando em nome do bem."
Luiz Felipe Pondé, professor de filosofia, escritor e colunista da Folha*

"O problema não é o direito de opinião, mas o direito que se pretende transformar em ação. Em vários países do mundo, o direito de opinião é limitado pela defesa do respeito à dignidade pessoal. O mais importante é defender os direitos humanos, o direito de igualdade e o respeito às peculiaridades culturais."
Fernando Abrucio, cientista político e professor da FGV

"Não vejo a presença do ódio no campo da liberdade de imprensa, do debate. Há uma disputa acesa, o que é fundamental para a democracia. A democracia é assim, é embate, debate, enfrentamento. Acho que é uma falácia dizer que o debate democrático mais aceso é marcado pelo ódio."
Marco Antonio Villa, historiador e comentarista político

"Há uma poderosa indústria que se montou a partir das redes sociais e das novas tecnologias para a fabricação e propagação de notícias falsas, calúnias e outros crimes, com impacto na formação da opinião pública e da conformação da democracia. A indústria da mentira e do ódio não se alastra por abuso de liberdade, mas por escassez de meios daqueles que deveriam checar os fatos e esclarecer o público."
Eugênio Bucci, jornalista e professor da USP

"As pessoas descobriram o debate público sem nunca terem sido preparadas para ele e não conseguem perceber quando estão proferindo discursos de ódio, nem quando outras estão. Tudo o que é contra o que a gente acredita tende a ser considerado discurso de ódio e tudo o que vai ao encontro do nosso pensamento é liberdade de expressão."
Leonardo Sakamoto, jornalista e autor do livro "O que Aprendi Sendo Xingado na Internet" (Ed. Leya)

"Há pouco tempo, um idiota teria que subir num caixotinho na praça da Sé e gritar bem forte, mas não seria ouvido porque lá tem muita gente gritando. A internet permitiu que o idiota achasse uma caixa de ressonância e, claro, juntou a comunidade de idiotas espalhados por vários lugares."
Mário Sérgio Cortella, escritor e professor da PUC-SP

DEVE HAVER PUNIÇÃO?

"É necessário definir o que são crimes de ódio. A legislação brasileira não incorporou o conceito, que é a realização de um crime motivado pela intolerância máxima. O objetivo [do projeto] é criar uma barreira legal para quem cometa esse crime, para que essa pessoa se sinta constrangida ao saber que existe uma lei que pode puni-la."
Maria do Rosário, deputada federal (PT-RS) e autora do projeto de lei 7582/14, que pretende tipificar crimes de ódio

Mastrangelo Reino/Folhapress
A ex-ginasta brasileira Daiane dos Santos.
A ex-ginasta olímpica Daiane dos Santos

"As leis são muito brandas para o discurso de ódio. Uma punição mais severa ajudaria a reduzir os casos. Penas leves, como o pagamento de cesta básica ou limpar uma rua, não vão doer na pessoa."
Daiane dos Santos, ex-ginasta olímpica

"Acho fundamental identificar quem se manifesta em redes sociais e meios de comunicação. Se incutirmos na consciência de todos que a cada direito corresponde um dever, as pessoas irão se policiar muito mais ao manifestar opiniões, se não por virtude, por receio da responsabilização."
José Roberto Batochio, advogado do ex-presidente Lula

"Todos os povos têm maneiras diferentes de lidar com a liberdade de expressão, alguns cassando o direito da palavra, outros permitindo que se fale o que quiser. Acredito que a escolha brasileira é o melhor dos dois mundos: liberdade total com a devida identificação da pessoa, que responderá, moral ou legalmente, por tudo o que fala."
Luiz Maerovitch, presidente do Hebraica-Rio, clube onde o deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ) fez declarações racistas em palestra