Cemitério na zona sul de SP tem funcionário com colete à prova de balas e 'divisão de torcidas' em enterro
RODRIGO RUSSO
DE SÃO PAULO
Não há descanso para quem trabalha no cemitério São Luiz, no extremo sul de São Paulo. O caso do agente de velório Laércio Paulo da Silva é emblemático: para se proteger de possíveis agressões durante os funerais, ele guarda um colete à prova de balas em sua sala no cemitério. "Prefiro sempre conversar, tratar todas as pessoas com respeito, mostrar que o diálogo é o caminho e que um funeral não é lugar para problemas. Mas, em dias em que chegam casos de homicídio para serem velados aqui, é melhor ter o colete comigo, por via das dúvidas."
Os riscos são concretos: a porta de ferro do prédio da administração tem a marca de um tiro, e a atual administradora do cemitério, Zilma Nazarete dos Santos, 47, já precisou sair de sua sala pela porta dos fundos diante de ameaças feitas por um homem armado. É no cemitério, no calor do velório, que muitos buscam acertar as contas com os algozes.
Tranquilidade é um atributo que muitas vezes não se encontra nos velórios no São Luiz. Laércio, o agente de velório, e Zilma, a administradora, contam que, em alguns enterros, as famílias começam a discutir pelos bens de quem morreu ainda enquanto velam seus corpos. E as brigas podem surgir ali mesmo. Para aplacar a situação, guardas-civis metropolitanos são chamados para separar os lados em disputa, do início do cortejo até a chegada ao túmulo, numa espécie de controle de torcidas em estádio de futebol. Quando a situação aperta, a Polícia Militar também é convocada.
Em 2000, um pai foi preso no cemitério após enterrar o próprio filho.
Localizado no Jardim São Luís, a 20 km do centro da cidade e próximo dos bairros do Capão Redondo e do Jardim Ângela, o cemitério é historicamente conhecido por receber um alto número de vítimas de homicídios e também pelo expressivo número de crianças ali enterradas: das 227 mil pessoas sepultadas desde 1981, 90 mil são crianças.
O caso do menino Italo, 10, morto a tiros pela PM no começo do mês passado durante perseguição ao carro que furtara com um colega de 11 anos, é a síntese desses dois fenômenos. Italo foi enterrado na quadra 10 do São Luiz, depois de um velório em que parentes e amigos cobraram que seu caso fosse esclarecido –o que ainda não ocorreu.
Para entender a rotina e as histórias do "cemitério dos homicídios", a Folha acompanhou por uma semana os velórios, enterros e o dia a dia dos funcionários do São Luiz.
Zanone Fraissat/Folhapress | ||
Flores no túmulo do menino Italo, 10, morto por policiais militares após perseguição em junho |