Combate ao doping

Exame contra dopagem começa muito antes da coleta de urina

DE SÃO PAULO

Em 2011, durante a conferência organizada pela Rede Internacional de Pesquisa Humanitária do Doping, a pesquisadora alemã Anne-Marie Elbe exibiu uma apresentação de slides com título curioso: "To pee or not to pee?" ("fazer xixi ou não fazer xixi?", em inglês).

Elbe conversou com oficiais do controle de dopagem e listou problemas relatados com frequência na hora em que atletas eram encaminhados para o exame antidoping. Dos 37 entrevistados, 36 disseram estar acostumados com a demora dos competidores na hora da coleta.

Teoricamente a tarefa é simples: pegar um copinho e urinar. Às vezes, tomar uma picada de agulha e colher sangue. Depois, só assinar uns papéis e ir embora.

Na prática é bem diferente.

Um exame antidoping começa muito antes do atleta ser selecionado. Todos os competidores estão suscetíveis a testes, dentro ou fora de competições. Frequentemente precisam colher amostras depois de um jogo ou nos locais de treino, cansados e desidratados.

Além disso, alguns deles, geralmente atletas de elite, precisam fornecer informações detalhadas sobre sua rotina de descanso, treinos e campeonatos, indicando um período diário de 60 minutos em que poderão ser encontrados para um exame fora de competição.

Se um esportista desta categoria for procurado e não for encontrado em três ocasiões, considera-se que ele violou uma regra antidoping e, portanto, poderá ser punido.

"O que fazem hoje em dia é usar inteligência. Até não muito tempo os controles eram meio aleatórios, focados no período de competição", afirma Guilherme Artioli, professor da EEFE-USP (Escola de Educação Física da Universidade de São Paulo). "Para quem se dopa, é muito fácil parar no tempo certo para chegar limpo no campeonato. O mais provável é encontrar testes positivos fora do período."

A Wada (Agência Mundial Antidoping) permite que um atleta seja convocado aleatoriamente ou com base em outros indícios, como resultados nas competições e mudanças físicas aparentes. Uma vez escolhido, não há outra opção senão colher uma amostra de urina ou sangue.

As amostras coletadas são encaminhadas para um laboratório credenciado pela agência mundial, onde são analisadas. O estabelecimento ou os técnicos não têm acesso ao nome do atleta, apenas ao número com o qual registraram o material coletado.

DIREITOS

O exame antidoping é obrigatório, mas os atletas têm uma série de direitos que devem ser respeitados. Por exemplo, podem tirar dúvidas sobre todas as etapas do controle de dopagem.

Também podem adiar em alguns minutos o exame para receber uma medalha, receber atenção médica ou atender compromissos com a imprensa, desde que um escolta o acompanhe e o oficial esteja ciente.

Um dos direitos mais importantes é a possibilidade de pedir que uma contraprova seja analisada.

Durante o teste de urina, por exemplo, a amostra colhida pelo atleta é dividida em dois frascos: um de tampa laranja (A) e um de tampa azul (B). Se o primeiro testar positivo para o uso de substâncias proibidas, o atleta é afastado temporariamente e pode pedir que a amostra B seja averiguada.

Se a contraprova também testar positivo, o atleta irá a julgamento, onde apresentará sua defesa do caso e ficará sabendo qual sua punição, se houver.

Caso não esteja satisfeito, pode recorrer à última instância: a CAS (Corte Arbitral do Esporte). Ali, a pena pode ser reduzida ou até mesmo cancelada.

Se ainda assim se sentir injustiçado, sobram poucas opções. O atleta pode arriscar lutar por seus direitos em uma corte civil, possibilidade levantada pelo ministro de Esportes da Rússia depois que os competidores de atletismo do país foram expulsos da Rio-2016. Ou aguardar para descontar a raiva contra rivais em competições, assim que cumprir a punição e for liberado. (IGOR UTSUMI)