O que diz a lei

Em julgamento histórico, Supremo condenou negacionista do Holocausto

Arquivo/STF
Plenário do STF durante julgamento do caso Ellwanger
Plenário do STF durante julgamento do caso Ellwanger, em 2003

LUÍS COSTA
DA EDITORIA DE TREINAMENTO

O gaúcho Siegfried Ellwanger Castan já era dono de uma pequena editora quando lançou seu primeiro livro, no verão de 1987. O título era uma pergunta provocativa: "Holocausto Judeu ou Alemão?". Treze anos depois, estava no banco dos réus do STF (Supremo Tribunal Federal), condenado por incitação ao racismo.

Pelo selo Revisão, ele publicara uma série de obras que negavam o Holocausto judeu durante a Segunda Guerra Mundial. Aos 71 anos, Ellwanger —que assinava seus livros como S. E. Castan— dizia não ser antissemita e sim "contra a mentira judaica", segundo informava a Folha. O caso foi o primeiro de condenação definitiva por antissemitismo na América Latina.

Em 2002, um pedido de habeas corpus levou novamente a pauta ao tribunal. Foram cinco sessões plenárias até a decisão. Por oito votos a três, os ministros negaram o pedido e a tese da defesa de que judeu não era raça e que, portanto, não havia crime de racismo.

Parecerista do processo à época, o advogado e ex-ministro das Relações Exteriores Celso Lafer entende que o STF estabeleceu com clareza que "o preceito fundamental da liberdade de expressão não consagra o direito à incitação ao racismo". Ele afirma que o tribunal considerou a prevalência dos princípios da dignidade humana, da igualdade e da não discriminação.

A ideia segundo a qual a liberdade de expressão garante a negação do Holocausto, diz Lafer, não encontra respaldo na democracia. "São sempre possíveis novas interpretações da história e dos seus fatos porque, em matéria de história, não existe coisa julgada. O que não é lícito é alterar a matéria factual", afirma. "Por trás de falsidades grosseiras há sempre o deliberado intento de provocar danos a segmentos da sociedade."

Para ele, revisionistas não querem interpretar fatos históricos, mas sim "apagar a imensidão de verdade factual do Holocausto para sustentar o preconceito antissemita".

DECISÃO 'POLÍTICA'

Em 2004, Ellwanger (morto em 2010) assinou artigo na página "Tendências e Debates" da Folha. "O principal em tudo é o seguinte: se houve crime, foi exclusivamente de pesquisa e opinião", escreveu na ocasião.

Advogado de Ellwanger durante o processo, Werner Becker acredita que o caso transbordou as questões meramente técnicas. "Subiu na tribuna um temor de que a imprensa internacional noticiasse: 'Supremo absolve nazista'. Acho que é uma opção política, respeitável", afirma.

Becker sustenta que o crime de racismo era inaplicável no caso julgado. "O objeto do habeas corpus era pura e simplesmente [demonstrar] que ofender o judaísmo não é crime de racismo. Não estou pregando ofensas contra judeus, só estou dizendo que judeu não é raça", diz.